Dia da Indústria: Setor está menos centralizado, mas precisa de plano nacional para evoluir

Seguindo tendências internacionais, o setor vive um processo de desindustrialização 'precoce'. Ceará tem apostado em estratégia de protagonismo, mas precisaria de mais apoio nacional

Escrito por Samuel Quintela , samuel.quintela@svm.com.br
Legenda: A pesquisa considerou a realidade em mais de 30 municípios cearenses e um total de 711 empesas de diferentes portes e setores, como agropecuário, indústria, comércio e serviços
Foto: Thiago Gadelha

Um novo estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontou que a indústria brasileira, que hoje (25 de maio) comemora sua data no calendário, está ficando cada vez mais descentralizada, com os principais polos nacionais – atualmente São Paulo e Rio de Janeiro – perdendo espaço para outras regiões.

Apesar de a nota técnica indicar um avanço na participação do Nordeste para o mercado do País, especialistas ouvidos pela reportagem apontaram que o panorama precisa ser analisado com cautela. 

De acordo com o estudo apresentado pela CNI, a participação da Região Sudeste acabou encolhendo 7,66% em relação ao mercado brasileiro. Essa flutuação representou um avanço das regiões vizinhas, com o Sul apresentando a maior variação positiva no País, com 2,46%.

O Nordeste apareceu logo atrás, com alta de 2,06%. Ranking segue com o Norte (1,66%), e o Centro-Oeste (1,48%). Os dados são referentes à comparação entre os biênios 2007/2008 e 2017/2018. 

A nota técnica da CNI indica que a perda de participação do setor do Sudeste está baseada no segmento da indústria da transformação, no qual todos os estados da Região tiveram redução. O fluxo inverso foi absorvido pelos três estados do Sul, que apresentam um "bom desempenho das respectivas indústrias do setor.

Nordeste

No Nordeste, os destaques acabaram ficando para Pernambuco e Bahia, que também evoluíram no segmento da indústria de transformação. 

"São Paulo perdeu participação na produção nacional de 22 dos 24 setores que compõem a Indústria de transformação no período. As maiores perdas se deram nos setores de celulose e papel, produtos de metal, vestuário, acessórios, máquinas e materiais elétricos", diz a nota. 

"O Rio de Janeiro perdeu participação para a produção brasileira em 18 dos 24 setores da Indústria de transformação. As maiores perdas foram registradas nos setores de impressão e reprodução, farmoquímicos e farmacêuticos, manutenção e reparação", completa o texto. 

Descentralização com ressalvas 

Apesar da menor participação do Sudeste, o que poderia indicar uma redução das desigualdades regionais no setor da indústria, o economista e gerente do Observatório da Indústria da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Guilherme Muchale, destacou que essa descentralização precisa ser observada "com cuidado". 

Ele ponderou que essa movimentação de pesos não tem acontecido de forma homogênica, e que alguns estados estariam concentrando esses crescimentos. No caso do Nordeste, ele apontou os desempenhos de Pernambuco, Bahia e Ceará.  

Segundo o relatório da CNI, os estados tiveram altas de participação na indústria de transformação nacional de 1,45% (PE); 1,30% (BA); e 0,12% (CE).  

"A desconcentração é positiva, mas precisa ser olhada com cuidado. O exemplo disso é o Nordeste. Se analisarmos a Região, a gente percebe que há uma elevação da concentração da indústria de transformação nos principais polos, que são Bahia, Pernambuco e Ceará. Eles apresentaram os maiores aumentos e queda em outros", analisou Muchale.  

Enfraquecimento nacional

Além disso, o economista Alex Araújo destacou o cenário de enfraquecimento da indústria de transformação no Sudeste como um fator dessa descentralização.

Como o Sudeste sempre contou com uma boa participação da indústria automobilística e esse segmento vem perdendo forças nos últimos anos, considerando a saída de empresas do País e a competição com mercados internacionais, a tendência é que o Sudeste perca ainda mais força.  

Temos visto a saída da Ford e outras montadoras do Brasil e isso tem um peso. Essa perda da indústria automobilística vai fazer perder São Paulo perder ainda mais espaço no futuro".
Alex Araújo
economista

Araújo ainda indicou que a indústria brasileira, por não contar com um plano nacional de desenvolvimento, está muito sujeita às tendências do mercado externo para obter crescimento.   

