Padres usam humor para atrair fiéis na internet: ‘A Igreja precisa falar com as pessoas deste tempo’
Entre a comédia e a devoção, eles inovam e alcançam diversos públicos com mensagens que fazem gargalhar e refletir sobre variedade de assuntos
Você não apenas já deve conhecer, como talvez até enviou perguntas para eles. Padres estão fazendo sucesso nas redes sociais ao interagir com fiéis por meio do humor. Questões do tipo “Tô saindo com meu chefe, é pecado?”, podem render respostas assim: “É interesse”.
A devolutiva foi dada por padre Patrick Fernandes, um dos nomes mais conhecidos nesse meio em todo o Brasil. Ultrapassando os limites da tela, ele desembarca na capital cearense para realizar show neste sábado (9), às 21h, no Theatro Via Sul Fortaleza. Intitulada “Fora da caixinha”, a apresentação vai passear pelas melhores histórias vivenciadas pelo hilário sacerdote.
São relatos engraçados, espirituosos e repletos de mensagens positivas, capazes de driblar a nebulosidade dos dias. “É muito importante devolver esperança às pessoas, o brilho, a alegria de estar junto, de festejar”, celebra. A tônica é a mesma trabalhada por ele em publicações diárias, alcançando quase cinco milhões de seguidores no instagram.
Uma das marcas mais consolidadas do religioso é a seção “Caixinhas de perguntas”, sempre às segundas-feiras. Nela, usuários enviam dúvidas sobre qualquer tipo de assunto e, como retorno, recebem a opinião dele a respeito do que foi questionado – claro, com toda a sinceridade e inteligência que a plataforma pede.
A ferramenta foi uma das responsáveis por alavancar a visibilidade de padre Patrick, ampliada meteoricamente a partir da pandemia de Covid-19. Segundo ele, a crença na leveza e na graça sempre o acompanhou. “E sempre identifiquei isso também em Jesus: sinais de humor no convívio com os discípulos”, percebe.
A internet surgiu como forte aliada para repercutir esse tipo de princípio. Apesar do clima de comédia, as mensagens aproximam as pessoas da devoção e não deixam de conter seriedade. O intuito é mesmo aliviar o fardo da rotina e, de quebra, conduzir as pessoas para Deus – algo demonstrado pelo público que acompanha as postagens, para além do catolicismo. “Estou sempre mostrando aquilo que existe no Evangelho. A essência dele, que é o amor”.
Limites e desafios
Mas trabalhar com humor, sobretudo sendo religioso, é terreno cheio de desafios. Por conta do enorme alcance, padre Patrick lida com muitas preocupações. Ele precisa tomar consciência de que, às vezes, uma palavra pode vir a ofender alguém, mesmo sem nenhuma intenção. “A gente tem que ter um filtro a respeito disso”.
Estabelecer limites é igualmente necessário. Não à toa, a certeza de que só se deve falar algo quando for perguntado – mais uma vez, mirando no quanto pode machucar algum seguidor. A percepção ficou ainda mais apurada quando notou que o perfil nas redes sociais não alcançava apenas os fiéis da paróquia onde congregava, mas usuários de todo o país.
“Percebo que as pessoas têm bastante interesse. É diferente ver um padre falando assuntos que até antes eram tabus – e de forma leve, descontraída. Reflito nas minhas respostas aquilo que eu escuto todos os dias. Trago isso em cada postagem, e acho que é por isso que todos se identificam tanto. A maioria reage de forma muito positiva”.
Em suma, o sacerdote – natural do Espírito Santo – acredita que é preciso utilizar os meios de que dispõe para ressoar a mensagem do Evangelho a mais praças. Isso talvez justifique a grande adesão de outros sacerdotes nisso de ocupar a internet de forma distinta do convencional. Em solo cearense, padre Ronney, por exemplo, é um dos que integram esse time.
“Acho que a Igreja precisa falar com as pessoas deste tempo. Então, temos que usar a linguagem das pessoas de hoje, principalmente da juventude. Não vamos alcançar fiéis com o discurso de antes, ficando preso às nossas realidades. Papa Francisco, quando iniciou o ministério, disse uma frase que é muito impactante: que os pastores precisam ter o cheiro das ovelhas. Logo, temos que ir ao encontro delas”.
Ainda sem conhecer Fortaleza – embora já tenha vindo ao Ceará, visitando o Crato – padre Patrick está ansioso para estar aqui. Atualmente, ele congrega na Paróquia São Sebastião, interior do Pará, e comemora o fato de estar viajando todo o Brasil para disseminar a alegria que não passa. “Um padre precisa ser isso, um homem de esperança, que transmita a felicidade do Evangelho, devolvendo vida e dignidade a tantas pessoas que as perderam”.
