Lições de dança e teatro: meninas compartilham conhecimentos com outras crianças nas redes sociais
Personagens da segunda reportagem da série "Pequenos protagonistas", Maria Júlya Rodrigues, de 6 anos, e Valentina Santana, de 7, ensinam balé, ritmos e pequenas esquetes teatrais por meio da internet
O piso de cerâmica de repente fica todo coberto de grama. E as camas do quarto viram bancos de praça, rústicos objetos para apoiar o corpo. O cômodo inteiro, por sua vez, transforma-se em parque ecológico, ambiente favorável para um belo piquenique.
É por meio da imaginação que Maria Júlya Rodrigues, 6 anos, ressignifica o lar onde reside, no bairro Vila Velha II, em Fortaleza. A clausura decretada com a pandemia do novo coronavírus aguçou os sentidos e talentos da menina.
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Com a ajuda da mãe, a autônoma Sandra Almeida, ela grava vídeos nos quais encena pequenas esquetes teatrais, compartilhados no perfil que mantém no instagram. O intento é nobre e sintoniza-se com um forte desejo da pequena: fazer com que outras crianças também possam saber o quanto é bom estar em meio à arte.
“Quando faço essas atividades, sinto uma energia muito boa dentro de mim e passo para as outras crianças a minha felicidade”, conta Maria Júlya.
A cena descrita no começo deste texto é uma das que realizou de modo a convocar outros olhares sobre seu fazer artístico. Acompanhada de uma boneca Minnie de pelúcia e uma pequena cesta, a miúda faz de conta que marcou um passeio com um amigo, Davi. Enquanto o aguarda, Maria Júlya troca de roupa e põe maquiagem, porém nada de o garotinho chegar.
“Quando minha mãe posta esses vídeos no instagram, as minhas amigas veem e comentam. Aí, pedem para vim até minha casa e eu ensino algumas cenas, porque elas amam muito”, situa a garota, cujo um dos maiores sonhos é ser atriz. O feito é corroborado por dona Sandra, principal responsável por fazê-la mergulhar nessa teia de criatividade e dedicação.
“Percebo essa inclinação da Maria Júlya para a arte desde os três aninhos de idade dela, quando assistia a programas na TV e ficava vendo as mini-bailarinas dançando, ou crianças encenando. Com o tempo, ela pediu um microfone de presente, e eu comprei um de brinquedo. Foi aí que começou tudo”, explica a mãe.
Rotina no balé
Além de encenar, a menina também desenha e pinta, mantendo em casa vários papéis e lápis de cor para aprimorar os talentos e contornar o triste do mundo. Tem outra linguagem artística muito querida por ela: o balé. Estudante da Cia Vidança – uma das mais tradicionais escolas e associações de dança de Fortaleza, fundada e dirigida pela bailarina Anália Timbó –, a criança encara o ofício como coisa séria. “A dança movimenta o nosso corpo, a nossa mente, e a música faz a alegria e o amor”, diz.
Nas lições que repassa por meio das redes sociais, ela se entrega totalmente. A começar pela vestimenta: com cabelo preso num coque, Maria Júlya usa collant, uma saia rosa e, claro, as indefectíveis sapatilhas, próprias daquelas que ficam na ponta do pé.
Depois de fazer as saudações iniciais, inicia o aquecimento. À medida que articula o corpo, vai repassando os movimentos: “Pote de mel, barriga do rei, coroa da rainha, asas da borboletinha, salto da mamãe, giro da bailarina”, enumera.
A mãe, celular em riste para registrar tudo, festeja: “Todo esse conjunto de artes – o teatro, o balé e a música – tem influenciado muito na desenvoltura pessoal dela, na atenção, na concentração. Serve para tirar tudo aquilo que tem dentro dela e expor mesmo, com todo esse amor e carinho que ela tem, de quem gosta de fazer”.
“Neste momento de pandemia, ela está fazendo essa ação, otimizando transformações nos ambientes das pessoas por meio das redes sociais, transmitindo a elas que o bem só traz o bem. As crianças recebem esse conteúdo com carinho, mandam corações, comentam… E algumas já entraram no teatro e na dança por meio da Maju. Transformam a vida, sim; aderem à arte”, completa dona Sandra.
Movimentando o mundo
Do outro lado de Fortaleza, no bairro Planalto Mondubim, outra criança movimenta a internet mediante gravações que contemplam a dança. Valentina Santana, aos sete anos, prepara todo o quarto antes de dar o play. Afasta os objetos, limpa o ambiente, posiciona o celular no anel de luz comprado pelos familiares. Tudo pronto: agora, é mexer o esqueleto.
“Quem dança é mais feliz”, ela resume, e confirma a máxima a cada sorriso que distribui para os mais de 9.500 seguidores no instagram, por meio do perfil @valentina_oficial4. Outro aplicativo utilizado por ela para partilhar os saberes na arte é o Tik Tok, bastante popular no Brasil. Por lá, as produções da criança podem ser conferidas em “fashionsttyle”.
“Quanto eu estou dançando, me sinto muito feliz. Até esqueço que estamos no meio de uma pandemia. Faço Tik Toks e vídeos no instagram com minha prima, amigas e com a minha irmã”, detalha a pequena, sempre atenta aos conteúdos com maior evidência nas redes para, assim, também produzir coreografias e estilos que ensinem e agradem ao público.
Aprendizado constante
Muito dessa predisposição advém das lições aprendidas no projeto ABC, equipamento da Prefeitura de Fortaleza, e das aulas de Ritmos na Associação de Moradores do Parque Santana, no bairro vizinho onde mora. Valentina também é aluna de karatê e, muitas vezes, aparece vestida com o quimono para dançar, estreitando as fronteiras entre o esporte e a linguagem artística.
Mãe da menina, a costureira Delzimar Santana acha relevante o fato de as crianças exercerem o protagonismo no lugar onde vivem. “Serve de referência para as outras que ficam nas calçadas, no meio da rua… Elas vendo uma criança que interage nas redes sociais, que faz esporte e dança, as incentiva muito. Que todas sigam o mesmo destino”, torce.
Quando relembra a trajetória da filha, transborda de emoção. A miúda sempre teve desenvoltura artística precoce, percebida antes mesmo do primeiro ano de idade. “Ouvia música e já entrava no ritmo”, conta dona Delzimar.
“Ela já participou de projetos culturais, como o Festival Novos Olhares, para os talentos do bairro Mondubim, e do Concurso de Dança Sonhos em Movimento”, completa.
Portanto, apesar da pandemia, não há espaço para abreviação. O mundo se estende, vigoroso e dinâmico, para além dos flashes e das telas. Valentina ensina, aprende e se diverte em movimento ininterrupto de leveza e graça. “Faz bem para o corpo, para a alma e para a saúde também”, assegura.
Serviço
Vídeos educativos de Maria Júlya Rodrigues e Valentina Santana
É possível acompanhar as produções de Maria Júlya por meio do perfil @majufashion_10, no instagram; produções de Valentina Santana em @valentina_oficial4 (instagram) e fashionsttyle (tik tok)
> Neste domingo (30), confira a terceira reportagem da série "Pequenos protagonistas", sobre as trajetórias de João Carlos Caetano, Elenilda Costa e João Victor Arcanjo, adolescentes que, ligados a bibliotecas comunitárias de Fortaleza, realizam projetos literários de acessibilidade e promoção da fruição artística.