HQ 'Aquele Verão' aborda as descobertas da pré-adolescência; Veja outros lançamentos
Trabalho de Jillian Tamaki e Mariko Tamaki explora sutilmente os dilemas de uma jovem em crescimento
A inadequação adolescente costuma ser tema fértil a produtos do entretenimento. O cotidiano de quem está abandonando a infância é notoriamente conhecido pela erupção de conflitos pessoais. O corpo deixou de ser o mesmo. A relação com os familiares mudou. Dúvidas, medos, irritabilidade e pequenas descobertas eclodem na mesma intensidade. Qualquer situação mundana pode ganhar ares de drama. Entretanto, investir em personagens imersos nessa fase da vida exige atenção a detalhes. Desconfiar da sagacidade desse público pode ser um tiro no pé.
Da safra oitentista de filmes imaginados por John Hughes (1950-2009) ao mundo melancólico da HQ "Ghost World" (Daniel Clowes), retratar jovens a voltas com o mundo é uma chance de desbravar narrativas sensíveis. Anunciada como "best seller", "Aquele Verão" chega ao Brasil sob os auspícios da editora Mino. Fundada em 2014, a casa dedicada a quadrinhos autorais acerta na qualidade gráfica da publicação e adiciona outra instigante obra ao catálogo.
O romance resulta da parceria entre as primas Jillian Tamaki e Mariko Tamaki, ambas, respectivamente, desenhista e roteirista. A dobradinha em família já havia rendido "Skim", que chegou a ser indicado ao Eisner Award de 2008 nas categorias "Melhor publicação para jovens" e "Melhor álbum gráfico inédito". No lançamento, as canadenses retornam à intimidade de quem enfrenta os dilemas da pré-adolescência.
Conhecemos Rose. Uma pré-adolescente em viagem de férias com os pais. O destino é uma casa situada próximo à praia de Awago. O local é visitado pela família "desde sempre", como revela a protagonista. A tradição de aproveitar o verão é um dos pontos altos daquele trio. Porém, naquele ano em especial as coisas parecem estar mudando rapidamente.
Diferentemente das estadas anteriores, o clima entre os pais de Rose vai de mal a pior. A falta de diálogo entre os adultos torna difícil a permanência. Para aliviar aqueles conflitos caseiros, a menina conta com a companhia de Windy, grande parceira e espécie de irmã que ela nunca teve. As duas procuram distração aproveitando as belezas naturais da região e reparando a vida alheia.
Outro núcleo narrativo desperta no quadrinho quando as amigas topam com um grupo de adolescentes antipáticos. Moradores da praia local, são apenas um par de anos mais velhos que elas e estão envolvidos com algo sério. Aquele lugar que era apenas de diversão passa a ser um território de segredos, dor e crescimento.
Ambientes
Jillian emprega um traço delicado e rico na construção de detalhes. Cada ambiente, seja das casas ou dos espaços cobertos de vegetação permite uma forte proximidade do leitor com aquele contexto. Um possível tédio e monotonia reflete o estado emocional das personagens. O que para Rose era sinônimo de pura diversão tornou-se algo irritadiço e chega a ser, por vezes, enfadonho.
Os conflitos internos de Rose acompanham o humor instável da mãe. Deprimida e cada vez mais silenciosa, a jovem genitora esconde algo doloroso e ainda não superado. Mais expansivo e falastrão, o pai tenta adicionar leveza aos dias de férias e falha pontualmente. Por sua vez, até a Windy já não tem a mesma graça de antes. A praia antes querida e repleta de boas lembranças segue como um fardo.
A sexualidade e os questionamentos sobre o corpo são assuntos que passam a orbitar as mentes da dupla. O roteiro de Mariko monta as motivações de Rose e Windy nos detalhes. As inseparáveis amigas estão num determinado limbo. Deixaram de ser garotinhas ao passo que estão longe da fase adulta. Tal deslocamento e confusão transformam uma banal e costumeira viagem de férias em algo difícil de lidar. Se o dia a dia dos adultos é repleto de rusgas e conflitos incompreensíveis, a vida dos adolescentes que vivem em Awago é marcada pela inconsequência e falta de noção.
