Censo: 71 cidades do Ceará têm redução de população e Fortaleza apresenta maior perda; veja lista
Redução de residentes preocupa especialistas pela perda de orçamento público e capacidade de prestar serviços básicos à população
Das 184 cidades do Ceará, 71 registraram redução de população entre 2010 e 2022, segundo os dados oficiais do Censo Demográfico 2022, divulgado na quarta-feira (28), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em números absolutos, Fortaleza foi o município com a maior redução: 23,5 mil residentes a menos entre um Censo e outro, cerca de 1% da população.
Já em termos proporcionais, a cidade de Catarina, no Centro-Sul cearense, lidera a lista. No município, a redução foi expressiva e chegou a 45,5% dos moradores, passando de 18,7 mil habitantes, em 2010, para 10,2 mil, em 2022. Das 71 cidades, em 12 a perda de habitantes foi superior a 10% do total quando comparado aos números registrados nos dois levantamentos.
Além de Catarina, São João do Jaguaribe, Caridade, Tarrafas, Palmácia, Potengi, Alto Santo, Aiuaba, São Luís do Curu, Acopiara, Saboeiro e Mombaça tiveram redução acima de 10%.
As cidades com diminuição de habitantes constatada no Censo 2022 estão localizadas em regiões diferentes; logo, a perda populacional não é um fenômeno concentrado em determinadas áreas.
Além disso, o recuo do número de residentes afetou cidades de tamanhos distintos, tendo ocorrido tanto na Capital - cidade mais numerosa em população - quanto em municípios que têm menos de 10 mil residentes, conforme os registros do Censo, como Potengi, Tarrafas, Umari, Ereré e Baixio.
Outro ponto é que, em algumas cidades, a redução de residentes, em termos absolutos, foi mínima. É o caso de Altaneira, Caririaçu e Jaguaribara, por exemplo, que perderam, respectivamente, apenas 74, 73 e 43 habitantes entre 2010 e 2022.
Para o geógrafo Alexandre Queiroz Pereira, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e colunista do Diário do Nordeste, os dados comprovam uma tendência do Nordeste: o crescimento dos aglomerados metropolitanos, que absorvem parte da população das pequenas cidades e do campo.
Segundo o especialista, a constituição da rede urbana no Ceará sempre foi macrocefálica, ou seja, com uma concentração tão grande de pessoas e serviços na capital Fortaleza que gera desequilíbrio em relação a outros centros intermediários.
“Agora, essas migrações têm ocorrido não no sentido campo-metrópole, mas os centros secundários ou cidades médias têm captado e chamado essas pessoas, numa transformação econômica própria desses lugares”, explica. “Ninguém vai ficar num lugar pra sofrer, só fica se não tiver outra opção”.
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Efeitos da perda populacional
A realização do Censo, além de ter ocorrido atrasada - já que a data convencional era 2020 -, sofreu uma série de obstáculos para ser efetivada. Durante o processo de coleta das informações do recenseamento, iniciado em agosto de 2022 e encerrado em fevereiro de 2023, muitos percalços foram enfrentados pelos recenseadores.
Diante do temor de que parte da população não fosse recenseada, diversas prefeituras do Ceará promoveram ações para estimular as respostas e ajudar no trabalho dos recenseadores do IBGE. Conforme noticiado pelo Diário do Nordeste, em dezembro de 2022, gestões chegaram a fornecer veículos, prédios públicos e até corpo técnico na busca de pessoas ainda não recenseadas.
A preocupação das prefeituras no Estado, assim como em outros territórios do Brasil, é que a possível perda de população gere redução no repasse de recursos federais, que têm como referência a contagem oficial.
Um deles, a verba do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), um dos principais recursos repassados pela União para as prefeituras sendo usado para garantir a prestação de serviços públicos.
No final de 2022, o IBGE divulgou dados prévios do Censo 2022 e os enviou ao Tribunal de Contas da União (TCU) que passou a usá-los para calcular alguns repasses federais para o ano de 2023.
Na época, o TCU ressaltou que, para o cálculo de distribuição de alguns recursos, conforme previsto na legislação brasileira, são utilizados os dados oficiais da população produzidos pelo IBGE, com prioridade para uso do Censo Demográfico. Quando não há o recenseamento, é adotada a estimativa feita pelo IBGE. Como em 2022 havia os dados prévios do Censo, o TCU defendeu que esse uso era adequado, por ser a opção mais precisa.
Para o demógrafo e professor do Departamento de Economia Doméstica da Universidade Federal de Ceará (UFC), Julio Alfredo Racchumi, as perdas vão ser muito discutidas porque devem afetar o orçamento público das prefeituras.
"Os resultados prévios já indicavam essa defasagem da população, e acredito que vai ter muitos efeitos. Tirando essa parte do orçamento, tem que repensar as políticas públicas e saber quais são as áreas e os grupos populacionais que precisam de maior investimento e maior cuidado".
Julio destaca que as prefeituras, o Governo Estadual e até o Federal “vão precisar saber como vão administrar essas perdas". Ele também destaca que os dados divulgados pelo IBGE ainda são "muito gerais". "Precisa depois entender onde ocorreram essas perdas, e isso vai influenciar a forma como vamos implementar políticas públicas e, sobretudo, as áreas", completa.
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Problemas e soluções
O geógrafo Alexandre Pereira pondera que tanto a perda quanto o ganho de habitantes exigem mudanças de postura pelo poder público de cada cidade.
As que estão perdendo, argumenta, são municípios “muito frágeis economicamente” e sem condições de propor ou bancar políticas públicas. Assim, necessitam de uma ação mais intensa do Governo do Estado e do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MDR) para se fortalecerem.
Esse esvaziamento do campo é uma preocupação muito forte em Portugal, na Espanha e na Europa como um todo. Isso vai levando migrações para os grandes centros urbanos, onde criam mais problemas, e geram desertos demográficos.
Para ele, no entanto, a lógica industrial e de incentivos fiscais é defasada e deve ter difícil aplicação. Na verdade, defende políticas para assentamentos agrários ou áreas de produção agrícola familiar associadas a possibilidades de deslocamento diário, “para que a pessoa possa morar naquela cidade, mas também ter acesso a um centro onde tenha suas necessidades atendidas”.
“Se não tem essa possibilidade, ela vai migrar, sobretudo as mais jovens em função de trabalho e formação, que tentam se incluir nas lógicas de trabalho dos centros urbanos. Outra coisa é levar internet para todo o território, porque ela permite novas profissões, novas atividades econômicas que favorecem a fixação”.
Já para as cidades com incremento de habitantes, conforme o geógrafo, a preocupação é a capacidade de atendimento aos serviços básicos, como saúde e educação, que podem estar subdimensionados, ou seja, abaixo da necessidade real.
“Outro dado que não sabemos é o nível de renda. Uma coisa é ganhar população de classe média ou alta, como no Eusébio. Outra coisa é ganhar pessoas pobres que podem ocupar favelas e conjuntos, então você vai ter públicos diferenciais que vão exigir diferentes serviços públicos”, analisa.