Rede social de 'sugar daddy' tem 48 mil patrocinadores com renda média de R$ 75 mil no Ceará

Plataforma de relacionamento com 'patrocínio' tem 441 mil usuários no Ceará

Popularizados nas redes sociais pela expressão 'velho da lancha', os relacionamentos 'sugar' envolvem uma dinâmica de apoio financeiro em troca de companhia. Uma das plataformas que viabilizam esse tipo de relação faz sucesso no Ceará, com 441 mil usuários.

O Estado é o 10º do Brasil em usuários na plataforma 'MeuPatrocínio', uma das principais redes que promovem esse tipo de encontro. São 48.287 sugar daddies (como são chamados os 'patrocinadores') inscritos. Em tradução livre, "sugar daddy" significa papai açucarado. O termo se refere a homens mais velhos que se relacionam de alguma forma com pessoas mais jovens, as "sugar babies".

A média de renda mensal dos sugar daddies no Ceará é de R$ 75 mil. A faixa está próxima da média nacional, que é de 74 mil, com patrimônio pessoal de R$ 3,9 milhões. Entre os 2 milhões de daddies no País, estão empresários (38%), advogados (11%) e médicos (9%). A idade média é de 38 anos. 

Já no caso das sugar babies (mulheres que recebem o 'patrocínio') inscritas na plataforma, a maioria é universitária. Entre os cursos, estão Direito (12%), Administração (10%) e Biomedicina (9%). São 9,8 milhões de mulheres no Brasil e 308.712 no Ceará, com idade média de 26 anos. 

Uma dessas jovens cearenses é Joana*, assistente administrativa de 27 anos, que utiliza a plataforma desde 2019. Ela está em um relacionamento sugar há cinco meses e afirma que a relação é bastante agregadora, para além do financeiro, pois seu companheiro impulsiona seus objetivos e mentalidade. A assistente recebeu apoio para reformar a casa da mãe, com gastos em torno de R$ 65 mil.

Joana explica que a relação tem todas as características de um relacionamento convencional e que o apoio financeiro ocorre de forma 'natural'.

Geralmente, me assusta um pouco quando a pessoa fala 'o que você quer de mim?'. Eu gosto de sentir como é a vida da pessoa. O que a pessoa espera de mim. Eu não gosto de me comprometer de imediato. De acordo com a necessidade do dia a dia, talvez eu comente algo e a pessoa por livre e espontânea vontade tome a decisão de ajudar"
Joana*
Assistente administrativa

Joana revela que não se sente inferiorizada por ter uma relação com vínculo explícito com o dinheiro. “Eu me sinto inteligente. Eu acho que transformar o corpo em mercadoria é você ir numa balada, não que isso seja errado, e ficar com uma pessoa que você não sabe a história de vida dela. E, no outro dia, não recebe nem um bom dia”, opina. A assistente administrativa afirma que toma os cuidados de segurança comuns para todas as redes e que indica a plataforma para suas amigas. 

Também há casos onde o 'patrocínio' cobre jantares luxuosos, estudos, viagens e bens, como carros. A professora Geísa Matos, do Programa de pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que o crescimento dessa forma de relacionamento é um avanço da economia neoliberal. Segundo a pesquisadora, essa é uma tendência de homens que não só querem exercer certo controle sobre as mulheres, mas garantir que não vão se comprometer emocionalmente

“Não é uma simples prostituição. O homem estabelece certo tipo de vínculo, já que ele se compromete financeiramente, muitas vezes paga estudos, viagens, roupas, sendo que, como está de certa forma 'comprando' esse vínculo, ele não se responsabiliza emocionalmente por essa mulher”, explica. 

Segundo a plataforma, como os patrocinadores buscam um número variado de encontros, é esperada uma média de 4 'sugar babies' para cada 'sugar daddy'. No Ceará, essa desproporcionalidade é ainda maior: seis mulheres para cada patrocinador cadastrado. 

Apesar de menos comuns, também existem sugar mommies (mulheres patrocinadoras) cadastradas na plataforma: 393.670 no Brasil e 14.108 no Ceará. Já os sugar baby boys (homens jovens patrocinados) são 3,6 milhões no País, sendo 70.197 no Ceará. 

Dinheiro envolvido nas relações

Apesar de a associação entre dinheiro e relações amorosas estar mais explícita no 'mundo sugar', isso ocorre em todas as formar de relacionamento, até as mais espontâneas. É o que defende Clara Soares, doutoranda em sociologia da UFC e pesquisadora da experiência de jovens em aplicativos de encontro. “Uma relação é construída consumindo. Quando a gente conhece uma pessoa, vai a jantares, faz troca de presentes, e tudo isso envolve gastar dinheiro”, aponta.

A pesquisadora aponta que o fenômeno das relações com patrocínio, que em sua maioria são intergeracionais, têm base na premissa patriarcal de que os homens devem garantir o subsídio financeiro. 

Clara defende que esse tipo de relação afeta a autonomia das mulheres envolvidas, sobretudo as que não têm uma fonte de renda fixa. “É muito bom a gente entender os impactos da pandemia, principalmente nos preços dos produtos. Para você consumir e ter experiências, tudo ficou bem mais caro. Quando a gente alinha essas inseguranças financeiras às revoluções tecnológicas, a gente vai perceber como essas trocas têm se intensificado e têm sido facilitadas. Todas essas jovens esperam ser bancadas? Não necessariamente”, pondera. 

