Pessoas em situação de rua enfrentam dificuldades para receber auxílio

Mesmo possuindo todos os requisitos para receber o benefício emergencial, acesso da parcela mais vulnerável da população à renda ainda é um desafio. No Ceará, medidas de isolamento social completam dois meses hoje

Escrito por Redação , negocios@svm.com.br
Legenda: De acordo com o IBGE, em junho, o Ceará tinha cerca de 3 milhões de pessoas ocupadas (formal ou informalmente). Dentre elas, cerca de 13,2% não receberam nenhum tipo de renda no mês.
Foto: Fabiane de Paula

Diante do cenário de crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus, o poder público tem agido para tentar amenizar a situação, principalmente, da população mais vulnerável. No entanto, a dois meses do início das medidas de isolamento social pelo Estado do Ceará, essa camada da sociedade está enfrentando uma série de dificuldades para garantir o mínimo para sobreviver.

Em muitos casos, essas pessoas não conseguem acesso, por exemplo, ao auxílio emergencial de R$ 600, que requer inicialmente um aparelho de celular ou computador com internet para realizar o cadastro para receber o benefício. No Ceará, o Governo criou um conjunto de medidas de apoio às famílias mais carentes nesse período. São isenções no pagamento das contas de luz e água para mais de meio milhão de clientes de baixa renda no Estado.

Seu Francisco Sousa (nome fictício), de 54 anos, é uma dessas pessoas que ainda não conseguiram sequer se cadastrar para receber o auxílio emergencial. Sem telefone celular ou acesso à internet, ele conta que vive com a família na Praça do Ferreira, no Centro de Fortaleza. "A minha dificuldade maior é que eu não tenho celular. Para poder se cadastrar, eu tenho que ter primeiramente um celular. Eu, minha esposa e meu filho de oito anos estamos morando na rua. A gente vive de 'bico', e meu filho está sem estudar".

Segundo Francisco, por não ser casado legalmente, a mulher com quem ele vive teria direito ao auxílio de até R$ 1.200. "Minha esposa está tentando fazer o cadastro. Estamos tentando nos encaixar em outro programa do Governo, mas é tudo muito burocrático e difícil. Essa dificuldade é maior para quem está na rua como a gente e trabalha informalmente. Nós vamos tentar novamente, e quem sabe minha mulher consiga se cadastrar", afirma.

Processos

Conforme instruções do Ministério da Cidadania, é necessário ter um celular para instalar o aplicativo do auxílio emergencial e requerer o benefício. "Não é necessário que o celular seja seu, mas é preciso ter acesso a algum celular, porque a inscrição pelo aplicativo ou pelo site da Caixa somente pode ser finalizada se você tiver acesso ao código que é enviado para o número de celular informado. Cada número de celular ficará vinculado a um CPF cadastrado, portanto, o mesmo número somente pode ser utilizado para fazer uma única inscrição", esclarece a pasta em nota.

No início de maio, o Ministério da Cidadania estava costurando parceria com os Correios para facilitar o cadastro das pessoas ao auxílio emergencial. "A solução conveniada com os Correios, para aqueles que não têm alguém que ajude a cadastrar, ou seja, os 'ultravulneráveis', é para que eles consigam acessar uma rede complementar à da Caixa, que está numa grande missão, e permitir que a pessoa possa se cadastrar e acessar igualmente a todos que pediram pelos meios digitais", ressaltou na época o secretário executivo do Ministério da Cidadania, Antônio José Barreto.

Bolsa Família

Seu José Irineu (nome fictício), de 45 anos, morou por cinco anos nas ruas de Fortaleza, mas atualmente conseguiu se enquadrar no Programa Locação Social - da Prefeitura de Fortaleza - que consiste na garantia de um auxílio financeiro mensal (aluguel social) às famílias que não disponham de meios materiais para adquirir ou alugar moradia.

Ele conta que, por estar cadastrado no Programa Bolsa Família, garantiu o auxílio emergencial. "Eu consegui o meu (auxílio) por causa do Bolsa Família. Não foi difícil. Fui na lotérica no calendário do Bolsa Família e saquei. Não tenho celular e nem internet, mas eu vi na televisão que eu tinha direito. Eu morava na rua com a minha família por mais de 5 anos e foi onde conseguimos o aluguel social. Hoje, moramos em um quitenete", aponta.

Seu José destaca ainda que vai usar o dinheiro do auxílio emergencial para comprar comida e um botijão de gás. "São três pessoas na minha família. Eu, minha esposa e meu menino de 16 anos, que só estuda. A gente tem cumprido o isolamento social, mas essa situação toda é muito difícil", desabafa ele.

Em nota, o Ministério da Cidadania informou que quem estava inscrito no Cadastro Único até o dia 2 de abril de 2020 e que atenda às regras do auxílio emergencial receberia o benefício automaticamente, sem precisar se cadastrar pelo aplicativo ou site da Caixa Econômica.

"Os beneficiários do Programa Bolsa Família que tenham direito ao auxílio também não precisam se cadastrar, pois serão automaticamente selecionados por meio das informações do Cadastro Único", explica a pasta em nota.

Segundo o Ministério da Cidadania, o Governo Federal repassou a mais de um milhão de famílias cearenses quase R$ 205 milhões em abril para o pagamento do Bolsa Família no Estado.

Desinformação

André Foca, representante do coletivo Arruaça e do Instituto Compartilha - órgãos sem fins lucrativos de assistência à população mais vulnerável - diz que o primeiro problema enfrentado por essas pessoas é a desinformação.

"A informação é muito reduzida, e as pessoas muitas vezes não têm acesso aos veículos de comunicação. Neste período, é um pouco mais complicado", pondera.

Segundo ele, os órgãos de assistência à população vulnerável notaram que houve, neste período de pandemia, um aumento no número de pessoas em situação de rua.

"De fato, quando a situação se agravou, a gente começou a perceber um número maior de pessoas nas ruas com o objetivo de matar a fome, porque não tinham comida em casa. Esse número vem aumentando, porque tinha muita gente que trabalhava como vendedor ambulante e neste momento se vê em total desespero", explica.

Foca diz ainda que as entidades de apoio estão identificando pessoas vulneráveis que não conseguiram receber o auxílio emergencial, mas que, no momento, estão mais empenhados em satisfazer as necessidades básicas dessa população. "Estamos mapeando as necessidades, e a questão da saúde está se agravando. Recebemos muitas pessoas que não conseguiram acessar o auxílio, que só dá para fazer se tivesse celular e um número. Tiveram vários beneficiários do Bolsa Família que conseguiram, mas algumas pessoas tiveram dificuldade com relação a não ter documentação ou não estarem com o cartão do Bolsa Família", aponta.

Ações

O Governo do Estado está implementando medidas para a população mais vulnerável, que vão desde a isenção do pagamento da conta de água e luz até o benefício do vale-gás. O pagamento da fatura de água está beneficiando mais de 593 mil clientes no Ceará, com R$ 21,1 milhões de responsabilidade do Governo.

Já o valor assumido pelo Governo estadual na conta de luz é de R$ 6,2 milhões, sendo mais de 514 mil clientes de baixa renda beneficiados. Além disso, foi criado o vale-gás social para famílias com renda per capita igual ou inferior a R$ 89,34, com quase 246 mil famílias beneficiadas.

Outra medida anunciada foi o cartão vale-alimentação para estudantes da rede pública estadual de ensino. Cerca de 423 mil estudantes têm direito a um vale de R$ 80 mensais.

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