Fortaleza pode ter primeiro bairro com nome de mulher

Projeto de lei deve ser discutido com a comunidade de um bairro já existente para verificar a aceitação popular

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Rachel foi a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.
Foto: Felipe Abud

Dos 121 bairros de Fortaleza, 31 levam o nome de personalidades históricas que deixaram alguma marca na cidade, mas nenhum desses 31 homenageia uma mulher. Projetos de decretos legislativos na Câmara Municipal até tentaram corrigir essa discrepância, mas foram arquivados.

Contudo, ainda há uma discussão pendente a ser iniciada com moradores do bairro Dendê, depois que um desses projetos foi desarquivado, no início desta semana.

A agraciada com a homenagem seria a escritora Rachel de Queiroz, uma das mais importantes e reconhecidas autoras da literatura brasileira. Hoje, ela já dá nome a um parque urbano que cruza vários bairros da cidade, além de batizar três ruas no Carlito Pamplona, Conjunto Palmeiras e Jangurussu. 

"Uma das primeiras coisas que reparamos é que são nomes só de homens. É aquela questão de reproduzir o modelo patriarcal", observa Bruno Sales, mestre em Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Ceará (UFC) que investigou as denominações dos bairros da Capital.

Legenda: Trecho já urbanizado do Parque Rachel de Queiroz, no bairro Presidente Kennedy.
Foto: Thiago Gadelha

Na Câmara de Fortaleza, havia três projetos de decreto legislativo pretendendo a alteração de nomes de bairros já existentes para o da autora - e os três afetariam bairros diferentes. Confira:

  • Projeto de Decreto Legislativo nº 1/2021: autoriza a mudança do nome do bairro Parque Manibura
  • Projeto de Decreto Legislativo nº 8/2021: autoriza a mudança do nome do bairro Parque Iracema
  • Projeto de Decreto Legislativo nº 104/2021: autoriza a mudança do nome do bairro Dendê

Porém, os três PDLs foram arquivados. O primeiro, em dezembro de 2021; os dois seguintes, em abril deste ano.

O autor dos projetos, vereador Danilo Lopes, conta que, nos dois primeiros casos, além de uma conversa com representantes do Presidente Kennedy, as comunidades rejeitaram a mudança do nome. 

Porém, ele pretende retomar a discussão com os moradores do Dendê, com os quais ainda não conseguiu se reunir. Para isso, desarquivou o projeto sobre esse bairro nesta semana.

“Para que eu mude o nome do bairro, é preciso uma audiência pública ou a assinatura dos moradores. Vou retomar no ‘Dendê’ porque é algo que não tem a ver com nossa culinária e existem duas comunidades: a do Dendê, mais conhecida, no Edson Queiroz; e o bairro Dendê, vizinho ao Itaperi, mas que pouca gente chama de Dendê”, diferencia.

Danilo argumenta que a alteração pode diminuir erros em serviços de localização, como aplicativos de viagem, que costumam confundir endereços entre os dois locais.

Importância histórica

Primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras (ABL), Rachel de Queiroz nasceu na Capital cearense, em 1910, mas mudou-se ainda quando bebê para a fazenda da família em Quixadá. Viveu entre o município, Fortaleza e o Rio de Janeiro. 

As histórias nas Fazendas “Não me deixes” e “Junco”, em Quixadá, durante a seca de 1915, foram inspiração para a escrita do romance “O Quinze”. Aos 20 anos de idade, o livro a projetou nacionalmente ao expor a luta nordestina contra a miséria e a seca.

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Ao longo da vida, a autora escreveu 22 livros e mais de duas mil crônicas, além de colaborar com vários jornais e traduzir obras para o português.

Entre suas maiores conquistas, estão o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará (UFC), em 1981, e pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em 2000; e o inédito Prêmio Luís de Camões para uma mulher, em 1993. Ele é atribuído a autores de língua portuguesa que, pelo conjunto da obra, contribuíram para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural da língua.

A autora faleceu enquanto dormia em 2003, aos 92 anos, no Rio de Janeiro.

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