Comunicólogo cearense reflete sobre os novos caminhos da moda

Jackson Araújo, jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará, fala sobre o "slow fashion", as tendências de comportamento na moda e quais caminhos são possíveis para um consumo mais consciente

Escrito por Gabriela Dourado , gabriela.dourado@svm.com.br
Legenda: Jackson Araújo é jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará e há anos atua em diversos setores da moda

“O tempo urge”, reforça Jackson Araújo. Comunicólogo e consultor criativo cearense dialoga sobre os caminhos da moda e contempla quais os preceitos do "slow fashion", movimento que questiona a forma de produção e de consumo. Entre as ideias defendidas pelo jornalista, está a de que a sustentabilidade é uma urgência, que o autoconhecimento é uma tendência geral e que é preciso reconhecer que a vilania também está em quem não questiona o próprio consumo.   

Quais movimentos têm direcionado a moda atual?
Acredito que um divisor de águas é o Fashion Revolution, movimento criado na Inglaterra com a proposta de repensar as práticas da indústria de moda, a partir da queda do Edifício Rana Plaza em Bangladesh, que deixou 2.500 mortos e outras 1.133 pessoas feridas, no dia 24 de Abril de 2013, revelando o espetáculo horripilante do fast fashion e suas condições sub-humanas de trabalho. E com isso, a busca por responsabilidade, ética e transparência nos processos de moda tem ganhado corpo nos últimos anos, incentivando, por exemplo, o fortalecimento da prática do Slow Fashion.

Quais preceitos fazem parte do Slow Fashion?
O termo foi cunhado por volta de 2004, na Inglaterra, em contraposição ao fast fashion - o sistema de produção de moda que prioriza a fabricação em massa, a ocultação dos impactos ambientais do ciclo de vida das roupas, o custo baseado em mão-de-obra e materiais baratos sem levar em conta aspectos sociais da produção. O slow fashion surge como uma alternativa socioambiental mais sustentável que preza pela diversidade; prioriza o local em relação ao global; promove consciência socioambiental; contribui para a confiança entre produtores e consumidores; pratica preços que incorporam custos sociais e ecológicos; e mantém sua produção entre pequena e média escalas.

"O vilão também somos nós, que prosseguimos consumindo de marcas que não entenderam as mudanças urgentes".

Esse novo modelo de consumo é de possível dentro do ritmo em que vivemos, atualmente? Como aplicá-lo no dia a dia?
O problema não é o ritmo da vida, mas a ansiedade gerada pelo desejo pelo novo e pelo vazio, pelas roupas sem propósito, sem durabilidade e design. Passar a fazer parte desse movimento é abdicar dessa necessidade desenfreada de ter e passar a refletir como os bens de consumo da moda podem traduzir a busca pelo ser. Não significa parar de consumir, mas comprar de marcas que produzem de forma justa e ética.

Legenda: “Quanto mais você se conhece e se sente confortável com o que você é e tem, mais você percebe que precisa de menos”
Foto: FOTO: Victor Correa/VCARTWORK

De que forma iniciativas como a de roupas por encomenda impactam na moda e economicamente falando?
Esse retorno à ideia de ateliê é um dos movimentos que mais empolgam, pois incentiva você a comprar de quem faz as roupas. Você sabe a origem dos materiais, o cuidado com a mão de obra e o respeito pelo meio-ambiente, pois a marca não gera peça parada em estoque, impactando diretamente na construção de negócios mais sólidos e duradouros, que produzem em pequena escala aquilo que é solicitado, tirando de cena a produção de estoques gigantes que acabam virando mercadoria barata nas infinitas liquidações e promoções, que acabam por quebrar os vínculos de confiança entre consumidores e marcas.

"Quanto mais você se conhece e se sente confortável com o que você é e tem, mais você percebe que precisa de menos".

Encomendar e “mandar fazer” roupa não é exatamente uma novidade. O que diferencia essa proposta de marcas como a Catarina Mina da visita costumeira à costureira do bairro?
O design exclusivo. Raramente uma costureira de bairro desenha roupas, mas executa cópias.

Você também tem o projeto Trama Afetiva, que trabalha o upcycling e o slow fashion dentro da indústria. O que percebeu de mudança no mercado e nas pessoas?
Quando criamos a Trama Afetiva, buscávamos processos de inovação para resíduos têxteis a partir da criação coletiva e diminuir o gap existente entre o ensino formal nas escolas de design de moda e a realidade do mercado para um futuro que já chegou. Em quatro anos de projeto, percebemos que os verdadeiros resíduos da indústria da moda não eram os tecidos, mas as corporeidades políticas e seus discursos sobre diversidade e inclusão. Essa é a real mudança dentro da Trama Afetiva, que de certa forma reflete a busca por mudanças pela qual a indústria e o mercado estão sendo impulsionados a adotar. Consumidores das novas gerações estão nos ensinando sobre como podemos transformar a moda em micropolítica cobrando das marcas atitudes mais éticas e reflexões criativas para a construção de uma indústria que ainda não existe como desejamos: ética e transparente e limpa e sustentável e diversa e inclusiva e lucrativa e… Todos os nossos esforços agora estão focados em processos educativos que possam criar espaços de reflexão e sejam um convite para que marcas, indústrias, academia, artistas, designers, ativistas, professores e estudantes se juntem para regenerar o que nós mesmos enquanto moda ajudamos a destruir em termos de recursos naturais.

