Em artigo, Sânzio de Azevedo dá destaque a dois livros escritos por Horácio Dídimo

Poeta cearense faleceu no dia 3 de setembro deste ano deixando um incontornável legado para a literatura

Escrito por Sânzio de Azevedo , sanziodeazevedo@gmail.Com

Horácio Dídimo, que Deus levou no dia 3 de setembro deste ano de 2018, exalava algo de bondade, simpatia e santidade, com sua sincera e fervorosa devoção.

Como poeta, eu o conheci logo depois de publicar meu primeiro livro de poemas, quando regressei de São Paulo, onde vivi por mais de seis anos, e vim encontrá-lo com seu belo livro "tempo de chuva", de 1967, ao qual se seguiria, em 1968, "tijolo de barro".

Falecendo aos oitenta e três anos de idade, ele nos deixou uma alentada bibliografia composta de poesia, literatura infantil e ensaio.

Mas nesta página de saudade pretendo falar do tempo em que o conheci, e por isso me permito focalizar apenas os dois livros com que o poeta encantou a todos nós e dos quais transcrevi alguns poemas na minha Literatura Cearense, de 1976.

Seus textos eram, sempre, sem maiúsculas, desde o título.

Primeiro, alguns poemas de tempo de chuva, como "a estrada":

vou andando romântico e macambúzio cheio de ideias velhas e sobrenomes antiquíssimos é esta uma das formas de dizer adeus.

Agora, vejamos a originalidade de "a sala de espera":

a sala de espera produz longos silêncios miseráveis talvez lá dentro atrás do tabique nunca tenha havido ninguém

E, para encerrar as transcrições de tempo de chuva, essa obra-prima que é "o banco do jardim". Note-se que a quase extrema economia vocabular não chega, nem de, longe, a prejudicar a onda de lirismo que trans-borda do poema. Trata-se de uma obra-prima de síntese e de sentimento profundo:

ela foi embora mas as palavras que ela disse ficaram e conversaram muito tempo ainda

Em "tijolo de barro", o poeta filosofa com palavras simples mas precisas e nos dá mais um belo texto:

as nossas maquinações não são suficientes para interromper lá fora o voo dos lepidópteros

A mesma leveza vai conjugar-se a um humorismo cruel em "a sobremesa":

quem sabe o que vem depois? jantamos nossos churrascos contra a vontade dos bois

Ainda desse tijolo de barro é a sabedoria algo humorística de "a solução":

daqui a cem anos todos os nossos problemas nos terão resolvido

Temos nesses versos uma dolorosa (e para alguns consoladora) verdade: a transitoriedade dos nosso contratempos, em face do evolver inevitável dos tempos.

Um dos textos menos breves do livro é "o professor", cujo título propositadamente ilude o leitor:

o que mais impressionava era a extrema magreza o olhar profundo a arquitetura bizarra a falta de tato o coração vazio e o riso exagerado do esqueleto suspenso na parede.

A força desse poema reside justamente na surpresa do último verso, revelador do determinado em tantos determinantes nos versos anteriores.

Das lembranças mais recentes do meu amigo, colega na UFC e na Academia Cearense de Letras, ficou-me a imagem alegre de seus oitenta anos na Fundação Demócrito Rocha, ao lado dos filhos, dos netos e da amada Evendina.

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