Jesuíta Barbosa define vilão de "Verão 90" como sociopata e fala sobre relação com Fortaleza

Em entrevista exclusiva ao Verso, ator escancarou admiração por Cláudia Raia, parceira de elenco, e incentivou um levante dos fortalezenses para ocupar a cidade

Escrito por Wolney Batista , wolney.santos@verdesmares.com.br

Um dia antes. Um grupo de jornalistas visitava os estúdios da rede Globo para uma série de entrevistas coletivas com elenco da dramaturgia atual da casa. Entre tantas estrelas, foi para o antagonista da novela Verão 90, que estreia nesta terça-feira (29), às 19h, que começou uma onda de elogios.

"Como o Jesuíta está bem nesse papel, né?", "Acho que é um dos atores mais talentosos da geração dele", "Ele está muito maduro". Sem exageros, as palavras positivas acerca do ator eram unânimes.

Na manhã seguinte eu estava sentado à frente de Jesuíta Barbosa. O ator havia encerrado um ciclo de gravações e entrou na sala de imprensa da emissora ainda de cabelos molhados, camiseta básica e calça preta. Como um bom cearense - apesar de ter nascido em Pernambuco - que ciceroneia a visita recém-chegada em sua casa, ele era atenção e afeto. "Mas você veio só para me entrevistar?", duvidou com modéstia da sua proeminência artística já tão alardeada pela crítica especializada.

Na novela, Jesuíta será Jerônimo, um jovem que fez muito sucesso quando criança, na década de 1980, no grupo Patotinha Mágica, formado pelo irmão João (João Bravo/Rafael Vitti) e por Manuzita (Melissa Nóbrega/Isabelle Drummond). O trio se reencontra anos mais tarde, todos no ostracismo da fama.

Inconformado com a situação atual, Jerônimo ainda persegue o estrelato e demonstra ter traços doentios, como definiu o intérprete. "Acho que ele é um sociopata. É alguém que tem algumas patologias em cima do ego. Extremamente Narciso. Acho que o Jerônimo está em cima desse lugar, de alguém que quer ganhar poder acima de qualquer coisa. A motivação dessa personagem é essa: conseguir provar para si que pode ser poderoso, que pode reconquistar o lugar absoluto que, na verdade, não existe".

Na história, depois de roubar as joias da mãe e dinheiro de uma pensão, o vilão foge para o Rio de Janeiro, onde assume um outro nome e passa a viver como um bem-sucedido. A torcida do intérprete é para que, ao longo dos capítulos, Jerônimo seja consumido pela vontade de poder e isso o levará à queda. "Eu aposto muito. Porque é aí que a gente consegue encontrar estofo. Não dá pra gente se guiar só pela elevação, para ter vida precisa ter queda também. E é aí que me interessa. Um cara que, uma hora, percebe que aquilo desmorona também. Um lugar de poder que ele inventa, que na maioria das vezes é psicológico, é particular. Ele vê que não existe", teoriza.

Questionado sobre as lembranças da década retratada na novela, a qual nasceu, Jesuíta diz recordar muito pouco. Ele conta que em Salgueiro, cidade do interior de Pernambuco, as mídias eletrônicas ainda não eram muito presentes e que isso o ajudou a ter "uma infância muito livre".

"Minhas lembranças são muito remotas dos anos 90. Eu lembro muito da música, que era presente. A cultura baiana aparecendo e a música ainda mais: Gera samba, É o Tchan, tanta coisa", recorda.

"O legal é a gente poder trabalhar em um espaço de tempo que ainda nos é próximo. Acho que é a época mais próxima. Então, tem muitas referências, uma lembrança ainda do que é", aponta o ator e ressalta também o risco dessa proximidade para o enredo. "Há o cuidado para que não se iguale sempre. Que não fique tão parecido com o que é hoje. Os capítulos são banhados por produções como Star Wars, aí cita Cazuza, aí cita a apresentadora de televisão. Esses lugares, autorreferenciados também, por que muitas atrizes trabalham aqui, como Cláudia Raia. A própria novela fala dela. Tá sendo divertido demais fazer". Cláudia vive Lidiane, uma ex-atriz de pornochanchada que busca emplacar a filha Manuzita na televisão.

