8M, Yanny Brena, Sophia, Daniel Alves e a exaustão que é ter coragem de ser mulher

Chega de flores, bombons e vitrines cor de rosa. O Dia da Mulher é um dia para se vestir de violeta contra o machismo e a desigualdade de gênero, de gritar que nos queremos vivas e não corajosas

Foto: Louise Dutra

Direi pela enésima vez o óbvio: chega de flores, chocolates e vitrines cor de rosa no Dia Internacional da Mulher. Chega de elogiar nossa coragem, quando ela é elemento fundamental para sobreviver ao machismo nosso de cada dia. Não queremos ser corajosas, nos queremos vivas e menos exaustas de ter de enfrentar diariamente uma série de violências impostas apenas por sermos mulheres. Não há idade nem classe social pro machismo. Ele afeta a todas nós em muitas camadas. E mata.

Faz cinco dias que vimos a vereadora Yanny Brena, de 26 anos, estampar o noticiário. Seu corpo foi encontrado sem vida, junto ao do namorado, na casa dela, em um bairro de classe média alta de Juazeiro do Norte. Num primeiro momento, dezenas de imagens do casal, aparentemente apaixonado.

Nas horas seguintes, a principal linha de investigação apontava para feminicídio seguido de suicídio. Rickson Pinto, o namorado que estaria inconformado com o término do relacionamento, teria matado Yanny e depois se matado. 

Foi aí que Rickson começou a sair das imagens nas notícias. Ficou Yanny, exposta, morta. Alguém resgatou uma postagem da vereadora nas redes sociais em defesa do combate à violência machista. Vários questionaram como ela, atenta à questão, pode não ter percebido os riscos e ter virado vítima. Yanny, morta, chegou a ser de certa forma culpabilizada pela violência que sofreu.

Veja também

Qual culpa então teria Sophia, estuprada aos dois anos de idade no Mato Grosso do Sul? A menina ainda estava aprendendo a falar, quando sofreu a violência. Foi morta três dias depois, e o padrasto e a mãe são investigados pelo crime. O pai da menina denunciou maus tratos várias vezes, e ainda assim o Estado brasileiro não foi capaz de protegê-la.

Não há idade, classe social nem fronteiras para o machismo. E a pior conta costuma ser paga pelas mulheres pretas e pobres, mas peço licença para falar do machismo que está sob os holofotes da mídia. O jogador de futebol Daniel Alves foi acusado por uma mulher na Espanha de tê-la estuprado. Primeiro ele disse que não a conhecia. Depois admitiu penetração, mas afirmou que o sexo foi consentido.

Nas últimas semanas, sua defesa argumentou que não foi estupro porque a suposta vítima estaria lubrificada. Vários profissionais de saúde vieram a público explicar: lubrificação não é marcador de tesão ou excitação. Duas testemunhas que acompanhavam a mulher na tal festa em Barcelona onde tudo aconteceu depois afirmaram que o jogador importunou sexualmente as três.

A verdade é que a mulher não tem um dia de paz. Tem que ter coragem para sobreviver. Aprender a andar olhando para os lados, apressando o passo e mudando de calçada quando a rua está mais vazia e um homem se aproxima.

Se vai a uma festa, não esquecer que beber demais pode ser perigoso, tomar muito cuidado pra não ter a bebida batizada nem ter seu corpo tocado sem consentimento.

Não gosta de festas? No trabalho também é preciso ter cuidado. Saber manejar os assédios do chefe com poder ou do colega catedrático que insiste em querer te fazer massagem sem você pedir. Um medo calado da violência, do estupro e do desemprego bem na nossa espinha. Ah, mas é só ter coragem para denunciar. Coragem mesmo, com o combo de desconfiança, humilhação e perseguição que costumam vir juntos.

É exaustivo ser mulher. É exaustivo ter que ter coragem. Somos julgadas por tudo. Se temos filhos, se não temos filhos. Ser mulher é abortar espontaneamente e ser maltratada em unidade de saúde porque o médico religioso achou que foi provocado. 

É passar uma gestação inteira com o fruto de um estupro na barriga, como a atriz Klara Castanho, e ser escurraçada por dar o bebê para adoção. É ser autônoma e, prestes a parir, lamentar não ter direito à licença maternidade e ter de ouvir que a precarização é fruto da luta de gênero. Afinal, se a mulher não cobrasse seu espaço no mercado de trabalho não precisaria de licença, né? Não é.

É por tudo isso que o 8M não é dia de flores nem bombons. É um dia para respeitar as vidas de Yanny, Sophia e de todas nós. É um dia para se vestir de violeta contra o machismo e a desigualdade de gênero. É um dia para gritar ao mundo como é exaustivo ser obrigada a ter coragem para sobreviver.