A peça vintage é o unicórnio do armário plus size

Vamos começar essa conversa estabelecendo que: o problema não é o brechó, o problema é a economia e a indústria da moda

Legenda: The Weather Girls, grupo dos Estados Unidos, formado em 1982, que ficou mundialmente famoso com o lançamento do single "It's Raining Men"
Foto: Divulgação

Nunca se falou tanto em sustentabilidade quanto nos últimos anos. O pós-pandemia encheu a gente dessa conversinha do comprar sustentável, responsável e ecológico. Claro que esse raciocínio envolve todos os âmbitos, mas especialmente o mundo das roupas.

Mesmo com os preços implacáveis dos e-commerces chineses, como Shein e Cider, a procura pela roupa de segunda mão é uma tendência. Virou fashion fazer garimpo, encontrar aquela peça única: muito mais que um estilo de vida, comprar de brechó e de segunda mão está in.

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Mas se você acha que essa tendência abraça todo mundo, é aí que você muito se engana. Garimpar não é acessível pra todo mundo e quando falo de acessibilidade não tô falando só de preço. Existe muito tabu em volta da roupa de brechó, eles não estão disponíveis em qualquer cidade, envolve olhar afiado e paciência.

Pensa só na quantidade de brechós que a cidade de São Paulo tem (e pode ter). Aplique isto para nossa cidade, Fortaleza. Agora tenta elaborar essa realidade pra Itapajé. Não é porque é barato que é, consequentemente, acessível.

Falando em abraçar todo mundo, o que falar das pessoas gordas? Essa história causa um verdadeiro ranger de dentes na gente.

Isso tudo porque a roupa plus size em brechó é o grande unicórnio da moda de segunda mão: ninguém sabe se existe, e se existe, nunca se viu.

A dificuldade em achar peças grandes em brechós tem motivos históricos, envolvendo grandes guerras e períodos de recessão, o que torna a curadoria dessas roupas quase que impossível.

Antigamente, antes do prêt-à-porter (pronto para usar, em francês), as roupas eram feitas sob medida e isso exigia um investimento para que se pudesse ter roupas de qualidade e que durassem um bom tempo. Roupa era artigo de luxo, não se tinha muitas e a mão de obra era bem cara.

Nos períodos de crise e entre guerras, quem vestia tamanhos maiores passava suas roupas para parentes e amigos diminuírem e, assim, serem usadas à exaustão. Esse é um dos principais motivos para que não se tenha rastro de peças vintage plus size.

Essa prática, inclusive, virou uma política forte na Inglaterra e ganhou até um nome: Make Do and Mend, o que significaria no português numa tradução mais livre “Aproveitar e Remendar”. Com direito até a cartilha, a prática incentivava um estilo de vida mais simples, comum, com uma certa inventividade.

Não é culpa do brechó não vender roupas maiores, são anos e anos de negligência com o corpo e a vida de pessoas gordas. A moda se molda ao estilo de vida e economia de cada época.

O ser humano médio ocidental cresceu, aumentou de tamanho e isso foi considerado uma epidemia, com pouco embasamento teórico e muito embasamento econômico.

Por isso, se não aderimos a tais tendências, a culpa não é minha e nem sua. É do sistema.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.