"Eu fico nervoso quando vejo a Cláudia Raia na minha frente. Hoje fiz uma cena com Cláudia e não conseguia porque a minha memória...Você perguntou da minha memória de infância, eu acho que estou banhado por ela. Por ter assistido essa mulher na televisão durante muito tempo. De repente eu tô na frente dela fazendo cena, e eu não consigo me portar. Realmente tenho que dividir as coisas: 'aqui eu tô numa outra história'. Mas leva um tempo", derrete-se para a experiente atriz.

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Travestidas

A residência fixa no Sudeste para gravar a novela servirá como base para Jesuíta enveredar por outros espaços cênicos. "Tenho pesquisado alguns lugares que me interessam no teatro, que é o que eu quero muito fazer, e no cinema também, ainda esse ano. Acho que vai ser legal trabalhar aqui no Rio de Janeiro, no gueto do Rio, na Lapa. É onde eu quero brincar agora de fazer cinema. Pesquisar a parte marginal do Rio de Janeiro".

A declaração se emenda com um relato-agradecimento ao coletivo As Travestidas, grupo de teatro de que fez parte em Fortaleza. "Eu não deixo de utilizar aqui, nessa novela, o trabalho com as Travestidas. Eu não deixo de utilizar de jeito nenhum. São minhas amigas e pessoas muito fortes que me transformaram. Foi um processo de transformação mesmo, de mudança, que me fez bem".

O ator acrescenta que retratar a parte marginalizada da sociedade "é onde está o ouro que interessa pesquisar". "Essa pesquisa da rua, do gueto, é onde a gente tem que estar. Trabalhando para o outro, para quem não tem voz, para quem precisa. Acho que o papel do artista é esse. Você poder falar do outro, usar de si para falar do outro. Então as Travestidas me impulsionou. E ainda em Fortaleza as meninas têm essa função".

Legenda: As personagens Jerônimo e João vão disputar o amor por Manuzita
Foto: Foto: Globo/João Cotta

Fortaleza encastelada

O Ceará é um lugar de eterno retorno para Jesuíta, mesmo durante as gravações da novela. O galã garante voltar para a Capital todo fim de semana.

Amante confesso de Fortaleza, o ator reflete com pesar sobre o atual retrato da sociedade fortalezense, que se fecha em muros e grades e deixa de viver a cidade. "Fortaleza é um lugar que precisa ser explorado pelas pessoas. Porque cada vez mais as pessoas ficam reclusas. Desde pequeno que eu percebo isso. Eu sempre questionei isso: 'E se a gente saísse de casa e explorasse o lugar? Será que isso não ia mudar a ideia da violência? Não iria começar a ser substituída por uma ideia muito mais interessante de liberdade? Porque você ocupa os espaços'".

Jesuíta reconhece e pondera os índices de violência, mas clama por um levante social em defesa dos lugares pouco povoados da cidade. "Minha mãe fica: 'Você vai sair? Tá tendo atentado'. E eu sei que realmente é um lugar perigoso, mas acho que o Brasil todo está assim. A gente tá passando por um processo de entendimento, só que tem que ocupar os lugares, tem que sair, tem que ir para o Dragão do Mar, tem que visitar o Mucuripe, tem que visitar as praias. O Titanzinho, por exemplo, que é esse paraíso...E marginalizado. E as pessoas dizem: 'Não, não vou lá, porque lá é...'. Que história é essa? Uma praia belíssima, um píer, de pessoas evoluídas, sabe?", brada.

O ator considera que o fortalezense sofre de uma "Síndrome de Iracema, que você nasce ali e já quer ir embora daquele lugar", mas sai em defesa da Capital. "Você precisa primeiro explorar e entender o que acontece. Entender como as pessoas se colocam, como as ideias se colocam, o que foi induzido a você a pensar e aí modificar essas ideias. Fortaleza é uma cidade muito bonita. Muito bonita! Um paraíso tropical que eu amo e quero estar".

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