Jeane Carla: 'É lindo gerar vida, mas maternar não é fácil. Ser mãe é uma mudança extraordinária'

Da terceira geração de agricultoras que lutam pelo direito à terra, Jeane Carla tenta inventar um mundo distante do êxodo rural para a filha Valentina no interior da Paraíba. Neste mês de maio, mães de diferentes locais do Norte e Nordeste contam suas experiências com a maternidade

Legenda: Jeane havia aprendido primeiro a ler a vida na roça da avó, semeando sementes de milho e ramas de batata e hoje é mãe de Valentina

Jeane Carla Clementino, de 29 anos, aprendeu desde cedo que é preciso se movimentar para construir liberdade. Da terceira geração de uma família de agricultores, aprendeu com a avó a valorizar a memória da família e o cultivo do próprio alimento.  Viu a mãe mergulhar na luta pelo direito à terra e passou parte da infância acampada em um assentamento. Cresceu no Assentamento Queimadas, uma localidade da cidade paraibana de Remígio, entendendo que precisava também assumir suas próprias lutas. E por muito tempo pensou em não ter filhos. Queria estudar e trabalhar para melhorar a vida dos seus.

"Eu dizia que queria viver sozinha para quebrar o preconceito da zona rural", diz. Mas sentia forte a pressão da sociedade para formar família. "Primeiro você tem que namorar, depois casar e depois ter filhos. Parece que nada é suficiente", acrescenta.

Jeane havia aprendido primeiro a ler a vida na roça da avó, semeando sementes de milho e ramas de batata. Depois, no exemplo da luta de sua mãe pelo direito básico à terra, aproximou-se de outros jovens, sindicatos e instituições para descobrir que poderia ter voz. Fez curso técnico de agropecuária, ampliou sua voz como mulher preta e agricultora. "A gente sempre viveu na resistência", diz.

Veja também

O tempo foi passando e, ao conhecer o atual marido, veio o desejo de ser mãe. Maria Valentina, hoje com 1 ano e 2 meses, já estava no ventre dela quando chegou o dia do casamento. Desde então, tudo mudou.  "É lindo você gerar uma vida, mas maternar não é fácil. Ser mãe é uma mudança extraordinária", conta.

Deixou o trabalho em uma empresa de regularização fundiária e assumiu postos que ocupam menos tempo em projetos com instituições que atuam no semiárido. Descobriu que o relógio materno funciona 24 horas, em pleno estado de atenção. Renúncia virou palavra constante, e é difícil ter que conseguir e pagar um cuidador de confiança quando precisa viajar às localidades vizinhas por algum trabalho. O marido, explica, sai para trabalhar todos os dias.

"Um dos maiores desafios foi voltar a trabalhar", conta Jeane, que ainda amamenta a filha. Ela diz que, desde que Valentina nasceu, não reconhece mais a vida que tinha antes. "Sei que nunca mais estarei sozinha, mas há muitos momentos cansativos. Não é fácil, mas é prazeroso olhar nos olhos dela e dar aquele abraço. São estes momentos que nos fortalecem", diz.
Jeane Clara

Jeane diz que a maternidade a fez olhar de uma forma diferente para a mãe e a avó. As lutas destas três gerações de mulheres do campo, acredita, darão frutos a Valentina. Quando crescer, ela enfrentará as alterações do clima, com secas ainda mais prolongadas, mas também contará com tecnologias sociais e ferramentas para conviver melhor com essa situação. Sua mãe luta justamente para ampliar os espaços para os jovens do campo, com feiras agroecológicas e outros espaços que os afastem do êxodo rural. Ela sabe que potencial e conhecimento também estão longe das cidades.

Até lá, assumiu o desafio de construir com Valentina o entendimento sobre a importância de preservar a tradição da agricultura familiar. "A gente sabe que a luta vai permanecer. Fortaleço as minhas raízes contando para ela a nossa história e o valor da agricultura familiar e do alimento saudável, sem veneno", afirma. 

Ela quer que Valentina cresça livre, brincando com terra e água e compreendendo os cultivos agroflorestais. "É a mãe terra que nos dá energia e força. É dela que precisamos cuidar", defende. Quer mostrar à filha o que já tem espalhado pelo mundo: que o semiárido nordestino não é sinônimo de pobreza e seca. "É lugar de gente que luta, se reinventa e constrói a cada dia a sua história. É isso que eu quero passar para a minha filha. Ela vai poder fazer suas escolhas vivendo isso", diz.

Jeane lembra que a filósofa Rosa Luxemburgo escreveu certa vez que "quem não se movimenta não sente as correntes que o prende". "Vamos segurar uma na mão da outra. Vamos nos movimentar para construir a nossa liberdade", finaliza.

 
Este conteúdo é útil para você?