Plano nacional

O economista explicou que, como há no cenário global uma grande busca por alimentos e produtos de siderurgia, os estados do Centro-Oeste e do Sul, conhecidos pela forte produção de grãos e proteína animal, acabam sendo favorecidos e devem ganhar mais espaço se o cenário industrial do País não mudar no futuro.  

"Desde o início dos anos 1990, quando se abriu o comércio internacional, ainda com o (Fernando) Collor, não temos um grande movimento industrial. Desde então, a gente sente falta de uma estratégia nacional mais clara. A CNI reclama de questões de trabalho e nosso atraso na indústria 4.0, mas o que podemos dizer é que temos sentido falta de política pública para impulsionar e planejar o desenvolvimento da indústria nacional", explicou Araújo.  

Sobre o enfraquecimento da indústria, o gerente do Observatório afirmou que o Brasil vive um processo de desindustrialização precoce que pode prejudicar o mercado nacional.  

Guilherme Muchale ponderou que a indústria acaba gerando salários maiores e ajuda a elevar a média do valor agregado dos produtos exportados pelo País, fator que pode ajudar a equalizar a balança comercial com a exportação de produtos.   

O processo de desindustrialização no Brasil é considerado um processo precoce, ou seja, os aumentos de renda média no País não seriam uma justificativa ainda para a redução da indústria", disse.
Gulherme Muchale
gerente do Observatório da Indústria da Fiec

"A redução ocorre por questões do custo Brasil, que está relacionado a impostos, burocracia, custos trabalhistas, maior dificuldade para acessar insumos internacionais", completou.  

Cenário cearense 

Sobre o posicionamento do Ceará no cenário nacional, Alex Araújo apontou preocupações relacionadas ao alcance e potencial do modelo aplicado para gerar o desenvolvimento local. 

Segundo o economista, o plano de desenvolvimento da indústria cearense, focado em setores específicos e em colocar o Estado como porta de entrada internacional é importante para dar autonomia local.  

A análise é corroborada por Muchale. "No Ceará, temos um leve aumento que se dá pelo aumento do setor de metalurgia, considerando a implementação da Zona de Processamento de Exportação (ZPE) do Ceará e polo siderúrgico no Porto do Pecém. Além disso, temos a elevação da indústria de material elétrico, ligado às fontes de energia renováveis, e da moda com os setores de confecções e calçados", disse.  

Foto: José Rodrigues Sobrinho

Contudo, o plano pode não ter força suficiente para competir com as demandas globais se não houver um plano de desenvolvimento nacional

"A gente tem olhado para o mercado local e a posição do Ceará como entrada no mercado nacional, mas para ganhamos impacto maior, precisaríamos nos inserir nos mercados globais, o que envolve capacidade logística e que significa ter rotas sistemáticas passando por aqui, e ter uma grande força de presença para se discutir soluções", explicou.  

"É muito importante ter esse protagonismo, mas uma mudança na participação nacional é muito difícil sem um plano maior no País", completou Araújo.  

Possíveis soluções

Para conseguir reverter o cenário e impulsionar a indústria no País, o gerente do Observatório da Fiec afirmou que o precisa começar a discutir de forma prática a redução do chamado "custo Brasil" e as reformas estruturantes, como a tributária.  

"Em termos de agendas, o custo Brasil é essencial, e isso tem relação com as reformas, sobretudo a tributária, que pode gerar uma melhoria no ambiente de negócios e dar condições da nossa indústria de competir no cenário internacional"
Alex Araújo
Economista

"Além disso, é preciso ressaltar a agenda ligada à inovação, que tem capacidade de atrair investimentos, que é capaz de aumentar o potencial de valor agregado da indústria  e precisa ficar atrelado às práticas de gestão das indústrias", completou. 

O economista ainda apontou a necessidade de elevar os investimentos em educação focadas em pesquisa e inovação para que o País e o Estado possam gerar melhorias próprias na indústria.   

"Precisamos de pesquisa, formação de mão de obra, já perdemos muito espaço nas cadeias de engenharia e de ciências e tecnologia. As reformas têm um papel, mas tivemos uma fragilidade na pesquisa e inovação, que é um segmento que tem muito a ver com crescimento de produtividade na indústria", defendeu.   

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