Clínica para autistas é descredenciada de plano de saúde e 600 pacientes ficam sem terapias no CE
Famílias denunciam que a Unimed Fortaleza não remanejou crianças, adolescentes e adultos com autismo em tempo hábil; operadora diz já entrou em contato com 80% dos pacientes e 50% já estão com os agendamentos realizados
O rompimento entre uma clínica especializada no atendimento de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e a Unimed Fortaleza deixou cerca de 600 pacientes – entre crianças, adolescentes e adultos – sem acesso às terapias semanais.
ATUALIZAÇÃO: Em nota, enviada às 17h43, a Unimed Fortaleza informa que "mais de 80% dos pacientes da Adaptro já foram contactados com sucesso e 50% estão com agendamentos realizados". A operadora se colocou à disposição para dúvidas e orientações dos clientes da Clínica Adaptro através do telefone (85) 4020-2111.
Em 31 de maio deste ano, a Clínica Adaptro informou à operadora de planos de saúde sobre “o desinteresse na continuidade do contrato de credenciamento”, respeitando o prazo de 30 dias para finalizar os atendimentos, como pontua em nota publicada em rede social.
A dois dias do fim do prazo, em 27 de junho, representantes legais das empresas se reuniram para tratar de um novo modelo de atendimento, o qual, segundo a Adaptro, “a Unimed analisaria para possível implementação” e posterior comunicação conjunta às famílias – o que não ocorreu.
“Mesmo após o encerramento do prazo contratual, em 29 de junho, a Unimed Fortaleza permaneceu silente”, diz a nota da clínica, ratificando a decisão de encerrar o credenciamento.
Rafaela Páscoa, fundadora da Adaptro, conta que a Unimed Fortaleza emitiu um informe às famílias no dia 5 de julho – quando já não havia mais nenhum vínculo jurídico entre o plano de saúde e a empresa –, afirmando que “devido a uma reestruturação da clínica, alguns pacientes seriam remanejados”.
“Nós estávamos esperando um posicionamento da operadora (sobre a possível implementação de nova metodologia de atendimento), por isso não comunicamos os pacientes. Mas a Unimed emitiu o comunicado ‘conjunto’ sem nos consultar”, declarou.
De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), é permitido o descredenciamento de prestadores da rede operadora de saúde. Os prestadores podem ser substituídos por outro equivalente, mediante comunicação prévia ao consumidor e à ANS com 30 dias de antecedência.
Em entrevista às 19h30 desta sexta-feira (12), o diretor de Provimentos em Saúde da Unimed Fortaleza, Francisco Assis, afirmou que a operadora foi "surpreendida" com a confirmação do descredenciamento da Adaptro, no dia 5 de julho, após tentativa de negociação que "estava evoluindo muito bem". "Tentamos ajudar a clínica de todas as formas. Antecipamos o reajuste, reduzimos o prazo de pagamento, nos comprometemos a analisar novos modelos de remuneração, mas não foi possível", afirma.
A fundadora da Adaptro confirma que “nas duas primeiras semanas de julho, estão sendo emitidos os relatórios atualizados das crianças, e ainda estamos realizando alguns atendimentos sem cobrança”.
Óbvio que a gente pensa nas famílias e se ressente. Mas existe um limite: se eu continuasse, estaria fadada ao fracasso, por não conseguir acompanhar o que o mercado exige financeiramente.
A empresária explica que após mudanças contratuais entre a clínica e a Unimed, em agosto de 2023, “começaram os prejuízos financeiros”. “Sofremos a pressão de ter que ter terapeutas, colocar pacientes, fazer, fazer, fazer. Em contrapartida, tivemos uma perda financeira de 40%. A curva de crescimento de pacientes e financeiro não acompanhava.”
O que diz a Unimed Fortaleza
O Diário do Nordeste contatou a Unimed Fortaleza, por meio de assessoria de comunicação, para saber:
- Os motivos para o desacordo com a Adaptro;
- As razões de não ter havido remanejamento dos pacientes com antecedência;
- Quantos usuários eram atendidos no local via Unimed Fortaleza e para onde serão direcionados;
- Quantas clínicas credenciadas ou próprias atendem crianças e adolescentes com autismo pela Unimed Fortaleza;
- Quantas clínicas credenciadas ou próprias atendem adultos com autismo pela Unimed Fortaleza;
- Se a clínica era a única a tender adolescentes e adultos, como informado pelas famílias;
- Se há perspectiva de ampliação dessa rede, diante do aumento do número de pacientes.
Em nota, a operadora de plano de saúde informou que, “após solicitação de descredenciamento pela clínica Adaptro, no fim do mês de maio, iniciou uma negociação para a manutenção do prestador em sua rede, visando ao bem-estar de seus clientes e à sustentabilidade do contrato”.
A Unimed diz que “após várias reuniões e algumas medidas propostas pela operadora para reverter o descredenciamento, a clínica optou por seguir com a decisão”, e acrescenta que “desde então, vem somando esforços e realizando um trabalho ativo para continuar assistindo todos os seus beneficiários”.
