TRE-CE manda retirar parte de exposição com declarações de Bolsonaro em Quixeramobim

Exposição foi inaugurada em junho deste ano e está instalada na Casa de Antônio Conselheiro. Secult vai recorrer da decisão

Escrito por Lívia Carvalho e Matheus Facundo , verso@svm.com.br
Legenda: 'Tramas de Belo Monte' traz recortes de notícias antigas e contemporâneas
Foto: Divulgação

O Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) determinou, na última terça-feira (6), a retirada de parte da exposição Tramas de Belo Monte, instalada na Casa de Antônio Conselheiro, em Quixeramobim, por propaganda eleitoral irregular. A Secretaria da Cultura do Ceará (Secult-CE), responsável pela gestão do equipamento, informou à reportagem que vai recorrer da decisão.    

De acordo com a decisão do juiz Rogaciano Bezerra Leite Neto, os recortes de notícias que compõem a exposição sobre o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), constituem “propaganda negativa em desfavor de candidato à presidência em exposição ocorrida em bem de natureza pública”.   

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O despacho da decisão, ao qual o Diário do Nordeste teve acesso, mostra que dois fiscais da Justiça Eleitoral foram ao local após uma denúncia anônima ser recebida pelo aplicativo Pardal, plataforma oficial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para ocorrências de irregularidades durante as eleições.    

“Após diligência (...), se vislumbra, a princípio, a verossimilhança dos fatos alegados, por meio das fotos e relatos que do auto constam”, informa o documento.   

Assim, foi determinada a retirada do material no prazo de dois dias, ou seja, até esta quinta-feira (8) sob pena de aplicação de multa prevista. Os fiscais devem retornar hoje para averiguar a adequação da exposição.   

Legenda: Com curadoria de Osvaldo Costa e Danilo Patrício, a mostra está instalada na Casa de Antônio Conselheiro
Foto: Divulgação

Em nota, a Secretaria da Cultura, juntamente com o Instituto Dragão do Mar, informa que os curadores da exposição Tramas de Belo Monte, da Casa de Antônio Conselheiro, contam com toda a liberdade de criação e de pensamento, portanto, não houve nenhuma censura prévia ou orientação para a exposição.

"A exposição foi pensada e realizada com toda a liberdade de criação e pensamento, sendo lançada antes do período eleitoral. A Secretaria cumprirá a determinação da Justiça Eleitoral e informa que irá recorrer, juntamente ao Instituto Dragão do Mar, compreendendo que uma das premissas básicas das artes e da Cultura é a liberdade de expressão e de criação".

‘Ato grave de censura’  

Os curadores da mostra, Osvaldo Costa e Danilo Patrício, afirmam que estão “tomando todas a medidas judiciais cabíveis”. “Se não acontecer o reconhecimento de equívoco por parte da Justiça Eleitoral, terá sido então um ato grave de censura e de silenciamento da livre manifestação artística”, escreveram os curadores em post no Instagram. 

Em entrevista ao Diário do Nordeste, Osvaldo Costa, um dos curadores da exposição, diz que a decisão da Justiça Eleitoral é "absurda". Ele reitera que a "Tramas de Belo Monte" nada tem a ver com o período eleitoral, e foi concebida ainda em 2020 e atualizada neste ano.

O artista comenta ainda que se sentiu "tolhido e silenciado". "Todo material que utilizamos são matérias públicas, com declarações de pessoas públicas, dentre elas, o atual presidente da República", aponta. Ele destaca que a exposição possui também colagens dos séculos XIX e XX.     

Legenda: Recorte de notícia que compõe a exposição
Foto: Reprodução

Segundo o curador, a exposição põe em "debate e contato estético" a pertinência das questões sociais ligadas à Guerra de Canudos, e que são atuais, tais como violência, silenciamento e que tocam gestões sociais, aponta Osvaldo.  

"Reduzir tudo isso a 'cartaz de propaganda eleitoral', a meu ver não tem argumentação. Me espanta a decisão frágil, mas seguimos defendendo nosso direito na Justiça". 
Osvaldo Costa
curador

Importância de Antônio Conselheiro   

Conselheiro foi o principal nome da Guerra de Canudos ao formar e representar uma comunidade sócio-religiosa no interior da Bahia. O conflito armado envolvendo esse povo e o Exército Brasileiro completa 125 anos em 2022.  

Para o coordenador da Casa, Pedro Igor Pimentel, a decisão fere conceitos básicos da liberdade de expressão e da manifestação artística.  

“O visitante é convidado a fazer sua própria análise. Sinto que houve um tolhimento e isso diz muito sobre o movimento que foi Belo Monte, a Guerra de Canudos, isso traz algumas reflexões no sentido de que ainda estamos enfrentando algumas resistências. É parte da nossa história, é um elemento importante da exposição”. 

Inaugurada junto da Casa de Antônio Conselheiro em 30 de junho deste ano, a exposição traz artes de artistas como Luci Sacoleira, Renata Santiago, Simone Barreto e Tibico Brasil. O projeto apresenta repertórios estéticos ligados ao episódio Canudos a partir da guerra, em diálogo com temas e questões do Brasil que permanecem atuais. 

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