O Moura Brasil pelos olhos afetivos de quem faz a história do bairro de Fortaleza
Moradores do bairro Moura Brasil foram a campo e registraram pessoas e espaços referência no lugar. O "Mapeamento Afetivo Moura Brasil" gerou dois documentários e exposição fotográfica que serão apresentados no Complexo Cultural Estação das Artes
Bairro histórico da capital cearense, o Moura Brasil acaba de ganhar um registro especial pelos olhos de quem vive a comunidade no dia a dia. A partir do projeto "Mapeamento Afetivo Moura Brasil", 20 jovens identificaram moradores e espaços públicos referência para o lugar.
A pesquisa desenvolvida rendeu dois documentários, exposição fotográfica e uma série de textos que revelam a essência do local. Estes trabalhos serão apresentados ao público neste sábado (11), a partir das 13h, no Centro de Design do Ceará, situado no Complexo Cultural Estação das Artes.
De outubro de 2022 a fevereiro de 2023, a ação mapeou as associações, coletivos, lideranças e patrimônios materiais e imateriais presentes naquela região. O grupo entrega um registro inédito e precioso acerca de um espaço de Fortaleza que ainda sofre com estigmas e a pobreza.
O objetivo é revelar o Moura Brasil desconhecido pela maioria dos cearenses. Com cerca de quatro mil habitantes, o bairro resiste apesar dos anos de abandono por parte das gestões públicas. Assim, personagens marcantes da região ganham voz e contam sua própria versão dos fatos.
Revelando afetos
A formação do Moura Brasil remete ao final do século XIX, com a chegada de retirantes da seca no sertão cearense. Sem assistência, a região se estigmatizou no decorrer das décadas. O mapeamento adentra esta realidade a partir da perspectiva de sua juventude.
A iniciativa parte do Núcleo de Articulação Comunitária e Afirmativa (NACA), ligado ao Instituto Mirante. Esta Organização Social é responsável por gerir diversos equipamentos públicos culturais do Ceará, como o recém inaugurado Complexo Cultural Estação das Artes, erguido no Moura Brasil.
O projeto da pesquisa foi construído coletivamente pelos jovens selecionados. Além de bolsa-auxílio, os participantes receberam uma série de formações específicas nas áreas de "Patrimônio Material e Imaterial", "Fotojornalismo", "Pesquisa", "Museologia Comunitária e Social".
"Após esta etapa de formação, houve ainda pesquisa de campo e eles aplicaram o conteúdo trabalhado no processo de coleta de dados e informações sobre a comunidade", descreve o coordenador do NACA, Wellington Gadelha. Assim, as obras produzidas reúnem um acervo de memória viva das pessoas que sabem vários pedaços da história do Moura Brasil.
Conhecendo o Moura Brasil
A partir deste projeto, a mostra revela figuras marcantes à comunidade como Seu Zezé, Dona Iza, Dona Francisca da Hora, dentre muitos outros. O registro passeia por lugares queridos da população como a Avenidinha, a Praça do Muriçoca, Alexandre Games, Escolinha de Surf, Capela Santa Terezinha e o Chafariz.
"Nasci e me criei aqui. Não é o que as pessoas acham de ser perigoso. Quem mora aqui dentro sabe e vamos mostrar isso", conta Scarlet Vitória Fernando (26), uma das realizadoras do "Mapeamento Afetivo Moura Brasil". No dia anterior à abertura da exposição, ela e outros integrantes percorrem o bairro divulgando a atração. A expectativa é alta, detalha.
Scarlet aponta que o mapeamento é uma oportunidade rara dos moradores contarem a história do bairro. A experiência lhe permitiu descobrir fatos acerca da construção da comunidade, bem como as muitas nomenclaturas que o lugar foi ganhando com o passar das décadas, como "Curral", "Arraial" e "Oitão Preto".
A mostra gratuita e aberta ao público, exibe os documentários “O Moura Brasil que não te contaram” e “Se essa praia falasse…”, com direção coletiva dos jovens pesquisadores do programa. O Mapeamento Afetivo ainda reúne exposição com 14 fotografias e 27 textos que contam a trajetória da localidade.
Sobre os documentários
Em “O Moura Brasil que não te Contaram”, conhecemos 22 narrativas sobre o bairro Moura Brasil. Aqui, estão depoimentos sobre o surgimento do bairro, os anos em que funcionou o campo de concentração destinado aos flagelados da Seca e as mudanças testemunhadas pelos moradores.
Já “Se Essa Praia Falasse…” adentra as memórias afetivas dos jovens da região. Em cena, o que esta nova geração pode falar quando são perguntados sobre suas experiências e lembranças na Praia do Marina (Park Hotel). O filme defende que lazer e entretenimento também atuam como resistência de uma população que vive ali antes dos grandes empreendimentos erguidos no seu entorno.
Estudante do Curso de Técnica de Enfermagem, Scarlet aponta que a participação no mapeamento foi uma experiência nunca vista. As irmãs Luana Beatriz e Ana Thaís também participaram do projeto. Os alunos, descreve, participaram de todas as etapas de produção dos documentários. No começo ficamos acanhados, mas depois fomos desenrolando", partilha.
Enquanto uma turma realizava as entrevistas, outro grupo anotava as informações. Tudo elaborado coletivamente. "Escrevemos os roteiros, capturamos o lado afetivo, as grandes lembranças dos entrevistados e íamos colocando no papel. Andamos para todo lado no Morro, no sol quente. Foi muito divertido e a experiência está sendo incrível, muita gente vai se emocionar", completa Scarlet Vitória.
Para Wellington Gadelha, o "Mapeamento Afetivo Moura Brasil" oferta a oportunidade de que surja uma comunidade mais articulada e fortalecida. O trabalho adentra a perspectiva de cearenses que constroem diariamente aquele território.
"Existe um movimento contrário que insiste em colocar a comunidade do Moura Brasil unicamente em uma perspectiva. Desta forma, propomos com esta experiencia que as pessoas passem a redirecionar seus olhares para a comunidade. Moura Brasil é um espaço de troca, de criação e apoio mútuo. Um território importantíssimo na construção de Fortaleza que deve ser valorizado e cada vez mais fortalecido", finaliza o coordenador.