Quase metade das mortes por Covid-19 no Ceará neste ano são de idosos acima de 80 anos
Para especialistas, a vacinação em massa é a única alternativa para redução dos danos causados pelo vírus, sobretudo no grupo de idosos
Idoso. Com mais de 80 anos. Este é o grupo etário que responde pelo maior número de mortes por Covid-19 em 2022, no Ceará. Dos 750 óbitos deste ano, 43,6% foram entre homens ou mulheres com 80 ou mais anos. Este perfil também foi observado no pico da primeira e segunda onda. No entanto, nunca antes a proporção de mortes em uma única faixa etária havia sido tão grande.
No pico da primeira onda da pandemia, em maio de 2020, 30% das mortes por decorrência do vírus SARS-Cov-2 foram entre cearenses com mais de 80 anos. Aquele foi o mês com maior registro de óbitos no Ceará. Das 4.254 mortes, 1.295 foram nesta faixa etária.
Na segunda onda, em abril de 2021, este grupo continuou responsável pelo maior índice de mortes, no entanto, com percentual menor. Das 3.823 mortes registradas naquele mês, 776 foram entre idosos com mais de 80 anos, ou seja, cerca de 20% do total.
Neste ano, o índice supera ambos os picos, representando quase metade de todos os casos até agora registrados. Os dados foram extraídos às 10:13 desta segunda-feira (8) do IntegraSus, portal oficial da Secretaria da Saúde (Sesa) do Estado.
Mas, o que explica essa grande concentração de óbitos nesta faixa etária? Para especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste, um dos principais fatores é a comorbidade que este idoso, em sua maioria das vezes, possui.
Outro ponto crucial alertado pelos médicos é a ausência do esquema completo da vacinação. Sem a imunização completa - com as três doses do imunobiológico - pessoas deste grupo etário ficam ainda mais vulneráveis.
A virologista, epidemiologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Caroline Gurgel, pontua que, quando infectado pelo vírus, o idoso tem mais chance de contrair "uma infecção generalizada" e agravar seu quadro clínico. "É algo muito mais grave, o vírus consegue atingir muito mais órgãos do que uma pessoa jovem", destaca.
Para idosos com comorbidades, acrescenta a Gurgel, o fator de risco é ainda maior. "Com hipertensão arterial, cardiopatia, ou que tenha, por exemplo, uma diabetes, tudo isso vai potencializar [a chance de óbito]".
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A médica infectologista do Hospital São José, Melissa Medeiros, completa que essa alta mortalidade nesta faixa etária não é apenas uma exclusividade da Covid-19. "Em outras doenças, como a influenza, os idosos também morre mais devido as comorbidades".
A população brasileira já está envelhecida, temos muito pacientes com mais de 80 anos, e qualquer infecção pode ser fator de risco. Por isso é importante ter cuidados, porque qualquer doença os leva a quadros mais graves.
Para a médica infectologista e pesquisadora da UFC, Lígia Kerr, a variante Ômicron é um pouco mais resistente às vacinas ante as cepas anteriores o que pode ser uma resposta para o alto índice (43%) de idosos mortos nesta terceira onda.
"É uma variante muito transmissível. Portanto, só uma vacinação completa e recente terá capacidade de reduzir os danos, seja de internações ou óbitos".
Importância da vacinação
Para reduzir os impactos neste grupo, especialistas destacam a importância do processo de imunização. "A vacina reduz a probabilidade de a pessoa vir a óbito. Principalmente pros grupos de risco", alerta Caroline Gurgel.
O biomédico e microbiologista Samuel Arruda acrescenta, no entanto, que a resposta imunológica da vacina é diferente para cada pessoa e, especificamente aos idosos, é necessário expor a mais doses "pois é um grupo difícil de ser imunizado".
Então, esse público, além de ser mais vulnerável aos efeitos do vírus, tem uma resposta imunológica menor, por isso a necessidade de tomar as duas doses mais a dose de reforço.
Esse cenário detalhado por Samuel é, na prática, a razão pela qual ainda haja idosos morrendo mesmo estando vacinados. Caroline Gurgel exemplifica que "uma pessoa que já é muito debilitada, pode tomar três doses, se infectar e ainda assim vir a falecer".
Isso não quer dizer que o imunizante não seja efetivo. A docente e virologista aponta que, sem a vacina, o índice de mortes seria infinitamente maior ao observado atualmente. Caroline explica que nenhuma vacina "zera totalmente os casos de óbitos, mas reduz drasticamente o risco dessa pessoa morrer".
Ela reforça a avaliação do biomédico Arruda quanto a resposta imune ser diferente para cada pessoa e acrescenta dizendo que, em alguns organismos, a vacina pode simplesmente não produz anticorpos. "Então existe uma população que tem essa característica particular e infelizmente acabam adoecendo mais grave, se internando e indo a óbito".
Por mais que a vacina não vá proteger 100% dos casos, os dados mostram que a vacina protege sim. Hoje, estudos mostram que 80% dos internados são de não vacinados.
Ainda na concepção do especialista, é preciso avançar ainda mais no processo de imunização. "Quando há grupos sem vacinação, até mesmo aqueles que estão vacinados passam a sofrer riscos, pois os não vacinados acabam possibilitando que o vírus permaneça circulando e se mutando", alerta.
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Na avaliação de Ligia Kerr, ainda existe uma grande quantidade de pessoas que não tomou a vacina e sequer está cadastrado para receber o imunizante. "É de suma importância que ocorra uma massiva campanha de conscientização e uma busca ativa para atingir essas pessoas que ainda não estão vacinadas. As vacinas são boas e estão protegendo. Temos que vacinar mais e quanto mais rápido", completa.
Desafios
Com o recente aumento nos casos de infecção, a sobrecarga no sistema de saúde, tão marcante nas primeiras ondas da pandemia, voltou à cena. Além dos desafios inerentes à doença, que já vitimou mais de 25 mil cearenses, há uma carga de maior cuidado e atenção dispensados ao atendimento dos idosos.
A médica coordenadora clínica das Unidades de Terapia Intensiva do Hospital São Lucas, Bruna Ximenes Sabóia, reconhece a necessidade de uma atenção especial aos idosos, mas, destaca que este não é o principal desafio.
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"Não é um fardo, pelo contrário, este perfil de paciente, em geral, tem a capacidade de ampliar o sentimento de empatia e afeto a equipe assistente, mas esse não é maior desafio. A participação da família é um fator extremamente importante e muitas delas não estão preparadas para tomadas de decisões sobre a autorização ou não a realização de procedimentos invasivos, como a intubação orotraqueal", explica a médica.
Ela considera que o maior desafio "é a definição com relação a intensificação ou limitação do cuidado, onde há perfis de pacientes com múltiplas comorbidades que restringem seu prognóstico. [Portanto] a participação da família como elo fundamental na linha de cuidado e na tomada de decisão, impactará diretamente na condução e desfecho clínico".