 Quais marcas tem aplicado esses novos modelos em seu conceito de negócio? Quais tem feito a diferença?
Essa mudança de fato em modelos de negócio está sendo consolidada por pequenas e novas marcas criadas por pessoas que já nasceram nesse novo mercado que quer ser mais consciente, justo e ético. Gosto de pensar sempre em Flavia Aranha, Laboratório Fantasma, BemGlô, Revoada, Teçume, Sapato Sem Nome, Vert Shoes, Carcel, Apoena e Catarina Mina. Essas tem feito a diferença.

Legenda: A marca cearense Catarina Mina é uma das citadas pelo jornalista como grifes que fazem a diferença
Foto: FOTO: JAMILLE QUEIROZ

Roupas ou outros acessórios de moda por encomenda também flertam com o luxo. Como o mercado de luxo vem respondendo ao desejo do slow fashion?
É muito chocante ver como o mercado de luxo está atrasado nesses processos nem tão novos de práticas mais sustentáveis de produção de moda e regeneração do planeta. Mas ao mesmo tempo é fácil entender porque tanta relutância. O luxo sempre foi sobre exclusividade, o que não orna mais com um mundo que precisa falar sobre inclusão. Não podemos mais falar de crise climática, já estamos na emergência climática. Se o mercado de luxo está se movimentando nesse sentido, isso significa que ser sustentável também é lucrativo, afinal quando os recursos naturais se esgotarem e o planeta colapsar, a moda não fará mais sentido algum.

"Ser sustentável também é lucrativo, afinal quando os recursos naturais se esgotarem e o planeta colapsar, a moda não fará mais sentido algum"

Falando em Ceará, movimentos como o slow fashion também acabam por resgatar saberes tradicionais do nosso povo. Como trazer para o contemporâneo o fazer da tradição?
A única ferramenta é o design, capaz de criar soluções inovadoras para práticas e manualidades ancestrais. É importante entender as artesanias como a língua, que é viva, mutante e reflexo das novas ondas comportamentais.

Você vem falando há tempos que a moda não é mais sobre roupas, é sobre pessoas. O que quer dizer com essa máxima?
Criamos até um filtro no Instagram para disseminar essa ideia. O que estou querendo provocar é uma reflexão séria, urgente e necessária sobre a importância de entender quem faz nossas roupas, quem são estes por trás não só dos processos produtivos, mas com quem e para quem estamos fazendo esses novos produtos. Não temos mais tempo para mais uma “bruzinha”. Acredito que a moda, não só a brasileira, mas a moda como indústria global e fonte criativa de padrões comportamentais está doente. Culturalmente, vejo a moda, pela primeira vez tendo que correr desesperada atrás de comportamentos que ela não conseguiu mastigar, digerir e transformar em produto fácil, barato e descartável. Ela agora está sofrendo para diluir comportamentos de ponta e colocar no mainstream. Dessa vez, isso significa se colocar em xeque, enfrentar o divã do consumismo/capitalismo. Vale ressaltar que também nunca se falou tanto no mainstream em práticas de autoconhecimento: ioga, meditação, budismo, aihuasca, xamanismo, astrologia. E é aí que reside o ‘X’ da questão. Quanto mais você se conhece e se sente confortável com o que você é e tem, mais você percebe que precisa de menos. Ao precisar de menos, a velha moda, acostumada somente com a última linha da planilha, adoece. O tempo urge. A cura está no respeito ao coletivo que é formado por pessoas.

"Todo processo de cura requer resiliência, medicação e repouso. O tempo urge. A cura está no respeito ao coletivo que é formado por pessoas".

Com o slow e o sustentável em pauta, muitas marcas de moda por vezes se apropriam do discurso sem transformar internamente seus processos de produção. Como o consumidor pode se atentar para essas pegadinhas e de que forma a própria indústria tem se movimentado em relação a isso?
É o que chamamos de práticas de greenwashing, em que marcas adotam estratégias de comunicar discursos, anúncios, ações, documentos, propagandas e campanhas publicitárias sobre ser ambientalmente/ecologicamente correto, green, sustentável, verde, eco-friendly… O consumidor que de fato está interessado em fazer parte da mudança tem que procurar fontes fidedignas de informação para seguir e se conectar com marcas que realmente estejam sintonizadas com essas práticas. A velha moda e a velha indústria têm criado ações bastante controversas e cabe a nós ativistas da nova moda nos colocarmos no papel de pontos de interlocução para a educação democrática e livre sobre o novo varejo.

Qual o papel da moda nesse momento?
Deixar cada vez mais claro que o vilão também somos nós, que prosseguimos consumindo de marcas que não entenderam as mudanças urgentes. Como diz o cantor Criolo, “é necessário quebrar os padrões, é necessário abrir discussões”. Deixo aqui um convite em que nossos esforços sejam ações estruturantes cada vez mais potentes para afetar a sociedade civil organizada a agir por mudanças que assumam a moda como uma micropolítica de transformação, dentro dos seguintes aspectos: Redescobrimento dos pequenos coletivos; Entendimento do diverso que é nossa sociedade; Melhor alternativa para a constituição de um conjunto de multiplicidades singulares; Possibilidade de articular a diferença sem intermediação; Admissão de que o verdadeiro político é o sujeito que cuida de si e por isso pode cuidar dos outros.

 

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