Crise gerada pela pandemia força família a fechar bar em Fortaleza e retornar para a Itália
Blablabar ficava no bairro Varjota e tinha sido aberto por casal que sonhava em morar em um lugar com sol o ano todo
Passar pelas ruas mais comerciais de Fortaleza hoje é ter a certeza de que a crise provocada pela pandemia do coronavírus deixou marcas difíceis de superar. Nos bairros mais boêmios da Cidade, os espaços vazios - alguns já com a placa "ALUGA-SE" - denunciam quem não conseguiu sobreviver a um dos momentos mais difíceis da história mundial.
De acordo com estimativa feita na última semana pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes do Brasil (Abrasel-CE), metade dos seis mil bares e restaurantes da Capital cearense não terão forças para retomarem as atividades, com 30% da mão de obra sendo demitida.
Em julho, o Sistema Verdes Mares divulgou uma lista com os locais que vão deixar saudade na noite alencarina, entre eles o Blablabar.
O empreendimento ficava localizado na Rua Ana Bilhar e representava o sonho de um casal italiano com raízes brasileiras: mostrar ao Ceará um pouco do que são os bares italianos com seus aperitivos e sua comida tão característica.
A decisão de encerrar de vez as atividades foi publicizada aos clientes no início de maio, quando Fortaleza sequer havia entrado na fase de transição do Plano de Retomada Responsável das Atividades Econômicas e Comportamentais.
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Liana Fiorina e Roberto Rossi abriram o bar em outubro de 2019, nove meses após chegarem em Fortaleza para ficar. "Escolhemos Fortaleza para morar porque boa parte da família mora aqui e nós sempre quisemos morar em um país com praia e sol o ano inteiro", lembra Liana, que tem mãe cearense. "E tendo família aqui, tivemos um apoio", diz.
"Meu marido é apaixonado pela coqueteleira e queríamos ter algo nosso. Tentamos trazer um estilo mais italiano para Fortaleza, a tradição dos nossos aperitivos", detalha Liana sobre os motivos que os levaram a apostar no empreendimento.
Decisão
Acompanhando a situação provocada pelo Covid-19 na Itália daqui, quando o coronavírus começou a penalizar o Brasil, Liana sentiu que, com poucos meses de abertura, não seria possível atravessar algo tão cruel.
"Tivemos poucos meses de abertura, não dava pra enfrentar todos esses meses fechados", lembra. "Às vezes é mais difícil decidir fechar do que decidir continuar".
Com o fechamento do Blablabar, Liana e Roberto decidiram que seria melhor voltar para a Itália, que aos poucos se reconstrói de um dos períodos mais difíceis de sua história. Para Liana, pensar nos dois filhos, Alessandro e Rebecca, de 9 e 13 anos de idade, foi crucial nesse momento.
"Foi difícil, mas como temos dois filhos, tomamos a decisão principalmente por eles. Achamos mais seguro voltar para a Itália".
Reconstruir a vida
Liana pontua que pesou na decisão o medo da forte crise que o Brasil enfrentará em decorrência da pandemia, assim como ocorre no mundo inteiro. Na avaliação dela, porém, é mais fácil se reconstruir na Europa, "ter um novo início".
"No Brasil é mais complicado, tem menos ajuda do Estado, os bancos têm juros absurdos. E tudo é pago: colégio, saúde... é mais fácil achar um trabalho na Europa com um salário que dá para viver bem", diz.
"Aqui, para nós, a única posibilidade era empreender. E neste momento histórico, tão excepcional, não tem condição. Principalmente neste ramo", lamenta Liana.
A escassez de crédito é uma das principais reclamações das empresas de menor porte penalizadas pela pandemia. Pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas (Sebrae) mostrou, no início de julho, que mais de 60% das empresas de pequeno porte não haviam conseguido empréstimo durante a pandemia até então.
A Abrasel-CE já havia pontuado que, mesmo com os programas do Governo Federal para destravar os financiamentos, os bancos vinham colocando uma série de obstáculos para a liberação.
Hoje em quarentena na Itália, a família espera refazer a vida na província de Sondrio, região da Lombardia. Questionada sobre um dia voltar a morar no Brasil, Liana diz que não sabe, mas que "nunca digas nunca".
Na mala e no coração, ficam as lembranças das "lindas praias, os amigos que encontramos no nosso caminho e a disponibilidade de parte dos cearenses".
No Instagram, ao se despedir da empreitada, Liana e Roberto desejaram boa sorte a Fortaleza e ao Brasil. "A memória do Blablabar nos acompanhará aonde quer que a gente vá e em qualquer coisa que façamos. Obrigada por tudo".