Menino de 7 anos é apontado como ‘curandeiro’ pela população após supostos ‘milagres’ no Ceará
Centenas de pessoas têm buscado contato com a criança, cenário que motivou notificação do Conselho Tutelar
O portão da casa de uma criança de 7 anos moradora do município de Cruz, no interior do Ceará, nunca está vazio. Centenas de pessoas buscam, diariamente, um contato com o menino a quem atribuem diversas “curas” feitas apenas com as mãos.
Diante da repercussão dos casos, filas de pessoas à espera de "atendimento" têm se formado em frente à residência da criança, que recebe a população de segunda a sábado.
Tudo isso começou aos 2 anos de idade, segundo um familiar, quando a criança passou a apresentar os primeiros "sinais de seu dom". Ele ia para debaixo da mesa de casa e dizia que estava conversando com seus "anjos de cura". Aos 3 anos, o menino disse que iria curar um tio doente, que, após as rezas da criança, acabou ficando bom da doença.
Depois disso, o menino passou a rezar nas pessoas, cerca de 5 por semana. Em março deste ano, começaram os atendimentos maiores. Mas foi em agosto, quando uma mulher disse ter ficado boa da visão por conta da reza do menino, que a história repercutiu e começaram a formar filas de espera por atendimento.
Conselho Tutelar
A situação da criança de 7 anos mobilizou ação do Conselho Tutelar da cidade, que visitou a família e encaminhou o pequeno para atendimento pelo sistema de assistência social.
Em conversa com o Diário do Nordeste por telefone, na manhã desta sexta-feira (9), uma fonte do órgão de proteção afirmou que o menino estava sofrendo “muita exposição e risco de violência psicológica, diante do atendimento de centenas de pessoas por dia”.
De acordo com o órgão, os pais “compreenderam a situação e, após a visita conselho, reduziram os dias e horários de atendimento” da criança às pessoas. “Não impomos isso, mas eles mesmos tomaram essa providência.”
O conselho destacou que a família foi advertida sob o artigo 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê sanções a violações de direitos de menores por pais ou responsáveis.
‘Ele botou a mão e me curou’
A grande movimentação em busca do menino iniciou com a multiplicação de relatos sobre supostas “curas” praticadas por ele. Um dos casos é de um familiar, que não será nomeado aqui para preservar a identidade da criança.
“Eu tava doente da perna, fiquei ruim pra mais de 1 ano e meio. O médico disse que era pra operar, mas eu não ia. Tomei remédio e não fiquei bom. Aí o neném veio e curou, graças a Deus desinchou”, relembra.
Imaginei que era brincadeira, porque nunca tinha visto ele curar ninguém. Mas aí acreditei. Ele botou só a mão na minha perna. Ele não reza, é só a mão, um dom de Deus.
Segundo o homem, a “cura” veio em uma semana, depois de 5 “sessões” de atendimento com o menino. “Hoje não sinto mais nada, trabalho em todo serviço. Quando ele reza na gente, a gente fica bem”, acrescenta.
“Teve um dia que tinha muita gente lá, ele só chegou no portão e disse ‘quem tiver de óculos e boné, tire’. Ele botou só a mão e tinha gente que chorava”, finaliza o familiar.
'O que cura é a fé'
O agricultor Raimundo Nonato, 77, atesta “milagres” não em si, mas nos pais. “Minha mãe é doente de diabetes, vive no fundo da rede, cheia de dor. Meu pai tem uma dor no braço, não fica bom. Minha mãe fala que melhorou. Tem que acreditar na reza, a comunidade todinha tem fé”, diz.
A crença de que “o que cura é a fé” foi o que levou o aposentado Raimundo de Araújo, 71, ao encontro da criança. Ao ouvir de um amigo sobre a existência do “meninozim que tá curando gente”, Raimundo reacendeu a esperança de voltar a andar sem precisar da cirurgia que o médico havia garantido necessitar.
“Fui lá no sábado, ele rezou e disse que voltasse no outro dia. A mãe dele disse que não, que era a folga dele, então voltei segunda. De segunda pra terça, senti um negócio na perna. E agora o osso que doía não dói mais. Fazia 2 anos que eu não andava”, diz.
Agora tô abandonando as muletas, faz uns 2 dias. Fico meio trôpego, porque uma perna tá mais curta que a outra. Mas dá pra andar. Depois que ele rezou, melhorou bastante. Entrei lá com muita fé.
O aposentado descreve que esse é o sentimento da maioria das pessoas, de todos os cantos, idades e doenças, que chegam e são ouvidas pela criança que recém completou 7 anos.
A infantilidade do pouco tempo de vida reflete na timidez e no medo por ver, de repente, centenas de pessoas demandando atenção e escuta e toque. É por isso que o menino, como observa Raimundo, impõem uma só condição: “não gosta de rezar sem a mãe encostada do lado”.