Obras do acervo do Museu da Fotografia Fortaleza integram duas novas exposições de longa duração
Sob curadoria do escritor, roteirista e editor Diógenes Moura, “O olhar não vê. O olhar enxerga” e “Não danifique os sinais” convocam a diferentes reflexões sobre a imagem
Nasce com Stephen Shore, prestigiado fotógrafo americano, a ideia de que, como objeto, uma fotografia tem vida própria no mundo. Segundo ele, a imagem “pode ser conservada numa caixa de sapatos ou num museu, reproduzida com fins informativos ou publicitários, comprada e vendida. Contemplada como objeto utilitário ou obra de arte”. No fim das contas, “o contexto em que uma foto é vista afeta os significados que o observador extrai dela”.
Nesse sentido, os museus – enquanto um dos espaços citados na mais célebre frase do profissional – certamente, são os lugares mais favoráveis para a percepção dessa multiplicidade imagética. A própria dinâmica dos equipamentos consolida isso: além de otimizar a imersão dos espectadores num sem-número de registros também podem resguardar um rico acervo, com possibilidade de incontáveis revisitas para fazer surgir novos trabalhos.
Foi a partir dessa imersão na abundância de obras sob posse do Museu da Fotografia Fortaleza (no total, são mais de 2.500 peças pertencentes ao equipamento), que o escritor, roteirista e editor Diógenes Moura pensou a curadoria das duas novas exposições da casa, com abertura marcada para este sábado (7), às 10h, seguida de diálogo com o profissional, às 11h30.
“O olhar não vê. O olhar enxerga” e “Não danifique os sinais” têm longa duração, reunindo cerca de 370 imagens. Segundo Diógenes, há uma linha muito tênue entre uma mostra e outra porque ambas possuem o mesmo princípio. “O conceito delas é serem uma nova leitura sobre o acervo do Museu”, resume.
Apesar das similaridades, cada trabalho possui uma gênese específica. “O olhar não vê. O olhar enxerga”, no térreo, dialoga com a formação de público, convocando à abertura de possibilidades de encarar uma imagem e a necessidade de reflexão diante delas. “Refletir a partir do encarar uma foto ao menos durante 10 segundos, por exemplo, já que vivemos no mundo da angústia e do desespero da internet, onde tudo é rápido”, situa o curador.
Entre os nomes que integram o time de fotógrafos no pavilhão, estão Bauer Sá (BA), Elza Lima (PA), Celso Oliveira (RJ), Edward Steichen (EUA), Thomas Farkas (Hungria), entre outros, locais, nacionais e internacionais.
Quanto aos registros, coloridos ou P&B, abordam diversidade de perspectivas, flertando ainda com a literatura, herdando o ofício de escritor de Diógenes, ao virem acompanhados de textos, ajudando a guiar o percurso.
Existências
“Não danifique os sinais”, no primeiro andar do prédio, igualmente reúne os detalhes mencionados, contudo trata especificamente dos momentos de conflito em que vivemos desde sempre. Traz, assim, fotografias de acontecimentos de agora e outrora – guerras, tragédias, manifestações, até culminar no cangaço.
Entre os fotógrafos, estão Bruno Bernardi (GO), Gentil Barreira (CE), Juca Martins (Portugal) e Orlando Brito (MG).
“Trata de uma realidade verdadeira, porque, nós, brasileiros, temos mania de suavizar as coisas. Todo mundo acha que, aqui, somos muito afetuosos, mas matamos várias pessoas por dia, ferimos mulheres nos olhos, seios, boca e ouvidos, matamos negros, travestis e por aí vai”, elenca Diógenes.
“Tem gente que fala que a mostra é uma coisa tenebrosa, e, na verdade, não tem nada de pesado. É um trabalho claro sobre a realidade em que a gente vive e convive, ainda mais em Fortaleza, que está passando por momentos complicados”, completa. Não à toa, o curador explica que as duas exposições tratam de existência, contemplando o corpo, alcançando paisagens e reverberando as experimentações dos fotógrafos.
Não existe uma ou outra imagem mais simbólica. Todas formam apenas um panorama, costuradas por uma espécie de plano-sequência, permitindo que o olhar passe, sem cortes, entre uma foto e outra.
“É um trabalho muito sério. São dois parâmetros que buscamos contemplar, em que você sai do térreo – onde há um pedido de silêncio diante das imagens – e depois sobe para que possa explodir diante de uma verdade tão profunda sobre nossa realidade. Não sou um curador que faz um projeto de fotografias bonitinhas para agradar o público. Quero que as pessoas reflitam, que elas saiam do museu com algum tipo de provocação – uma imagem, uma palavra, uma frase, o que quer que seja – e levem isso para casa”.
O diálogo com Diógenes Moura no MFF no mesmo dia da abertura das mostras, enfim, deve orbitar exatamente esses temas, todos muito presentes nas obras literárias que assina: abandono, vida cotidiana, abismos. “Falaremos também sobre o percurso, silêncios, a intenção de um espectador diante de uma imagem. Espero que as pessoas discordem bastante”.
Serviço
Abertura das exposições "O olhar não vê. O olhar enxerga" e "Não danifique os sinais"
Neste sábado (7), às 10h, no Museu da Fotografia Fortaleza (Rua Frederico Borges, 545 – Varjota), seguida de conversa com o curador Diógenes Moura, às 11h30. Visitação: de terça-feira a domingo, de 12h às 17h. Gratuito. Contato: (85) 3017-3661