Entenda por que pesquisadores monitoram a presença de coronavírus em animais silvestres do Ceará

Morcegos e roedores foram capturados e analisados em Pacoti e no Eusébio. Ação é estratégia de monitoramento de saúde e ambiental. A OMS recomenda vigilância.

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
morcego
Legenda: Os pesquisadores fazem a análise morfológica dos animais, identificam as espécies capturadas e coletam amostras de sangue e de swab.
Foto: Divulgação Fiocruz Ceará

Durante o dia, instalar redes de captura em locais estratégicos, distribuir armadilhas terrestres na mata e recolher roedores capturados na noite anterior. Na madrugada, apanhar os morcegos presos nos equipamentos. Depois, analisá-los. Esse é o trabalho feito por pesquisadores da Fiocruz Ceará e outras instituições no Ceará para investigar a presença do vírus SARS-Cov-2, causador da Covid-19, em animais silvestres.  

A finalidade da captura e análise, justifica a pesquisa, é monitorar se o vírus que causou a pandemia está em circulação também em animais como morcegos e roedores no Ceará.

A contaminação de morcegos - ou de um pangolim ou um vison (ambos mamíferos comuns na Ásia) - e a transmissão para os seres humanos é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como “possível ou provável” origem de contágio da pandemia de Covid. 

O coordenador do estudo no Ceará, o pesquisador da Fiocruz, José Luis Cordeiro, em entrevista ao Diário do Nordeste (confira na íntegra a seguir), explica que os morcegos, por exemplo, são hospedeiros de diversos coronavírus distintos do que causa a Covid.

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Nas análises feitas até agora, não foi detectada presença do SARS-Cov-2 nos animais. Mas outro tipo de coronavírus, que não tem relação com a Covid, foi encontrado. E o que isso significa?

“O coronavírus que encontramos é um típico de morcegos, ele não infecta humanos. Encontramos uma alfa coronavírus, o que infecta humanos são beta coronavírus. Mas o vírus que deu origem ao Sars Cov 2 também não infecta humanos, ele fez esse processo de ‘pulo’ de um hospedeiro para outro e pode continuar ‘pulando’, dependendo da degradação ambiental, da pressão sobre os ambientes. A quebra do equilíbrio ecossistêmico causa esse pulo".
José Luis Cordeiro
Pesquisador da Fiocruz Ceará

Portanto, a estratégia de manter um monitoramento dos animais é fundamental da perspectiva que engloba a saúde humana, animal e ambiental em um contexto só, garante José Luis. 

Trabalho de monitoramento

O monitoramento no Ceará ocorreu nas margens da Lagoa da Precabura, no município do Eusébio, e no município de Pacoti, no Maciço do Baturité. O estudo é da Fiocruz Ceará e Fiocruz Manaus, em parceria com estudiosos da Universidades Estadual (Uece) e Federal do Ceará (UFC), do Museu Nacional e do Museu de História Natural do Ceará. 

fiocruz animais silvestre
Legenda: O monitoramento no Ceará ocorreu nas margens da Lagoa da Precabura, no município do Eusébio, e no município de Pacoti, no Maciço do Baturité.
Foto: Divulgação Fiocruz Ceará

No laboratório, na sede do Museu de História Natural do Ceará, em Pacoti, os pesquisadores fazem a análise morfológica dos animais, identificam as espécies capturadas e coletam amostras de sangue e de swab. 

O projeto, segundo a Fiocruz, envolve os pesquisadores: Giovanny Mazzarotto (Fiocruz CE), Cláudia Rios e Felipe Arley Costa (Fiocruz Manaus), Marcione Oliveira e Aldo Caccavo (Museu Nacional), Nádia Cavalcante (MHNC/Uece), Tábata Cavalcante (UFC/Uece), Robério Freire Filho (UFPE), assim como alunos e voluntários da UECE.

O estudo é financiado pelo Edital INOVA/Fiocruz Ceará/FUNCAP. O edital destinou R$ 167 mil para o projeto. 

Entrevista: pesquisador da Fiocruz, José Luis Cordeiro

Qual a finalidade de pesquisar a presença de coronavírus em animais no Ceará?

A pandemia de Covid 19 é o argumento irrefutável de que temos que aproximar essas questões ambientais dos problemas de saúde. Os vírus estão aí circulando nos animais, nas plantas, e, de vez em quando, eles “pulam” de um hospedeiro para outro. 

