Na semana do Dia Mundial da Poesia, um relato sobre a arte de mudar um poema de uma língua a outra

Editor do Selo Demônio Negro, cearense Vanderley Mendonça relata que traduzir é trovar

Escrito por Vanderley Mendonça * , vanderleymeister@gmail.com
Legenda: Augusto de Campos foi grande inspiração para que Vanderley Mendonça introduzisse um novo modo de recriar uma obra poética
Foto: Foto: Juvenal Pereira

Sou nascido em Maranguape, em 1963, e criado em Brasília até os 14 anos. Da Capital Federal, mudei-me para São Paulo com a família, onde vivi até os 23 anos, quando me formei em Jornalismo. Em 1990, mudei-me para Porto, Portugal, onde também estudei Design Gráfico, enquanto trabalhava como jornalista.

Morando na Europa, pude estudar Tipografia e Artes do Livro, na Alemanha. De volta a São Paulo, fui convidado a dirigir a área de design de uma multinacional, aproveitei os benefícios dessa empresa e passei um ano nos Estados Unidos, em Rochester, estudando Colorimetria e Teoria das Cores, minha especialidade no doutorado.

Este percurso é para contar que aproveitei essas oportunidades e viagens para aperfeiçoar as línguas que sempre estudei sozinho, desde os meus 12 anos. Assim, aprendi bem o espanhol, catalão (língua que tenho título de "catalàparlant", e proficiência atestada pelo governo da Catalunha), francês, alemão, italiano e inglês.

Hoje, estudo holandês, créole haitien e provençal. O amor pelas línguas de poetas que eu sempre lia e não obtinha a tradução em português fez com que eu me tornasse um editor.

Inicialmente, comecei a publicar usando como método e inspiração o grande editor italiano do Séc. XVI, Aldo Manuzzio, que estabeleceu os parâmetros estéticos e gráficos do livro como o conhecemos ainda hoje. Manuzzio era, além de um dos maiores tipógrafos da história, impressor e tradutor das obras que editava.

Com isso, em 2006, imprimi meu primeiro livro. Uma antologia com doze autores em início de carreira (dos quais uma se destaca hoje na literatura brasileira: Andrea Del Fuego).

Impressão

Além de editar e negociar com os autores, imprimi o projeto com tipos móveis e utilizei alguns desses de borracha também. Costurei e montei 42 exemplares (número em homenagem a Gutenberg e à sua Bíblia B42). Assim, nasceu o Selo Demônio Negro, que tem no catálogo traduzidas obras de Octavio Paz, Ezra Pound, Vaclav Havel, Rubén Darío, Augusto de Campos, entre outros.

De 2012 em diante, iniciei com mais frequência edições com traduções minhas e de tradutores convidados (como a Antologia Lira Argenta, que traz ao português poetas nunca antes traduzidos, em diversos idiomas), onde a arte de traduzir é o grande salto.

A inspiração, claro, é Augusto de Campos, de quem me tornei amigo e editor. Augusto (junto com seu irmão Haroldo) introduziu um modo novo de re-criar uma obra poética. Introduziu na língua portuguesa o signo joyceano, um novo léxico, as palavras-valise, enfim, o novo novo, como grafou no seu livro "Balança da Bossa e outras bossas".

Seu domínio do verso e o conhecimento de línguas pouco traduzidas no Brasil nos anos 50 e 60, como provençal, alemão, italiano, e de poetas raramente lidos ou conhecidos, fez com que ele criasse um paideuma, um cânone poético que influenciou pelo menos três gerações. Letra, verso, página e livro tornam-se um todo, como no Coup de Dés, do poeta francês Stéphane Mallarmé, o primeiro farol de todos os poetas radicais e inventores no Séc. XX.

Buscar a poesia onde se diz que não há poesia, como nos escribas egípcios, na lapidar tipografia romana, na caligrafia árabe e nos manuscritos dos códices dos trovadores provençais, é uma experiência estética complexa e exata, redesenhada século após século por visionários como Aldo Manuzzio e Augusto de Campos. Traduzir e ainda manter o poema metricamente e ritmicamente perfeito num espaço visual é um esforço que não conforta o leitor, pois é preciso mais do que sensibilidade para ler um poema que não é apenas língua, mas acima de tudo linguagem.

* Editor, jornalista, designer e tradutor

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