Seita de Juazeiro do Norte que acreditava no fim do mundo é relembrada pelo 'Fantástico'
Grupo achava que a virada do século traria catástrofes capazes de acabar com a humanidade
Na época da virada do último século, do XX para o XXI, surgiram muitas teorias de que o mundo acabaria com a chegada do ano 2000. Uma delas foi alimentada por uma seita de Juazeiro do Norte, na região do Cariri, formada por fanáticos fiéis do padre Cícero. No período, o grupo foi tema de uma reportagem do "Fantástico", relembrada nesse domingo (20) pelo especial que celebra os 50 anos do programa.
Na ocasião, a então repórter, Renata Rodrigues — atualmente coordenadora de produção internacional da emissora —, apresentou à produção da atração a história dos religiosos, autodenominados "aves de Jesus penitentes do padre Cícero Romão Batista". As informações são da Rede Globo e do jornal Folha de S. Paulo.
"Um dia convocaram a equipe para uma reunião de pauta especial. Era para a gente sugerir pautas para a virada do ano, de 99 para 2000. [Durante a pesquisa] achei uma notinha falando que existia uma seita em Juazeiro do Norte, no Ceará, que achava que o mundo ia acabar na virada do ano, de 99 para 2000".
Veja também
A proposta de acompanhar o Réveillon de 2000 ao lado dos religiosos foi aceita pelos editores do programa, então a jornalista foi escalada para a missão: participar do evento da virada em que eles acreditavam ser o último momento de suas vidas.
Conhecidos popularmente como "penitentes" ou "borboletas azuis", devido às vestes azuis que usavam, Renata Rodrigues também teve que arrumar, de última hora, um vestido azul longo e de mangas cumpridas para se adequar ao uniforme exigido pela seita. O detalhe curioso é que a única roupa do acervo da Rede Globo que atendia aos requisitos era o manto de Nossa Senhora, sendo ele mesmo que ela usou.
Já em Juazeiro do Norte, a repórter seguiu para o grupo, que acreditava que o município cearense era a "terra prometida por Moisés", pois foi por onde padre Cícero passou e isso indicaria que o local era um "porto seguro" para o fim dos tempos.
Na noite de 31 de dezembro de 1999, a jornalista acompanhou os religiosos para o cemitério da cidade, onde esperaram o mundo acabar, ou melhor, o ano virar para 2000.
"Ai, deu meia noite. Meia noite e alguns segundos. Meia noite e um minuto. Ficou aquele climão. Os fiés todos lá, com o divino mestre e tudo, e nada do mundo acabar."
Depois, a repórter retornou ao Rio de Janeiro, onde entregou o material, que, segundo ela, foi bem avaliado, e garantiu a contração definitiva dela para a equipe do Fantástico.
"Essa é uma história que conto sempre, que eu adoro e que faz parte da minha história", detalhou.
Sem nome, passado e dinheiro
As aves de Jesus penitentes do padre Cícero Romão Batista negavam o próprio passado; a tecnologia, pois viviam sem energia elétrica; o dinheiro, já que usavam um esquema de escambo; e o próprio nome, então todos possuíam o mesmo, enquanto as mulheres eram conhecidas como Maria Aves de Jesus, e os homens por José Aves de Jesus.
"Quem participa de nosso rebanho resolveu morrer para a vida dos homens. Não importa o que fez no passado, mas sim o que vai fazer para salvar nossas almas", explicou o líder da seita em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, publicada em março de 1997.
Os religiosos eram adeptos da castidade, não participavam de festas, nem tinha água encanada em suas casas ou relógios. Caminhavam até 120 quilômetros em "missões de pregação" entre cidades vizinhas, como Cajazeiras, na Paraíba, e os municípios cearenses de Brejo Santo e de Exu. As crianças da seita não frequentavam colégios.
Por acreditar que Deus fez a noite para os animais, os religiosos se recolhiam para dormir às 18h e acordavam às 6h. O líder do grupo detalhou à publicação, na época, que eles não trabalhavam porque precisavam de tempo para rezar. Os rituais diários duravam até 5 horas diárias.
Os "penitentes" acreditavam que o padre Cícero era "a reencarnação de Deus". Eles acompanhavam missas do lado de fora das igrejas. A profecia de que o mundo acabaria foi revelada pelo próprio sacerdote ao líder do grupo em um sonho.