Símbolo do natal, presépio é revisitado como uma experiência por católicos e artesãos cearenses

A origem da representação é atribuída pela Igreja Católica a São Francisco, no ano de 1223, em Gréccio, Itália

Escrito por Roberta Souza , roberta.souza@svm.com.br
O presépio do casal Júlio e Rocivania foi um presente da irmã Malú Araújo, há 15 anos. Todo natal, o símbolo é exposto com destaque
Legenda: O presépio do casal Júlio e Rocivania foi um presente da irmã Malú Araújo, há 15 anos. Todo natal, o símbolo é exposto com destaque
Foto: Antonia Rocivania

A cena se repete na maioria dos lares católicos todo fim de ano. Tirar da caixa os elementos do presépio natalino e dispô-los em lugar de destaque, geralmente na sala de casa, é tradição secular que se vive em família. Na residência do casal Júlio Lélis da Costa Neto, 53, e Antonia Rocivania Araújo Lélis, 56, por exemplo, há 15 anos as mesmas pecinhas de porcelana são organizadas para transmitir uma mensagem fundamental: “Ainda que diante das adversidades da vida, Deus, por meio do Seu filho Jesus, nasce dentro de cada um de nós todos os dias”, acreditam.

Eles frequentam a paróquia Cristo Rei, na Aldeota, há mais de 30 anos, partilhando com o padre Laércio o significado deste símbolo. “O presépio é uma experiência muito antiga, e eu destaco bem a palavra experiência, porque ele é mais do que algo para ver. É uma experiência interativa de entrar na história da encarnação. Ou seja, eu me sinto participante daquela dinâmica de salvação; quando Deus decide que seu filho vai se encarnar, viver e habitar no meio de nós”, explica o pároco.

Do latim praesepium, a palavra em si remete à manjedoura, uma espécie de recipiente em que se coloca comida para o gado, e na qual o Menino Jesus foi posto na ocasião de seu nascimento. A origem da representação como a conhecemos hoje é atribuída pela Igreja Católica a São Francisco, em 1223, na cidade de Gréccio, Itália. 

Quinze dias antes do Natal, Francisco teria pedido a João, homem daquela terra, para ajudá-lo a concretizar um desejo: “Quero representar o Menino nascido em Belém, para de algum modo ver com os olhos do corpo os incómodos que Ele padeceu pela falta das coisas necessárias a um recém-nascido, tendo sido reclinado na palha duma manjedoura, entre o boi e o burro”, teria dito, segundo narram Fontes Franciscanas citadas pelo Papa Francisco em carta de 2019, que descreve a cena natalina como um “admirável sinal”. No dia 25 de dezembro de 1223, portanto, o presépio foi formado e vivido pelas pessoas que estavam presentes, sem o auxílio de outras figuras que não as reais.

Construção

Na atualidade, como explica o padre Laércio, o símbolo costuma ser montado pelo menos quatro semanas antes do Natal. “Você pode colocar o presépio completo: José, Maria, os animais e a criança. Porque de fato é uma experiência de oração, não é um teatro, não é só uma encenação, então tem que estar completo, com o Menino inclusive”, reforça, citando ainda os Reis Magos acompanhados de ouro, incenso e mirra.

Para o pároco,  é importante lembrar a austeridade, a autenticidade, a simplicidade e também a realidade do momento de sofrimento daquela família, que, ao mesmo tempo, vivia uma alegria. “Cada cultura vai incrementando e criando em torno disso. Não é problema, é tradição”, observa o padre Laércio.

“Por exemplo, aqui no Nordeste você pode fazer um presépio mais estilizado, com elementos da cultura nordestina. É comum, isso é normal. Agora, a gente às vezes excede no luxo: bota mais brilho, um excesso de estrelas, de pisca pisca, que perde o sentido de contemplação, de oração. Quem perde somos nós, né? Desfigura. Mas é preciso manter a centralidade no Cristo”, destaca o religioso.

Artesanato

Nessa perspectiva de valorizar os elementos regionais, artesãos de todo o Estado inovam a cada ano na proposição deste símbolo. No Concurso de Presépio Artesanal promovido pela Central de Artesanato do Ceará (Ceart), que este ano chegou a sua 23ª edição, fé e tradição popular se encontram em diferentes tipologias. José Bonieck Brito Tavares, o Boni, conquistou a primeira colocação em 2019 e 2020, com peças de madeira que fazem referências à cultura de sua região de nascimento, o Cariri. 

Vencedor dos dois últimos Concursos de Presépio da Ceart, Boni destaca a cultura do Cariri nas peças
Legenda: Vencedor dos dois últimos Concursos de Presépio da Ceart, Boni destaca a cultura do Cariri nas peças
Foto: Ariel Gomes

“A inspiração para mim sempre é meu povo e minha região, tanto as nossas tradições, brincadeiras culturais, mas também nosso povo contemporâneo: romeiros, agricultores, vaqueiros, todos. E a terra em si, aqui no Cariri a gente é bem abençoado: a gente tem a Chapada do Araripe, uma grande quantidade de reserva de fósseis, uma cultura riquíssima”, detalha Boni, que se dedica a esse ofício há cinco anos.

Em 2019, ele incluiu a banda cabaçal dos Irmãos Aniceto, o Padre Cícero, Luiz Gonzaga e a figura do vaqueiro em sua construção. Já esse ano, os reis magos foram representados pelo Mestre Aldenir, do Reisado, um profissional da saúde e uma pessoa em situação de rua. “O artista tem que trabalhar com seu tempo e seu povo. Não adianta eu tentar representar essa cena que aconteceu há 2 mil anos atrás do jeito que aconteceu lá. Eu tenho que trazer pra minha visão, pra minha vivência, colocar os elementos da minha região, que é o Cariri, e tornar aquela peça algo que seja nosso, que o povo se sinta representado”, defende Boni.

Outro participante do concurso em 2020 foi o artesão fortalezense Marcos André Ferreira Lima. Apesar de não figurar entre os primeiros colocados, seu presépio de madeira também se destaca por recorrer a um elemento característico de onde nasceu: a jangada. A vela da embarcação assume a figura da estrela. Já Maria, José e os Reis Magos aparecem como pescadores reverenciando a vida do Menino Jesus.

O presépio em formato de jangada do artesão Marcos André ressalta a figura do pescador cearense
Legenda: O presépio em formato de jangada do artesão Marcos André ressalta a figura do pescador cearense
Foto: Ariel Gomes

“Eu nunca tive um presépio em casa, mas sou artesão há 25 anos, gosto de fazer jangadas com tudo de madeira, até os pregos, e foi isso que me inspirou”, conta Marcos. Para ele, o símbolo natalino representa o nascimento de novas oportunidades e experiências, e foi exatamente isso que o artesão buscou materializar. As obras de Marcos, Boni e de outros participantes podem ser conferidas de segunda a sábado, de 10h às 21h, em exposição no Shopping Aldeota, no piso L2, em frente a loja da Ceart (85 9 9407-4260). Algumas ainda se encontram, inclusive, disponíveis para compra.

Contemplar o nascimento do Menino Jesus ao fim de um ano de pandemia, na visão de padre Laércio, revela mais uma vez o sentido espiritual do presépio.

“Não estamos sozinhos, Deus está caminhando conosco, vem ao nosso encontro. E a presença daquela família de Nazaré dentro de nossas casas quer dizer: A humanidade tem um horizonte e o horizonte da humanidade é Deus mesmo.Jesus, a trindade e também Maria e José participam da nossa vida, da nossa família, nesse momento de sofrimento, mas também um momento com muita esperança”, finaliza.












 

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