A doutoranda ressalta a importância de outros aspectos do contexto social, como a necessidade de validação da beleza, para entender as escolhas dessas mulheres em participar dessas plataformas.

É muito simplista usar da moralidade para se colocar contra o que essas mulheres vêm fazendo. Julgá-las ou algo do tipo. Já que, majoritariamente, a gente age, pensa e sente de acordo com o ambiente que crescemos. Isso quer dizer que a gente deva procurar relações mais equilibradas? Claro que não"
Clara Soares
Doutoranda em sociologia da UFC

Para Fabiana*, estudante universitária de 22 anos que utiliza uma plataforma de patrocínio há oito meses, as 'relações sugar' a fazem se sentir valorizada. A jovem revela que tem dois relacionamentos fixos que começaram pela rede social e, em troca da companhia, recebe valores em dinheiro mensalmente. Com a renda, já conseguiu mobiliar a casa, quitar as mensalidades da faculdade, realizar procedimentos estéticos e comprar itens de luxo.

“Acredito que os relacionamentos sugar são bons tanto para quem está recebendo carinho tanto para quem está recebendo os mimos. São homens carentes que precisam da companhia que muitas vezes não têm em casa. Muitas vezes pela idade, pela correria, pela vida rotineira, e procuram mulheres mais novas que possam proporcionar esses momentos bons e prazerosos. E como são homens ricos, não têm problemas em dar mimos”, aponta.

A universitária afirma que não tem vergonha de falar que utiliza as plataformas e indica a experiência para amigas. “Eu nunca me senti insegura em momento algum. Os homens com quem eu converso e me encontro passam uma segurança muito grande. Até porque antes mesmo dos encontros, já fazem transferências e mandam mimos. Então acredito que a maior intenção mesmo dos usuários da plataforma é ter momentos bons ao lado das acompanhantes”, conta. 

Como funcionam as plataformas de relacionamento sugar?

O 'MeuPatrocínio' se apresenta como uma rede social de relacionamentos. O diferencial, segundo Caio Bittencourt, diretor de comunicação da empresa, é que há transparência entre as partes em relação às expectativas. 

Caio afirma que a plataforma é bastante utilizada por homens divorciados que querem recomeçar a vida amorosa, mas não tem traquejo social. Os 'daddies' buscam companhia e, como dinheiro não é um problema, ficam felizes ao poder proporcionar sonhos e desejos das companheiras, segundo o diretor. 

O porta-voz discorda da tese de que essas relações representam uma objetificação das mulheres. “Quando a gente fala de relacionamento sugar, as pessoas entendem como se a mulher fosse apresentada na rua como sugar baby. Não é assim que a coisa funciona. É uma característica que a sugar gosta em um homem. São mulheres que gostam de se relacionar com homens bem-sucedidos e existe de fato uma relação”, alega.

O diretor comenta que esses tipos de relacionamento não são uma novidade. “Todo mundo conhece uma relação próxima que o homem é o provedor da relação. E mulheres que procuram homens que vão ser provedores não são melhores ou piores, simplesmente querem alguém que possa ajudar. Muitas delas trabalham”, disse. Bittencourt aponta ainda que a rede pode ser utilizada por mulheres ricas que buscam companheiros no mesmo patamar financeiro. 

Ao entrar na plataforma, os usuários têm acesso a todos os perfis cadastrados e podem filtrar por cidade. O acesso é gratuito, mas também há planos pagos com funcionalidades extras. 

  • Plano Premium (R$ 299 por mês): recebem selo diamante no perfil e aparecem primeiro na lista de perfis
  • Plano Elite (R$ 999 por mês): recebem coroa no perfil, tem acesso a atendimento 24h, aparecem primeiro na lista de perfis e passam por verificação de antecedentes criminais 

Outra plataforma nesse objetivo, a 'Universo Sugar', também cobra assinaturas de R$ 99 a R$ 4.194 por semestre para os patrocinadores. O portal tem 270.456 inscritos no Ceará, sendo 223.182 babies e 47.274 daddies. De modo geral, essas redes sociais fazem uma análise dos perfis antes da aprovação - para garantir que as fotos utilizadas não são falsas e os usuários não são menores de idade. 

As empresas também explicitam que proíbem quaisquer pessoas de promover atividades ilícitas - como prostituição - ou comerciais de qualquer tipo. O advogado João Rafael Furtado, presidente da comissão de proteção de dados da OAB/CE, explica que as plataformas podem ser responsabilizadas caso alguma irregularidade ocorra, como o envolvimento de menores de idade ou indução à exploração sexual. 

“Se a negociação for direta pela 'pessoa que prestou o serviço', não há crime. Porém, o administrador da plataforma que eventualmente estimulem a prostituição pode responder sim pelo crime do artigo 229 do Código Penal”, explica. A pena inclui de reclusão de 2 a 5 anos e pagamento de multa.

O advogado ressalta ainda que as empresas devem seguir as normas da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) em suas políticas de privacidade e de descarte de dados. 

*Nomes fictícios utilizados para preservar a identidade das fontes