O estigma do peso nos impede de salvar e sermos salvos

O Índice de Massa Corporal (IMC) é uma métrica antiga e inadequada para metrificar a saúde de qualquer pessoa

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O texto de hoje envolve muitos assuntos. Envolve sonho, boas ações e preconceito… sim, por incrível que pareça esses três temas podem estar associados num mesmo texto.

Carol Zacarias é minha amiga de muitos anos, dividimos as mesmas dores, sonhos e angústias. Falamos sobre assuntos muito parecidos na internet, compartilhamos nossa vida e somos ativistas do movimento antigordofobia.

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Na verdade, Carol é ativista da vida, da liberdade e viu um grande sonho escoar pelos dedos semana passada. Doadora de sangue cadastrada no Hemoce, foi contactada pela equipe do Registro de Doadores de Medula Óssea (Redome) sobre uma possível compatibilidade com um paciente, porém, foi barrada por conta do seu IMC. Carol é gorda e não estava apta a doar.

Você provavelmente leu sobre esse assunto aqui. Eu também poderia passar um tempo aqui te falando que a Carol é uma mulher ativa, saudável, que se preocupa com a própria saúde, que faz musculação, crossfit e beach tennis semanalmente. Mas eu quero te falar do IMC.

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O cálculo usado para determinar a saúde de alguém, o IMC, foi criado em meio à Revolução Industrial, quando o corpo humano passou a ser visto como meio de produção. Em 1832, o matemático belga, Adolfhe Quetelet, criou a métrica usada até hoje para medir os índices de saúde de alguém.

Claro, há 192 anos, esse cálculo era o que existia de mais moderno para a medicina: divide o peso pela altura ao quadrado, pronto, temos aí uma pessoa saudável ou não.

Estamos em 2024. Sobrevivemos a uma pandemia. Cirurgias são feitas por meio de vídeo. Telemedicina é uma tendência fortíssima. Mas o método usado para caracterizar alguém com saúde ou não é um cálculo simples.

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Conforme o departamento de Ciências Nutricionais da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, não se obtém nenhuma interpretação sobre a saúde de alguém por meio do IMC. O Registro Britânico de Medula Óssea (BBMR) também afirma, a partir de um estudo feito sobre o assunto, que pessoas com IMC acima de 35 ainda podem salvar vidas.

Você com certeza tá pensando: mas a obesidade é uma doença. Sim, ela é, assim como a diabetes também é e o próprio Redome afirma em seu site que pacientes com "diabetes bem controlada, seja por dieta ou medicamento, será permitido o cadastro". Qual o critério, então?

Quase dois séculos se passaram e esse continua sendo o mesmo cálculo usado para obter tal resposta. É justo com quem precisa de ajuda?

Faz sentido que o IMC, um cálculo que claramente serve para caracterização populacional e chamar atenção ao que pode ser um problema de saúde, seja usado de forma tão individual e tão excludente?

Por quanto tempo o preconceito com pessoas gordas vai nos impedir de salvar vidas e de sermos salvos?

 

* Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora



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