Gestante, tente não enlouquecer com o ato mais natural do ser humano: parir

Esta crônica é um convite para entrar na cabeça caótica de uma mulher que, quase aos nove meses de gravidez, se sente bombardeada pelos algoritmos das redes, pelos palpiteiros de plantão e pelos inúmeros cursos que prometem ensinar tudo sobre o filho que você ainda não conhece

Legenda: Tenho um desejo crescente de ver o rostinho do meu filho, mas todo dia peço: se avexe pra nascer não que mamãe ainda tem muita coisa pra organizar
Foto: Shutterstock

Tenho um desejo crescente de ver o rostinho do meu filho, mas todo dia peço: se avexe pra nascer não que mamãe ainda tem muita coisa pra organizar. Preciso estudar pra parir, o Instagram já me avisou mil vezes, com dezenas de publis de cursos que custam de 500 a 2.000 reais. Vai sobrar dinheiro para as fraldas do menino?

Só participei de uma roda de gestante até agora. Devia ter trabalhado menos e lido mais livros. Quais? Manda aí um e-book para me ajudar a decifrar as fases do parto. Soube que conhecer o processo ajuda a passar por ele com mais tranquilidade, então fui lendo o que pude na internet. Também vi uns vídeos, mas larguei mão deles porque não conseguia parar de chorar vendo mini-seres humanos nascendo com suas microunhas. Devem ser os hormônios.

Não, pera. Tem que fazer curso mesmo? Faz cinco dias que recebo e-mails daquela médica famosa dizendo que preciso comprar logo o curso dela porque as vagas estão esgotando. O tempo passa, e elas não esgotam. Até queria fazer, mas não dá pra pagar. Melhor investir em consultoria de amamentação e primeiros cuidados? Vou pedir pra minha irmã enfermeira me ensinar a manobra do desengasgo. Será que ela cuida do umbigo do Bento até cair?  

Veja também

Cabeça mesmo aqui não funciona mais, não. Será que tomei os remédios hoje? Vitaminas, ferro, cálcio, AAS. Sei não. Tem que monitorar a pressão todo dia como cuidado contra a pré-eclâmpsia. Tudo certo. Tô vendo estrelinha de vez em quando? Tô. Mas dor de cabeça não tem. Estamos bem, meu filho.

Quer dizer, estar bem é uma expressão que mudou de lugar nesta minha jornada de fabricação de outro ser humano. Reclamo com o marido da dor na lombar, do peso da barriga, das incontáveis vezes que levanto de madrugada para ir ao banheiro. Mas Bentinho está conseguindo manter o crescimento e se segurar dentro da barriga. Logo, sim, estamos bem.

A cabeça já começa a ir para o próximo ato. Lá vem o Instagram e os aplicativos de gestação com uma nova pressão: já arrumou o quarto? Lavou e organizou as roupas? Fez a mala da maternidade? Ok. Vamos ver a lista do que temos que levar. Seis macacões, seis bodies, seis mijões, dois casacos. É sério? Doze mudas de roupa? O bebê vai pro hospital nascer ou passar férias? Sou mãe de primeira viagem. Zero noção, mas vou confiar e levar só metade. Espero não estar fazendo besteira.

Legenda: Sou mãe de primeira viagem. Zero noção, mas vou confiar e levar só metade. Espero não estar fazendo besteira
Foto: Shutterstock

Vai dar certo, já dizia o diretor daquele plano de saúde na pandemia, parafraseando o simbólico “vai dá certo” da periferia. Aliás, vi que o tal convênio inaugurou uma tal suíte vip (não sei como se chama exatamente). Uma blogueira fez a publi e disse que era para dar um up na hospedagem da gestante. Achei engraçado chamar internação de hospedagem, mas me falaram que tem a ver com humanizar atendimentos.

Tô preocupada mesmo é se vou ter minha hora dourada com o Bentinho, quando ele nascer. Preciso visitar dois ou três hospitais para decidir onde parir. O médico e a doula para me ajudarem a trazer o Bentinho ao mundo já estão ok. Tô confiante. Não vou pensar muito no parto para não ficar com medo. Vamos lá, confiar na natureza, no meu corpo.

Soube há pouco que já preciso ir atrás de pediatra antes de o bebê nascer ou não vou conseguir marcar depois. Você paga uma consulta de pré-natal, depois a primeira consulta do bebê e só depois os que consultei atendem pelo plano de saúde. Socorro, tem que ficar rica para ser mãe de classe média?

Enquanto isso, as perguntas não param na central dos palpiteiros. Vai ter coragem do parto normal? Já fez a playlist do parto? Separou os três mil reais para garantir a analgesia? Afinal, você é pequena e não vai aguentar a dor. Pesquisou se vale a pena o óleo de rícino para ajudar no trabalho de parto? Já tem doula? Mulher, marca logo essa cesariana. Tu não vai conseguir.

Tua barriga está pontuda demais, sinal que vai ser menino. Sua louca, como assim vai usar fraldas ecológicas? O planeta agradece, mas você não dá conta. E aí vem o melhor de todos os conselhos: não escute ninguém. Este, sim, vou seguir. Câmbio, desligo.

Tô colocando vocês todos no mute. Vou ali fazer pilates e esperar meu filho vir em paz, no dia que ele estiver pronto, pela via mais segura para nós dois. Sem apego, sem mil cursos, com algumas leituras, uma boa rede de apoio e muito amor.

 



Assuntos Relacionados