Como nasce uma mãe

Mesmo quando o amor não vem instantaneamente, as primeiras sensações ao conhecer um filho são como uma montanha russa deliciosa. Neste mês das mães, uma crônica por semana sobre os primeiros passos na maternidade

Foto: Fernanda Siebra

Nós nos conhecemos pelos olhos. Quando o corpo miúdo de Bento enfim saiu de dentro de mim, mal pude notar seus 3,1 quilos e 49 centímetros. Estava petrificada por seus olhos vivos, enormes, me fitando com uma curiosidade peculiar, algo muito distante dos olhinhos de ressaca que eu esperava ver em um recém-nascido. A minha primeira sensação quando o vi não foi exatamente de amor, mas de estranhamento. E medo

Eu, que já era mãe de anjo por ter perdido meu filho Francisco na barriga, me escondi num quarto de pânico que criei dentro de mim naquela madrugada chuvosa de 7 de abril. Bento chegou neste mundo às 5h22, com seus olhinhos de águia. Não sem antes nos pregar alguns sustos com seus batimentos cardíacos desacelerando nas contrações. O medo de perdê-lo ali, espreitando o desejo de conhecê-lo enquanto eu nascia mãe de um bebê.

Bento veio saudável, forte e, nos primeiros minutos de sua vida, nossas peles já estavam ali, coladas. Tentávamos nos reconhecer como mãe e filho pelo toque enquanto a segunda sensação que me salta da memória é a do cheiro do ar quente da boca dele durante seu primeiro choro. Nossos rostos colados enquanto eu tentava com meu corpo regular sua temperatura neste mundo novo que ele começaria a desbravar.

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Honestamente, não sei se veio aquele amor profundo que as pessoas dizem que as mães sentem logo que o filho nasce. Os momentos seguintes desde então são um borrão. Lembro de mal segurar meu filho no colo nos primeiros dois dias, quando eu mesma era um poço de insegurança.

Lembro de amamentá-lo com muita dor e de decidir todas as manhãs que passaria por isso só mais um dia (já estamos nessa há quase quatro semanas). Lembro de checar de meia em meia hora sua respiração. Da sensação de que daria a minha vida pela dele e de sentir que, depois de nove meses dele virando gente dentro de mim, ainda parecíamos dois estranhos.

Ser mãe pra mim é um ofício conjugado no gerúndio. Assim mesmo: aos poucos, devagar, com um perrengue de cada vez. Não carece do amor instantâneo pregado pelos que romantizam a maternidade porque é construído diariamente. E vira fortaleza a cada dificuldade nova, que magicamente surge tão logo vencemos uma demanda antiga. Como se a prateleira de problemas da mãe fosse finita, o mundo nos dá alguma trégua.

Foto: Arquivo pessoal

Ser mãe pode ser imensamente solitário nos primeiros dias, apesar da participação ativa do pai e da rede de apoio que possamos construir. Mas paradoxalmente também é um trabalho de equipe, um processo que mergulhamos junto com nossos filhos numa curva de aprendizado que parece não ter fim. 

Não tem nada melhor do que perceber, dia após dia, que estamos crescendo e aprendendo junto com nossos filhos. Meu auge com Bento nas primeiras semanas foi conseguir amamentá-lo na rede. Ele fazia uma boquinha de peixe numa pega perfeita à mama enquanto nos balançávamos na varanda e eu acariciava seu cabelo.

Pode parecer bobagem, mas esta é uma cena conquistada à base de muita resiliência e conversa: “Bentinho, o pepeto free é um trabalho de equipe. Vamos aprender juntos?”. Também não faltaram paródias do tipo “vou dar tetê, vou dar, vou dar tetê vou dar” para acalmá-lo a cada novo choro desesperado de fome.

A música do Alejandro Sanz ganhou uma versão com “tiritas p`a este pecho partido”. São rituais que vamos criando para seguir adiante. Alexa, toca Vaca Profana pro Bentinho mamar tranquilo. La leche buena toda en su garganta e… vamos vencendo.

Falo da amamentação porque tem sido especialmente nela que tenho me reconhecido (e nascido) mãe de um bebê vivo. O calinho de mamada na boca virou símbolo da nossa vitória diária. É quando o levo ao tetê que observo com calma seus traços e o vejo tornar-se uma nova criança a cada dia.

Foi assim que percebi suas mãos grandes, o nariz afilado, a sobrancelha igual à da minha avó, o pedacinho de carne que veio sobrando na orelha direita. Bento não tem nem um mês de vida e muda o tempo todo. Se nasceu a cópia da mamãe, agora já esbanja os traços do pai.

Não importa. Nada importa. Só o amor que vamos construindo dia após dia - e, talvez, o umbigo que caiu e vamos enterrar no nosso sertão para que ele jamais esqueça de onde veio. Todo dia somos um bebê e uma mãe diferentes. E seguimos. 

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