Assim, o conflito entre memória afetiva e realidade vivido por Rose determina a condução da trama. As descobertas da personagem são mediadas pela desmistificação do passado. É saudosa de uma época na qual a mãe era mais divertida e nem tão reclusa. A outrora magia daquela viagem ameaça ruir. O apoio de Windy é um suporte valioso. As duas buscam alegria nadando, alugando filmes de terror e soltado conversa fora sobre tamanho de seios e o que a idade adulta pode reservar no futuro.
Mesmo assim, a inseparável amizade enfrenta momentos de vida diferentes. Rose começa a notar os meninos mais velhos e se interessam por suas vidas amorosas, enquanto Windy prefere curtir a liberdade que a idade ainda permite.
Em determinado trecho da obra, um fluxo de pensamento de Rose ilustra o quanto aquele verão anda um pouco "fora da casinha". "Quando cheguei a Awago, fiquei com medo de nadar no lago. Então minha mãe me ensinou a abrir os olhos debaixo d'água. Eu pensei que era algo especial. Como um poder. Até eu contar a Windy e perceber que todo mundo pode fazer isso".
Delicadezas
Jillian e Mariko desenvolvem um universo delicado e até contemplativo. Rose e Windy estão próximas de adentrar num mundo de descobertas irreversível e cada página é desenhada na busca de imprimir os aspectos psicológicos das figuras envolvidas. Outro elemento bacana são as referências de "O Massacre da Serra Elétrica" (1974), "Sexta Feira 13" (1980) e "A Hora do Pesadelo" (1984) entre os filmes vistos pela dupla. A banda Bikini Kills também é citada.
Para quem busca grandes reviravoltas ou dramas pesados, "Aquele Verão" pode não ser a melhor indicação. O interesse das primas canadenses é explorar as minúcias e percepções de meninas e o texto ilumina uma faixa etária por vezes negligenciada no mercado de quadrinhos. Jillian e Mariko Tamaki entregam uma história sutil, envolta nos mistérios que é encarar a realidade.
Aquele Verão
Jillian Tamaki e Mariko Tamaki
Editora Mino
2019, 320 páginas
R$ 56
Estante
Prólogo, ato, epílogo
A jornalista Marta Góes realizou cerca de 18 entrevistas com Fernanda Montenegro. A partir do material recolhido e transcrito por Marta, a atriz escreveu o livro de memórias. Há anos encantando multidões em palcos e telas pelo mundo, a artista se mostra uma sensível contadora de histórias. Aos 90 anos, Fernanda resgata com afeto e detalhes os desafios de criar os filhos sobrevivendo como artista, a busca permanente pela qualidade, a persistência combativa durante os anos de chumbo e a capacidade de constante reinvenção.
Fernanda montenegro
Companhia das Letras
2019, 392 páginas
R$ 49,90/29,90 (e-book)
Nunca Olhe no Espelho
Suspense psicológico narrado em primeira pessoa, o romance apresenta Clara, uma adolescente em seu último ano do Ensino Médio, em uma escola de elite. Inserida em um ambiente escolar extremamente competitivo, onde os alunos eram separados por desempenho, Clara tenta sobreviver de uma crise emocional que teve como gatilho o bullying dos colegas mais ricos e a negligência dos adultos que os cercam. Ao conhecer Caio, a adolescente foi envolvida em seu discurso de vingança e ódio contra aqueles que a fizeram mal.
Aline Moura
Amazon Kindle
2019, 232 páginas
R$ 2,99 (e-book)
Horror Noire: A Representação Negra No Cinema De Terror
Para contribuir com a análise histórica da negritude no cinema de gênero, a Dra. Robin R. Means Coleman analisou imagens, influências e impactos sociais dos negros nos filmes de terror desde 1890 até o presente. Coleman afirma que o gênero oferece um espaço para desafiar representações negativas e racistas nos meios de comunicação. O estudo inclui filmes de Hollywood, blaxploitation e o horrorcore inspirado pela cultura hip-hop.
Robin R. Means coleman
Darkside
2019, 464 páginas
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