Desnutrição causou 1 internação por dia no Ceará em 2022

Bebês e idosos são maioria absoluta entre os que padecem pela falta de alimentação adequada

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Legenda: Bebês com menos de 1 ano são a faixa etária mais vulnerável, como apontam os registros de internação
Foto: Shutterstock

As imagens dos corpos yanomami marcados pelos ossos, costelas expondo a fome prolongada, mostram um retrato estarrecedor da fome. A desnutrição, num grau ou outro, atinge o Ceará em cheio: em 2022, pelo menos uma pessoa foi internada por causas ligadas a ela.

Entre janeiro e novembro, período mais atual disponível, 348 cearenses com desnutrição ou sequelas foram hospitalizados na rede pública: entre eles, 77 bebês e 147 idosos, faixas mais vulneráveis e mais expostas aos efeitos da falta de alimentação suficiente e adequada.

Os dados são do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do SUS, coletados pelo Diário do Nordeste

Desnutrição que leva ao leito

Causa mais óbvia da desnutrição, a insegurança alimentar que avança com a pobreza é só um dos fatores para esse quadro, como destaca o médico nutrólogo Paulo Vasconcelos, professor do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Ceará (UFC).

O profissional de saúde lista também “falta de acesso a alimentos adequados, má absorção de nutrientes, doenças crônicas, problemas psiquiátricos e falta de saneamento” como condições que aumentam o risco de desnutrição.

O período de tempo necessário para o desenvolvimento da desnutrição pode variar dependendo do indivíduo e das circunstâncias. Em alguns casos, pode levar apenas algumas semanas ou meses. Problemas de saúde subjacentes ou infecções também podem afetar.
Paulo Vasconcelos
Médico nutrólogo e professor da UFC

O especialista pontua que “existem vários critérios que podem ser considerados ​​para determinar quando um paciente com desnutrição deve ser hospitalizado”.

Os fatores devem observar a saúde geral e as necessidades específicas do paciente, mas incluem:

  • Perda de peso severa: uma redução significativa no peso corporal pode indicar desnutrição grave;
  • Condições médicas descontroladas: a desnutrição pode piorar as condições de doença existentes, como diabetes ou insuficiência cardíaca, que podem exigir hospitalização para serem controladas;
  • Incapacidade de manter a hidratação: a desnutrição pode levar à desidratação, que pode exigir hospitalização para reposição de fluidos;
  • Dificuldade em manter a temperatura corporal normal: a desnutrição pode afetar a capacidade do corpo de regular a temperatura, o que pode exigir hospitalização para aquecimento ou resfriamento;
  • Piora de outros sintomas: a desnutrição pode causar uma variedade de sintomas, como fraqueza, fadiga e anemia, que podem exigir hospitalização para tratamento;
  • Não resposta à alimentação oral: se o paciente não for capaz de receber alimentação oral ou ela não for suficiente para cobrir as necessidades nutricionais diárias, a hospitalização é recomendada.

Bebês e idosos são mais vulneráveis 

Para os bebês com menos de 1 ano, os registros de internações relacionadas à desnutrição no Ceará mostram o pior cenário desde 2008, período mais antigo disponível para consulta no SIH. Só de 2021 para 2022, o número quase dobrou (saltou de 40 para 77).

As consequências físicas – e sociais – podem ser irreversíveis, como avalia o médico nutrólogo Paulo Vasconcelos.

“A desnutrição pode levar ao crescimento e desenvolvimento atrofiados, o que pode ter efeitos de longo prazo nas habilidades cognitivas e físicas. Além disso, bebês desnutridos são mais suscetíveis a infecções e doenças, que podem levar a sérios problemas de saúde ou até à morte.”

Já entre os idosos, a faixa de 80 anos ou mais foi a que teve maior número de hospitalizados por desnutrição ou sequelas dela, no ano passado: foram 65 casos, uma média de quase 6 cearenses por mês.

Fraqueza muscular e do sistema imunológico, declínio cognitivo e até depressão estão entre os efeitos mais graves. “A desnutrição também pode aumentar o risco de infecções e piorar as condições médicas existentes, como doenças cardíacas e diabetes”, cita Paulo.

Sequelas físicas da desnutrição

A falta de acesso a uma alimentação adequada pode levar a uma variedade de problemas de saúde a longo prazo, conhecidos como “seqüelas de desnutrição”, como explica o nutrólogo Paulo Vasconcelos.

Entre elas, estão:

  • Problemas de crescimento;
  • Anemia;
  • Fraqueza e fadiga, dificultando a realização de atividades diárias;
  • Má cicatrização de feridas, aumentando o risco de infecção;
  • Declínio cognitivo, afetando a memória, o aprendizado e as habilidades de tomada de decisão;
  • Aumento do risco de infecções, por enfraquecer o sistema imunológico;
  • Aumento do risco de hospitalização e morte.

Efeitos sociais

Foto: Shutterstock

Em entrevista ao Diário do Nordeste, a nutricionista Ilana Nogueira, professora do Programa de Pós-Graduação em Nutrição e Saúde da Universidade Estadual do Ceará (Uece), destacou os impactos sociais e econômicos da insegurança alimentar.

“O mau desenvolvimento de crianças, adolescentes e adultos, em termos crônicos, afeta a capacidade de realização das atividades diárias. As crianças não conseguem estudar, aprender, afetando a capacidade funcional quando adultas.”

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O governador do Ceará, Elmano de Freitas, pontuou, em reunião com os governadores do Nordeste, que a pauta do combate à fome deve ser priorizada no diálogo com o presidente Lula. Uma reunião está prevista para esta sexta-feira (27), em Brasília.

“No Ceará, temos discutido que não vamos ter um único percurso ou uma única modelagem na campanha para superação da fome, vamos usar várias experiências, possibilidades e caminhos. O importante é que o nosso povo não tenha a manutenção desse sofrimento”, disse o gestor.

O médico Paulo Vasconcelos alerta que é preciso tratar a questão da insegurança alimentar considerando os múltiplos impactos que causa ao Estado.

“O Ceará é o 5º do Nordeste em relação à insegurança alimentar grave, que pode ter papel preponderante no destino global de uma população, não apenas no impacto na saúde, mas, com sequelas no crescimento econômico, no desenvolvimento social e no crescimento científico.”

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