Estudantes da rede pública expõem imagens do cotidiano no Museu da Fotografia Fortaleza
Diferentes realidades são captadas por crianças e adolescentes, num misto de criatividade e candura; exposição fica em cartaz no equipamento até janeiro
Caso a conversa seja sobre sonhos, saiba que o de Stéphanie Oliveira dos Santos, 11, é ser veterinária; o de Paulo Henrique Damasceno, 10, doutor; e o de João Guilherme Medeiros, 9, é ser fotógrafo. Apesar das diferenças no modo como enxergam a vida daqui a alguns anos, eles partilham algo em comum: são estudantes de uma escola da rede pública de ensino da Capital que participou do projeto Museu nos Bairros, realizado pelo Museu da Fotografia Fortaleza (MFF).
A ação envolve oficinas que acontecem semanalmente, com crianças e jovens de 8 a 16 anos. Os bairros Messejana, Serviluz, Vicente Pinzón, Passaré e Cidade 2000 são os contemplados pela iniciativa, parte do Programa Museu na Comunidade.
A tônica é ensinar técnicas de fotografia artesanal com a equipe do educativo do MFF e, ao término, expor as criações. Parte dos registros captados durante este ano - aproximadamente 35 - está disponível no espaço do museu até janeiro de 2020, com visitação gratuita, de terça-feira a domingo.
O procedimento com o qual eles têm contato é conhecido como "pinhole", denominação atribuída a uma máquina fotográfica sem lente. O termo, traduzido do inglês como "buraco de alfinete", remete à econômica e simples prática, que utiliza, para a feitura do registro, uma caixa em que a luz não penetre.
"É uma técnica realmente bem artesanal e a ideia do processo é se demorar na produção da imagem. Então, a gente leva o papel fotográfico e coloca-o nas câmeras e na latinha. Durante todo o percurso, vamos incentivando cada um a fotografar o que eles querem na escola. Como você pode perceber, a vastidão de olhares é grande", dimensiona Emanuel Silva, educador do MFF, diretamente em contato com os jovens artistas durante as capacitações do projeto.
De fato, o panorama impressiona não apenas pela fartura de perspectivas sobre o cotidiano, mas, sobretudo, pelo afeto depositado em cada produção. Desde as merendeiras das escolas até os professores, tudo pode render uma foto, conforme o que falar mais alto no coração.
Stéphanie Oliveira, por exemplo, fez uma com as amigas, bem como Paulo Henrique e João Guilherme. Os garotos se uniram a outros e, numa pose descontraída, gravaram o encontro em suporte físico e memorialístico. "Foi tudo muito legal", falaram, quando perguntados sobre o processo de aprendizado da prática. "A primeira vez que eu fiz uma coisa nova e estou sentindo muito orgulho".
Alcance
A proposta de colocar crianças e jovens como protagonistas dos próprios olhares, fomentando neles o gosto pela cultura e a arte, ganha destaque na fala de Silvio Frota, diretor do Museu da Fotografia Fortaleza.
Segundo ele, "o Museu nos Bairros foi o primeiro projeto que a gente iniciou, em 2017. No ano passado, nós trouxemos, para dentro do Museu, em torno de 40 mil crianças e levamos capacitações para cerca de 48 mil estudantes. O retorno é sempre muito positivo", avalia o gestor.
Ele ainda sublinha o fato de a ação contemplar apenas escolas bastante carentes, o que alimenta distintos horizontes de feitura e apreciação da arte.
"Após o ensino da fabricação da câmera artesanal, eles fotografam o dia a dia deles, ganham uma exposição nas comunidades e, depois, vêm aqui para o Museu, um caminho com sempre bastantes aprendizados".
Kassandra Amorim, professora da Escola Municipal Raimundo de Moura Matos, no Passaré, complementa a fala de Silvio ao afirmar que qualquer novidade que chega no colégio é bem-vindo.
"Todos gostaram muito do projeto. Por ser algo novo, se interessaram muito, participaram, se entrosaram com os educadores na sala, e toda semana era uma ansiedade para o dia da formação. Por não apenas ver as fotografias, mas efetivamente fazê-las e vê-las expostas no Museu, junto ao seu nome, para eles não tem preço, é muito gratificante", conta.
De fato, em meio ao ruído intermitente nos corredores do Museu quando da abertura da exposição ontem (10), Gabriela Rodrigues Borges, de 11 anos, sentiu emoção. Apesar de não ter efetivado o registro por conta de um acidente (conversou conosco de muleta), não escondia o orgulho dos colegas.
"Tá tudo muito lindo. Eu gosto muito de desenhar e ainda quero fotografar, porque é a forma como eu quero me conectar com a natureza".
Educadora do MFF há 10 meses, Victoire Adjalla também é toda contentamento pelo resultado, principalmente por recordar quando do próprio contato dela com a fotografia, mais jovem.
"Para mim, foi muito chocante. A primeira vez que eu fui fazer pinhole, eu fiquei achando que não era possível. E ver o brilho do meu olho naquele momento refletido no olhar deles é motivo de muita alegria", dimensiona.
Victoire ainda elucida que foram realizados cinco encontros (quatro nas escolas e o último no Museu, totalizando 10 horas/aula) e, em cada um deles, brotou um novo sinal de esperança para aqueles pequenos cronistas visuais.
Carolina Oliveira, pedagoga integrante da Secretaria Municipal da Educação (SME), costura cada uma dessas percepções ao trazer à superfície um dado importante: "No primeiro ano, algumas escolas não abriram o espaço porque achavam que não ia ser legal, ia tomar o espaço da aula. Hoje, é um sucesso. As fotos provocam encantamento por onde passam porque é tudo sobre a vida".
Serviço
Exposição "Museu nos Bairros"
Em cartaz até janeiro no Museu da Fotografia Fortaleza (Rua Frederico Borges, 545, Varjota). Visitação gratuita, de terça-feira a domingo, de 12h às 17h. Contato: (85) 3017-3661
>> Saiba Mais: o trabalho social do Museu da Fotografia Fortaleza
O Programa Museu na Comunidade é apenas um dos vários projetos sociais que o Museu da Fotografia Fortaleza realiza. No geral, as atividades envolvem bebês, crianças, adolescentes, adultos e idosos em profundos mergulhos na arte de desenhar com a luz. O equipamento tem penetração também no interior do Estado, por meio do Museu no Interior, em que já foram desenvolvidas atividades lúdicas e educativas para os moradores de algumas regiões cearenses. Em breve, o Museu Itinerante fará parte do projeto, percorrendo cidades e levando cultura para as populações com pouco acesso à fotografia