Três vezes amor: uma crônica sobre três gerações de mães

Helena foi mãe de todos, “adotou” dezenas de filhos. Mércia construiu carreira enquanto pariu três. Beatriz dá os primeiros passos na maternidade com certo caos. Mães são, sim, diferentes. E todas são potentes

Legenda: Mães são, sim, diferentes. E todas somos potentes.
Foto: Humberto Garcia

Helena é a ponta de um fio que une três gerações de mães. E é também referência porque fez da maternidade uma missão de vida. Não sei por escolha ou por uma resignação imposta pelo seu tempo, Helena, minha avó, tornou-se mãe de todos. Mércia, filha dela e minha mãe, pariu três enquanto fazia carreira na enfermagem. Estou hoje na ponta deste fio geracional, maternando no meu caos particular. Mães são, sim, diferentes. E todas somos potentes.

O Diário do Nordeste inicia hoje (10) uma série de conteúdos sobre o Dia das Mães, para refletir sobre a data por meio das histórias de afetos, lutas e amores que cruzam as trajetórias das cearenses.

Helena pariu dez filhos. Quase uma década de vida grávida para pôr no mundo homens e mulheres que criava com a ajuda dos mais velhos. Ainda adotou três sobrinhos, filhos de uma irmã que morreu jovem num trágico acidente de trânsito. Como se fosse pouco, recebeu de braços abertos dezenas de sobrinhos, primos e filhos de amigos que vieram do interior para estudar na capital e encontraram na casa dela não só moradia, mas lar.

Ninguém na família é capaz de dizer quantos passaram por ali, mas numa contagem rápida, assim de cabeça, superamos 40. Por isso, talvez não haja melhor palavra para defini-la que mãe. A coisa é que nunca lhe perguntei, em vida, se foi realmente uma escolha dela maternar tanta gente.

Vovó Helena é de um tempo em que as mulheres faziam cursos para casar e ser “do lar”. Usava sempre um vestidinho na altura dos joelhos e passava a maior parte do dia entre a cozinha - onde fazia comidas maravilhosas e os bolos confeitados de nossos aniversários - e o hall onde fumava o cigarro que, anos depois, lhe tiraria de nós.

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Com tantos filhos (biológicos ou não) e depois tantos netos, cuidava de todos como podia. Dividia a atenção e, por uns anos, até deixou que alguns dos seus fossem morar com parentes. Era muita gente (e preocupação) para administrar.

Quando Vovó Helena completou exatos 30 anos, pariu minha mãe, Mércia. Foi sua oitava filha, nascida de um parto vaginal com apoio de uma parteira, em casa, num dia 11 de abril. Mércia cresceu mulher de áries, dona de suas vontades, estudiosa, trabalhadora.

Cursou enfermagem, fez pós-graduação na Bahia e ouviu muitas vezes meu avô brincar que ela havia ido morar em Salvador para aprender a fazer a mais deliciosa moqueca de arraia. Ok. A tal moqueca virou nosso comfort food, mas ela foi buscar muito mais. Tanto que depois vieram mestrado e doutorado porque ela tem sede de conhecer.

O mundo já havia mudado quando minha mãe me pôs neste mundo. Trabalhou até o final da gestação. Ela tinha exatos 30 anos quando eu nasci de uma cesariana na Maternidade Escola, com singelos 2,4 quilos. Tentou me amamentar e suportar as fissuras nas mamas, mas uma mastite dura acabou me levando para a fórmula. E tá tudo bem.

A vida toda minha mãe trabalhou fora. Construiu uma carreira bonita da qual tenho muito orgulho, especialmente por vê-la a vida toda do lado do Zé Gotinha e em defesa da vacinação nestes tempos sombrios de movimentos antivax.

Fiz 30 anos em 2017 e não pari ninguém, quebrando nosso ciclo geracional. Arrumei as malas e fui para a Espanha fazer mestrado em um dos maiores jornais do mundo. Eu, que já quis ter dez filhos como minha avó, atravessei o oceano achando que já não queria mais ser mãe. Até conhecer meu marido e tudo mudar.

Quando contei para a minha mãe que estava grávida e que precisaria da ajuda dela para manter um bebê vivo, ela disse: “Ajudo no que puder, mas não sei mais criar menino. Tudo mudou muito”. Ao longo da gestação, fui entendendo. Hoje somos bombardeados por anúncios de mil cursos. Como parir, como amamentar, como cuidar, como educar, como não pirar. Racionalizamos tanto a maternidade que é preciso atenção para não perder a organicidade. Para aprender a sentir nossos filhos.

Bento nasceu há pouco mais de um mês e ainda estou tentando sobreviver à maternidade. Já robotizei, contei o tempo de cada mamada, anotei cada fralda trocada. Acorda o menino se passar de três horas dormindo que tem risco de hipoglicemia!

Já dormi por quatro horas seguidas, exausta, para acordar com toda a culpa do mundo porque meu filho não mamou (ainda que também não tenha chorado com fome). Também comemorei cada novo grama conquistado pelo meu magricelinha e vivi a neura do: será que meu leite é pouco? Nunca foi.

Tudo para descobrir que, no final, ser mãe é aprender a deixar fluir, a confiar nos nossos corpos. Ouvir instintos. Ser mãe é, acima de tudo, sentir. Cada novo sufoco eu encaro como uma contração, uma onda forte que arrebenta em mim e que vai passar.

A vida da mãe, às vezes, é feita de tsunamis. Mas fica mais leve quando me conecto às mães que me antecederam e que hoje, presencialmente ou espiritualmente, seguram minha mão. Helenas e Mércias são potências e me fazem crer que eu também sou. Feliz dia para todos os tipos de mães. Acreditem: nós nunca fomos iguais.

Neste mês das mães, escrevo uma crônica por semana sobre os primeiros passos na maternidade. Você pode acompanhar aqui e no Instagram MaterniBea.

 
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