Theatro José de Alencar celebra 190 anos do autor de 'Iracema' neste sábado (27)

Em homenagem a um dos maiores nomes de nossas letras, evento "José de Alencar 190 anos" tem lançamento de livros, apresentações teatrais e olhares aprofundados sobre o ofício dramatúrgico, até então pouco explorado, do autor

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@verdesmares.com.br
Legenda: Theatro que leva o nome do escritor é palco das comemorações
Foto: FOTO: SAULO ROBERTO

A extensa e incontornável obra de José de Alencar (1829-1977) não cansa de fomentar novas perspectivas para estudiosos e apreciadores do legado do escritor cearense. É daquelas temáticas vulcânicas. E tal envergadura se torna ainda mais proeminente em 2019, quando se comemoram os 190 anos de nascimento do literato, cuja data específica remete ao dia 1 de maio.

Visando festejar a efeméride e, por consequência, a herança deixada por ele na cultura do Ceará e do Brasil, é que um evento acontece neste sábado (27), a partir das 17h, no equipamento que leva o nome do escritor, o Theatro José de Alencar, no Centro da cidade. "José de Alencar 190 anos" tratará de enfatizar as expressivas marcas que o talento nas letras deixou não apenas em páginas, mas na própria cartografia de trabalhos artísticos - estes primando por pluralidade de vozes e contornos.

Dois momentos acontecerão durante a tarde/noite: no primeiro, haverá o lançamento de dois livros, "José de Alencar In Cena: Estudos da dramaturgia alencarina" e "Olhos D'África: Pós-colonialismo e literatura africana", no Foyer do TJA; no segundo, série de apresentações ocupará o palco principal do espaço, num abrangente guarda-chuva cênico, de título "Espetáculo Antologia Teatral de Alencar".

A intensa incursão pelas Artes Cênicas no evento é justificada e dialoga com um ofício alencarino pouco explorado, inclusive pela Academia. "A dramaturgia de Alencar é algo quase esquecida. Atualmente, existe uma literatura rasa sobre esse assunto", afirma Wellington Rodrigues, doutor em Letras/Literatura pela Universidade Federal do Ceará e ator, diretor e dramaturgo da Cia Teatral Moreira Campos.

Segundo o pesquisador, o autor foi um dramaturgo polêmico, com textos debatidos inclusive por grandes nomes da literatura brasileira. Dentre eles, Machado de Assis (1839-1908).

"Ele criou um teatro diferente no Brasil dos anos de 1857: sério, de riso reflexivo, bem diferente do que fazia Martins Pena; compenetrado, satírico, irônico, visionário, mas delicado e quase dramático, com um drama diferente, daqueles em que o sorriso predominava, diferente do que produzia Joaquim Manuel de Macedo. Então, num só evento, estamos envolvendo teatro e literatura; um teatro pouco visto e pouco montado Brasil afora, e uma literatura pouco revisitada", complementa Wellington.

Alcance

A ideia para realizar o projeto surgiu a partir de proposta idealizada pelo ator, diretor e dramaturgo Marcelo Farias no ano passado, quando, na ocasião, 10 grupos cênicos de Fortaleza encenaram, em formato de esquetes, toda a dramaturgia de Carlos Câmara. A homenagem ao escritor de peças teatrais, natural de Fortaleza, se deu por conta do centenário do Grêmio Familiar, grupo criado por ele em 1918.

"Consequentemente, com o sucesso, resolvemos enfocar em outro autor. No caso, o teatro esquecido de José de Alencar, mais conhecido apenas como romancista", situa Marcelo. "Montar o teatro alencarino deveria fazer parte de nossa cearensidade. O livro coordenado por Wellington Rodrigues, a propósito, vem se somar a esse resgate".

Não à toa, o evento prima por fazer literatura e artes cênicas caminharem de mãos dadas. A obra evocada por Marcelo em sua fala é um oportuno retrato disso. A edição apresentada ao público é organizada por Wellington Rodrigues, Marcos Paulo Torres Pereira (doutor em Letras pela Universidade Estadual de Campinas) e Tito Barros Leal (doutor em História pela Universidade de Lisboa) e configura-se como um volume que reúne ensaios sobre todas as obras dramatúrgicas criadas pelo autor cearense.

"Reina um silêncio quase absoluto entre as obras/personagens de Alencar que provocaram a sociedade do seu tempo, em grande relevância, a burguesia aristocrática e cortesã do Rio de Janeiro: moralista, fútil, preconceituosa, desonesta, oportunista e hipócrita. Portanto, um livro que enfoca o escritor como dramaturgo é um resgate importante desta parte de sua vasta obra", reitera Wellington.

No palco

Por sua vez, sobre o tablado, um grupo vai entregando a cena para o outro, numa dinâmica graciosa de movimentos e interpretações. A intenção, conforme os organizadores, é entregar à audiência uma visão compactada da dramaturgia de Alencar.

Além das cenas, narradores contarão a sinopse de cada espetáculo/esquete, facilitando a compreensão do público. Portanto, serão duas horas, de 19h às 21h, de imersão profunda. Os grupos a subirem ao palco e as respectivas apresentações refletirão, de maneira contudente, esses componentes.

Os oito trabalhos apresentados e as respectivas agremiações serão: "Verso e Reverso ou O Rio de Janeiro", pela Cia Teatral Moreira Campos; "O Demônio Familiar", do Grupo Comédia Cearense; "O Crédito", do Grupo Base de Teatro; "As Asas de um Anjo", do Teatro Experimental de Cultura; "Mãe", da Capricórnio Produções; "O que é o Casamento", da Cia Acontece; "O Jesuíta", do Grupo Arte de Viver; e "A Expiação", da Cia Palmas Produções Artísticas.

Questionado sobre como se posicionaria o mestre das letras cearenses no momento atual do Brasil - tendo em vista o peso crítico que as criações sob sua assinatura têm -Wellington Rodrigues tem fala concreta: "Suas obras se encaixariam muito bem no atual cenário brasileiro. A personagem do Rodrigo, em 'O Crédito', é um exemplo disso. O mesmo digo de Carolina, personagem de 'As Asas de Um Anjo'. Ambos satirizam, ironizam a sociedade, chamam a elite de hipócrita e supérflua", analisa.

Ao mesmo tempo, também questiona: "O Brasil de hoje não é hipócrita? Armar o povo é uma solução para o País? Sucatear as universidades é preciso? A reforma da Previdência é necessária? Ela atende a todos? Ou beneficia uma minoria? E o povo brasileiro, onde fica? E os teatros do País têm vez e valor?".

Ampliar o entendimento sobre José de Alencar, assim, evoca pensamento múltiplo: seja no artesanato do verbo diluído em romances, seja no teatro, a leitura do autor é exercício de refinamento do pensar e viver.

Serviço

Evento "José de Alencar 190 anos" 
Neste sábado (27), a partir das 17h, no Theatro José de Alencar (Rua Liberato Barroso, 525, Centro). Gratuito e aberto ao público. Contato: (85) 3101-2583

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