Padre do TikTok
Com atuação semelhante, padre Willian Coutinho é outro que se soma a esse panorama de fé e risadas. Longe de se considerar humorista, ele diz que conversa com os seguidores – são quase 41 mil no instagram e mais de 200 mil no TikTok – da maneira mais autêntica possível, feito dialoga com amigos íntimos. Logo, entende as diferentes plataformas como um grande encontro fraterno.
“Sou um jovem, as redes sempre fizeram parte da minha vida. Orkut, Twitter, Flogão, MSN, YouTube… Essas se destacavam mais no começo da popularização da internet. Mas entendi a evangelização nesse espaço como missão apenas quando criei o canal Foca na Jornada, divulgando a Jornada Mundial da Juventude que, naquele ano, aconteceria no Brasil”, conta.
Foi quando percebeu também que essa seria a causa da própria vida, presente inclusive na trajetória vocacional – conduzida até hoje de maneira leve e descontraída. A audiência reage a tudo com gosto. Existe uma parcela, porém, que não entende o humor e leva alguma brincadeira para o lado pessoal. “Encaro tudo com naturalidade, uma vez que minha proposta não é ganhar seguidores ou aprovação popular”, sublinha.
“Antes de tudo, sou um sacerdote e não saio por aí à procura de likes. Fica quem gosta, quem se identifica”. Nas caixinhas de pergunta, revela, aparece de tudo: questões sobre fé, comportamento, pedido de conselhos, cantadas, elogios, haters. O sacerdote faz um filtro e apresenta aquilo que possa, de alguma forma, gerar discussões importantes e também arrancar um sorriso de quem assiste.
“Me popularizei como ‘padre do TikTok’ justamente no momento mais crítico da pandemia. Pessoas morriam todos os dias e só ouvíamos notícias ruins. Em um cenário como esse, ver uma rede de entretenimento crescer de maneira meteórica e ver perfis de humor ganhando força é um indicador de que as pessoas estavam sedentas por sair do lugar escuro”.
Ele cita um ensinamento de Santa Teresa de Calcutá ao tratar do tema. Conforme ela, não devemos permitir que ninguém saia da nossa presença sem ter dado um sorriso. “Bom, estou tentando fazer isso”, ri. “Cresci com a ideia de que os padres eram inacessíveis, seres diferentes de nós. Isso só mudou quando conheci um padre e fiquei amigo dele”.
É desse mesmo modo que padre Willian quer ser encarado pelos fiéis: como alguém que pode ser, sim, de Deus e contagiar pela alegria e presença agradável. Não à toa, a maior preocupação no momento de responder às perguntas é em não falar algo que seja contrário à fé da Igreja. Deseja ecoar o que a instituição acredita, nunca ferindo a comunhão.
Olhar para o eterno
Na verdade, de acordo com a visão dele, a Igreja sempre esteve presente no ato de comunicar. A própria revelação de Deus, na qual se funda a fé cristã, é um ato de comunicação divina à humanidade. Portanto, não é de se estranhar que padres passem a tomar parte em tudo que as novas tecnologias podem oferecer.
“Mas há uma cautela sábia por parte da Igreja, a fim de que não corramos o risco de abraçar o que é efêmero. Nós olhamos para o que é eterno. Sou muito otimista em relação à Igreja. Há muitos católicos comprometidos com o bem e com a verdade, e estão prontos para assumir a missão nos ambientes digitais”.
A diferença na vida do sacerdote devido a esse princípio é sentida no dia a dia. Com apenas 30 anos de idade e natural da cidade de Januária, norte de Minas Gerais, padre Willian Coutinho já foi para a TV, conheceu dioceses dentro e fora do Brasil e estreitou diversos laços. Neste momento, ele atua na Paróquia Divino Espírito Santo, em São Romão (MG).
Há relatos fortes provenientes do trabalho dele na internet. Uma moça já lhe contou que estava planejando suicídio antes de assistir a um vídeo. “Isso mexe comigo e me sinto mais estimulado a continuar. Há pouco consegui que meus seguidores doassem bancos para uma comunidade pobre. Se não fosse as redes, eu não teria conseguido tão rápido. É milagre de Deus acontecendo ao alcance de nossas mãos”.
“Para ser bem sincero, eu sempre quis apresentar um outro tipo de evangelização diferente do convencional. Sempre fui um consumidor da cultura do entretenimento (filmes, séries, vídeos na internet, música, jogos). Tudo isso fez parte do meu cotidiano e sempre imaginei que as pessoas precisavam se sentir plenas na presença de Deus. Por que todo conteúdo cristão só pode ser rigorosamente apologético, dogmático, sistemático se for sério e chato?”.
Ainda que sem grandes ambições – deseja continuar sendo padre e cumprir a missão – o religioso possui metas bastante específicas. Uma delas é criar um podcast, estendendo o legado de busca pela santidade por meio do riso. “Se for vontade de Deus, vai dar certo”.