“Essa força-tarefa consiste no remanejamento desses pacientes para as 13 clínicas credenciadas pela operadora de saúde localizadas na Capital e Região Metropolitana”, frisa a nota.
Sobre a Adaptro ser a única clínica a atender adolescentes e adultos, a Unimed informa apenas que "o número de adultos com TEA representa 6% do total de beneficiários da operadora, enquanto os adolescentes são 5% e as crianças chegam a 89%"; reforçando que "permanece garantindo a cobertura nas clínicas especializadas em atendimento a pessoas com TEA, que, por isso, não serão desassistidas".
"No caso dos pacientes adultos, além da rede especializada, eles também podem realizar o tratamento em prestadores de áreas como Psicologia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, entre outras, seguindo a prescrição do seu médico especialista. A operadora acrescenta que sua rede própria especializada e seus prestadores credenciados estão aptos a absorver a demanda de todas as faixas etárias de pacientes que necessitam dos seus serviços", complementou a Unimed.
Na entrevista, Francisco Assis informou que uma nova clínica — a NPC Life — foi credenciada para manter a continuidade do tratamento. A previsão é que todos os pacientes da Adaptro sejam contactados "nos próximos dias" para concluir o direcionamento para o novo prestador. "É uma clínica conhecida na cidade e muito bem aceita pelo público. O retorno dos clientes tem sido o melhor possível", afirma.
Segundo o diretor de Provimento de Saúde, haverá atendimento para o mesmo público que era assistido pela Adaptro, incluindo jovens e adultos. "Uma das nossas condições foi que mantivesse o atendimento do mesmo perfil, nossa necessidade urgente", afirmou.
Ainda conforme Assis, a Unimed Fortaleza atende ao todo 4.190 pacientes com TEA, sendo 690 na rede própria e 3.500 na rede credenciada. "Entram entre 30 e 40 crianças com transtorno do espectro autista, por mês, na Unimed Fortaleza, estamos sempre ampliando a nossa rede. É um cliente que vai ter terapia a vida toda. Quando é criancinha, é um perfil mais de fisioterapia e fonoterapia e, à medida que vai amadurecendo, o perfil vai mudando", afirma.
Pacientes impactados
Daniela Botelho, fundadora da Associação Fortaleza Azul (FAZ), formada por autistas e familiares, aponta que a Adaptro “é a única clínica que tinha atendimento especializado para jovens e adultos” – e que a própria filha dela, de 17 anos, está agora sem tratamento.
“A Unimed deveria ter comunicado aos pacientes. São mais de 600 pessoas sem atendimento. Estamos sem nada”, lamenta, informando que, caso precisasse recorrer a terapias particulares, o custo mensal médio seria de R$ 5 mil.
A FAZ vai reunir as famílias afetadas e ingressar com ação judicial junto à Defensoria Pública Geral do Estado, para reivindicar a reintegração dos pacientes às terapias.
Além de todos os prejuízos, tem o vínculo das crianças com os terapeutas, a quebra de tudo. Minha filha já estava lá na Adaptro há quase 7 anos. É um prejuízo gigantesco pro autista. (Daniela Botelho)
A advogada Janielle Severo, mãe atípica e assessora jurídica da Fortaleza Azul, explica que, por direito, “as crianças não podem ter solução de continuidade”, ou seja, não podem sofrer interrupção no serviço de saúde.
“Se a Unimed estava ciente de que haveria rescisão contratual, já tinha que ter adotado as medidas necessárias. A ANS determina que existe a obrigatoriedade de iniciar as terapias em até 10 dias úteis após a apresentação do laudo, então a Unimed, em tese, já está descumprindo”, pontua.
Mariana Lobo, defensora pública e supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC), explica que o órgão foi acionado pela FAZ e pelas famílias nessa segunda-feira (8), e que estão sendo colhidas informações para dar seguimento ao caso.
“Notificamos a Unimed para saber o porquê do descredenciamento da clínica e por que a Unimed não notificou os usuários da rescisão, principalmente em face da obrigatoriedade da prestação do serviço de saúde e da natureza das terapias, que precisam ter continuidade”, frisa.
A defensora pública reforça que “existe uma responsabilidade da Unimed, mas também da clínica para com os usuários, principalmente de informar sobre o descredenciamento”. Por isso, ambas as empresas – operadora e Adaptro – foram notificadas e têm um prazo de até 5 dias para fornecer informações à Defensoria.
Mariana Lobo orienta que as famílias afetadas abram reclamação junto à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), solicitem o histórico de atendimento à clínica Adaptro e busquem a Defensoria “para avaliarmos caso a caso”.
“Estamos colhendo informações. Tem o aspecto coletivo, que ainda avaliaremos, mas também o individual. Abrimos um procedimento administrativo preparatório, para saber se existe possibilidade de ação coletiva”, destaca.