As donas do pedaço: quem são as mulheres que empreendem e ajudam a girar a economia local?
Ceará possui a quarta maior proporção de negócios liderados por mulheres do País
Faltava pouco para Tatiane Bonfim, 36, realizar o exame da ordem e se tornar advogada, mas a notícia de que estava grávida a fez mudar os planos. Em busca de uma flexibilidade que a possibilitasse ficar com a filha mais tempo do que um emprego de carteira assinada permitiria, ela decidiu empreender. "Minha prioridade sempre foi minha filha", diz.
Para ela, que empreende no ramo alimentício há quase cinco anos, essa flexibilidade é uma das grandes vantagens de empreender. "Poder cuidar da minha filha e da minha casa, poder fazer meu horário. E ter oportunidade de crescer no ramo escolhido", diz a empresária.
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Tatiane já teve um restaurante, trabalhou com bolos festivos e hoje aposta em sua pequena fábrica de farofas no Eusébio.
"Meu sonho é ver minha empresa grande, se tornando uma grande fábrica, fornecer para todo o Brasil e exportar para outros países"
Se por um lado o empreendedorismo possibilita flexibilidade de horários para estar mais perto da família, por outro é preciso estar atento para não misturar as receitas da casa com as da empresa. Para Tatiane, esse é um dos pontos difíceis que envolvem a atividade empreendedora.
A história de Tatiane pode parecer familiar, já que o empreendedorismo como alternativa para gerar renda sem se afastar do cuidado da casa e ficar perto dos filhos é a realidade de muitas empresárias. No Ceará, 42,4% das empresas ativas são lideradas por mulheres, de acordo com estudo da Serasa Experian.
O Estado é o quarto maior do País em proporção de negócios liderados por mulheres. O Rio de Janeiro ocupa o topo do ranking, com 44,4% dos negócios ativos tendo uma mulher à frente das atividades, sendo única dona ou sócia majoritária. Alagoas e Espírito Santo aparecem em seguida.
Recalculando a rota profissional
A empresária Renata Santiago, 42, também vê como uma vantagem da atividade empreendedora a possibilidade de organizar a rotina de acordo com o dia a dia dos filhos e da família. Ela trabalha com confeitaria há um ano e meio e pontua que iniciar um novo negócio a ensinou a acreditar em si e mostrou que “mesmo depois dos 40 poderia ter uma nova profissão, recomeçar”.
“Sempre é tempo para sonhar e correr atrás de cada detalhe desse sonho, com muita garra, trabalho, amor e fé”
Para ela, que trabalha com confeitaria, o principal desafio é transformar todo o processo em vendas. Além disso, ela destaca a dificuldade de participar de todo o processo produtivo.
"No meu caso, é pensar em um produto, testar, aprovar, cuidar do estoque, compras, pagamentos, anotar os pedidos, organizar a produção, finalizar os produtos e muitas vezes até entregar para o cliente", explica a empreendedora.
A consultora em empreendedorismo e fundadora do canal Empreender com Paixão, Flávia Paixão, explica que o empreendedorismo feminino relacionado à necessidade de uma renda passa muitas vezes pelo desejo das mulheres de estarem com os filhos e a família. “Começa como uma atividade que elas normalmente já desempenhavam e depois se torna algo formal”.
O problema é que nem sempre o crescimento vem acompanhado pela profissionalização do negócio. Uma pesquisa da Serasa constata que, entre as empreendedoras femininas, o score de crédito Pessoa Jurídica é em geral pior do que o score de crédito Pessoa Física: 70% das empreendedoras possuem score PF acima de 500, enquanto 79,7% possuem score PJ abaixo de 400.
Empreendedorismo e educação financeira
De acordo com Flávia, isso acontece porque muitas dessas mulheres empreendedoras brasileiras contam com pouca base de educação empreendedora e financeira. "Muitas mulheres começam um negócio sem ver que se trata de um negócio e por isso acontece essa mistura da pessoa física com a pessoa jurídica".
O vice-presidente de pequenas e médias empresas da Serasa Experian, Cleber Genero, detalha que um bom score de crédito é fundamental para a saúde do negócio, já que ele possibilita ao empreendedor ter acesso ao crédito e facilita operações, como alugar um imóvel e conseguir mais prazo. "Isso se reflete no dia a dia do empreendedor. Um dos pontos relevantes quando se trata em mortalidade de empresa é a gestão do capital de giro".
Para melhorar esse perfil, Flávia Paixão acredita que é necessário sair do amadorismo e empreender com mais profissionalismo. "Esse empreendedor, principalmente essa mulher, precisa desenvolver um novo olhar", diz, destacando a necessidade de essas mulheres fortalecerem a presença de seus negócios em market places, por exemplo.
"Principalmente as mulheres mais maduras possuem dificuldade de estar nas redes. É preciso quebrar essas barreiras para esse negócio crescer, gerar renda e criar novos empregos", diz Flávia.
Oportunidades desiguais
Para Flávia Paixão, a criação de oportunidades mais igualitárias para as empreendedoras passa pela compreensão das necessidades das mulheres, além de trabalhar o autoconhecimento e a segurança.
"Quando pensamos em políticas públicas, é preciso entender a importância da capacitação e entender que essas mulheres também estão muitas vezes à frente de questões domésticas. Se a gente não entende qual é essa realidade, dificilmente conseguiremos trazer soluções impactantes. Nós, mulheres, não temos essa discussão sobre finanças e é preciso trazer isso de uma forma alinhada a realidade", arremata Flávia.