Foi, de certa forma, o que aconteceu com o SARS-Cov-2, o da Covid -19. A gente só chegou tão rápido assim na vacina porque a gente já conhecia a família desse vírus. Já tínhamos genomas mapeados, sabíamos de onde tinha vindo. Chegou logo no morcego como um hospedeiro intermediário, talvez seja um pangolim, ainda há algumas dúvidas. Mas nós já conhecíamos o ciclo dos coronavírus. 

Os morcegos são uma categoria que já se conhece uma série de coronavírus que circulam neles. Os morcegos são organismos interessantes para responder e ajudar a enfrentar os vírus porque eles convivem com uma série grande de vírus, e até bem letais, sem sofrer muitas consequências. 

Por isso, é interessante a gente conhecer como os patógenos são distribuídos, decifrar os genomas deles, e para isso a gente tem que ir atrás, fazer a vigilância. 

O que define os animais a serem observados?

O edital que conseguimos recursos é um edital direcionado ao coronavírus. E nesse caso, temos que buscar onde já sabemos que eles (coronavírus) podem estar circulando. Os morcegos, bem como os pequenos mamíferos terrestres, os roedores, chamados de cassacos no Ceará, estão na lista já descritos como hospedeiros desse vírus.

Até porque os morcegos são organismos que convivem muito próximo com o ser humano. Eles, em algumas situações e condições, estão dentro das casas. Eles têm um papel importante no ciclo do ecossistema. É interessante entender quais são os patógenos que podemos estar compartilhando com eles. 

A Organização Mundial da Saúde também recomenda abordar esses aspectos da saúde com uma visão única que junta saúde humana, animal e ambiental em um contexto só. Porque o planeta é único. Esse desequilíbrio ambiental acelera esse “pulo” de alguns patógenos para humanos. 

A pesquisa está na segunda etapa? Tem algum outro desdobramento?

Estamos na segunda etapa. A pandemia atrasou a liberação de recursos e a logística de campo, porque envolve uma equipe, estar juntos em um local, um estresse físico. 

Essa foi a segunda etapa da pesquisa que é colaborativa em um contexto brasileiro, que vai na contramão do mundo, de desinvestimento em Ciência, nós como pesquisadores e precisamos dar respostas à sociedade, fazendo Ciência. 

Juntamos o Museu de História Natural do Ceará, algumas unidades da Fiocruz que conseguimos encaixar na linha de financiamento. Teremos uma terceira etapa que acontecerá em Fortaleza, o Congresso de Estudos de Mamíferos. Vamos associar a próxima etapa de estudo de campo com o Congresso, em setembro. 

O que vai acontecer nessa etapa e qual o desfecho da pesquisa?

Na próxima etapa, vamos repetir a captura e coleta de material biológico de morcegos e roedores em outras regiões do Maciço de Baturité e do Eusébio. O Maciço é grande e tem uma diversidade e as pessoas estão bem misturadas na mata, bem próximas da natureza. 

O que estamos organizando e fazendo são novas parcerias e pedidos de recurso para manter a vigilância. 

Do que foi encontrado até agora, não há presença do Sars Cov 2 em animais no Ceará?

O SARS-Cov-2 é um vírus que está infectando humanos e nós estávamos com a desconfiança que ele havia voltado a circular, fazendo um caminho de volta. 

Ele evoluiu nos morcegos, hospedeiro intermediário, mas não encontramos até agora o SARS-Cov-2, que causa a Covid. Nós encontramos outros coronavírus que circulam nessa fauna. Tem muita coisa nova a ser descrita. 

Qual a diferença do Sars Cov 2 para os outros identificados na literatura?

Não sou especialista no assunto, mas a família de coronavírus são vários vírus que estão ligados. São parasitas de alguns hospedeiros específicos. Esse coronavírus que encontramos é um típico de morcegos, ele não infecta humanos. 

Mas o vírus que deu origem ao SARS-Cov-2  também não infecta humanos, ele fez esse processo de “pulo” de um hospedeiro para outro e pode continuar “pulando”, dependendo da degradação ambiental, da pressão sobre os ambientes. A quebra do equilíbrio ecossistêmico causa esse "pulo".

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