Mulher trans é coroada rainha de quadrilha junina no Ceará: ‘São João fortaleceu minha identidade’

Aos 22 anos, Adriely Dias afirma ter realizado um sonho de 10 anos ao ocupar o posto pela quadrilha Nação Nordestina, de Juazeiro do Norte

Escrito por Lívia Carvalho , livia.carvalho@svm.com.br
Legenda: Adriely realizou o sonho de ser coroada rainha pela quadrilha junina Nação Nordestina
Foto: Divulgação

Todo o encanto junino explodiu o coração da cabelereira Adriely Dias ao presenciar pela primeira vez, ainda na adolescência, os espetáculos de São João no Nordeste. Nascida em São Paulo, mas morando em Juazeiro do Norte desde os sete anos, ela se apaixonou durante uma apresentação da quadrilha Nação Nordestina.  

O ano era 2013 e, ao ver a rainha do grupo, sabia que era aquilo que queria ser. No último dia 4 de junho, Adriely, aos 22 anos, estreou como rainha da quadrilha que mexeu com sua cabeça desde a primeira vez. Um feito que poderia parecer distante.  

“A importância desse título, pra mim, é saber que a gente pode ocupar espaços independente de nossa religião, sexo, gênero, de qualquer coisa. Que a gente pode sim realizar sonhos. Eu sou muito grata a tudo e a todos me ajudaram”. 
Adriely Dias
rainha da Nação Nordestina

Adriely, que é uma mulher trans, relata ter passado por várias dificuldades no início até realizar o sonho de ser coroada rainha, em março desde ano. “As pessoas sempre falam que a gente não pode, que não tem direito, mas a gente tem que continuar, seguir nossos caminhos. Ocupar espaços é necessário e isso me deu força”, destaca.  

Rotina intensa  

A rainha conta que a rotina de preparativos foi bastante intensa com ensaios de terça-feira a domingo, tendo que conciliar entre o trabalho em um salão de beleza da cidade em que mora. Além das danças com o elenco da quadrilha, os momentos serviam para aperfeiçoar movimentos específicos do papel que desempenha no grupo com o auxílio de um coreógrafo.  

Apesar disso, Adriely revela que nem tudo aconteceu como o previsto na estreia, o que, contudo, não tirou o brilho da apresentação. 

“O movimento e o peso fizeram com que algumas coisas não dessem certo. Fiquei bastante feliz com o resultado, mas queria ter me entregado mais. Foi meu primeiro festival de estreia, então foi um quebra gelo, mas o que vem por aí vai ser babado”, promete. 

Antes do atual título, Adriely já foi Rainha G pela quadrilha Junina Paixão do Cariri, a função é voltada para competição em festivais específicos de celebração da diversidade sexual e de gênero no universo junino, porém dança como o elenco geral.  

Em 2019, ela entrou para a Nação Nordestina e também estreou como Rainha G. “Pude levar títulos pro grupo, pude participar, evoluir e sempre com aquela força de vontade de melhorar porque eu queria estar ali naquele posto de rainha. Isso me motivava muito, me inspirava e era o que me proporcionava sonhar”. 

Primeiros contatos  

Apesar de já ter tido contato com as apresentações juninas da escola, quando ainda morava em São Paulo, Adriely não se identificava com as vestimentas tradicionais e o bigode de maquiagem feito com lápis de olho. Foi só quando viu o espetáculo de uma quadrilha profissional que se envolveu com a grandiosidade da festa.   

“Eu não cresci no meio junino, minha primeira experiência aconteceu em, quando conheci a Nação Nordestina e me apaixonei. Ali, percebi que era uma coisa que eu sempre quis participar, mas nunca tive convicção de que seria”.   

É por isso que Adriely afirma que a coração é a realização de um sonho. “Quis muito ocupar esse posto por vários anos quando eu via a minha maior inspiração, Elisandra Bezerra, a rainha antes de mim. Eu sempre fui apaixonada pela forma dela dançar, admirava demais”, conta.  

Legenda: Antes de ser coroada rainha, Adriely foi destaque como Rainha G
Foto: Divulgação

Quebra de barreiras 

Embora a confiança de se expressar por meio da arte a fortaleça, Adriely relata que nem sempre foi fácil, já que no início teve de ouvir que não poderia estar ali. Foi com a identificação e vontade de mostrar que é maior que qualquer preconceito e barreira que a fez seguir.  

Para ela, a relação com o São João foi também um fortalecedor da própria identidade. “Participar disso tudo me trouxe vivências de coisas que eu já sabia, a gente de alguma forma procura algo pra se identificar, o São João me fortaleceu enquanto mulher trans, mas é o que eu já era”.  

“O São João representa pra mim uma forma que eu possa me expressar e me libertar da forma que eu gosto, posso ser o que eu quero, viver da maneira que eu quero. Ainda existe muito preconceito, mas a gente precisa deixar de lado essas barreiras, porque se for ligar pra esse tipo de coisa a gente não vive. É uma festa tão linda pra gente se limitar aos padrões”. 

Confira agenda de junho da Nação Nordestina 

  • Dias 13, 14, 15 e 16: Juazeiro do Norte-CE 
  • Dia 17: Barbalha-CE 
  • Dia 18: Araripina - PE  
  • Dia 23: Mossoró - RN  
  • Dia 25: Campos Sales - CE 
  • Dia 26: Várzea Alegre - CE 
  • Dia 30: Potengi - CE 

 

Assuntos Relacionados