Muito mais do que um show apoteótico, o Brasil sediou um acontecimento histórico, a maior apresentação da carreira de ninguém menos que Madonna. Em um mundo que condena o envelhecimento, presenciamos quase dois milhões de pessoas espalhadas pelas areias de Copacabana para ovacionar uma mulher de 65 anos.
Assim mesmo, em negrito, destaco mulher porque, como a própria rainha do pop diz, “envelhecer é um pecado”, mas só quando não se tratar de um homem. Homens não passam por isso, homens não envelhecem, “ficam maduros”. Até mesmo o cabelo grisalho se torna “charmoso”, sinal de experiência. Mulher não! Mulher não pode envelhecer.
Se estamos cada vez mais cobrando o uso de cremes, botox e outros protocolos anti-envelhecimento em meninas e jovens, o que mais tem sobrado para mulheres são regras e mais regras sobre como é preciso “disfarçar” os fios brancos, puxar uma ruguinha aqui e outra ali para não ser chamada de desleixada a medida que os anos passam.
Madonna chega, então, sexagenária e mais sexy do que nunca. Dançando, cantando, mostrando seu corpo, seus desejos, seu vigor, naturalizando o corpo da mulher como algo vivo, pulsante e cheio de tesão, levando uma multidão à loucura e as famílias conservadoras também.
Nada de novo pra ela, que até comparada ao diabo já foi. Mas Madonna teima em ir na contramão do que é imposto sempre. E ainda que eu me resumisse a falar somente sobre a força e a revolução que é aplaudir uma mulher de 65 anos fazendo o que ela faz, tudo seria raso demais. Madonna é muito mais, ainda que pague penitência.
No mercado da indústria do pop antes mesmo da chegada da internet, foi ela a mulher que balançou o mundo com sua música, sua dança, seus discursos, suas bandeiras. Defendeu grupos e levantou pautas quando ninguém tinha coragem. Foi estudante de arte, estrela do pop e se reinventou incontáveis vezes em sua carreira.
É absurdo pensar que existe um mundo antes e um mundo depois de Madonna, porque ela revolucionou tudo, tirou tudo do lugar, colocou o dedo em várias feridas da sociedade, disse não ao machismo e a LGBTfobia e muitos “sim” ao seu próprio corpo. É simplesmente a maior artista pop que existe.
Ainda assim, Madonna está proibida de envelhecer, mas também proibida de ser jovem. Precisa ser magra, fazer plásticas, levantar o que estiver caindo, pintar o cabelo e o que mais for preciso para suprimir as marcas do tempo, mas também precisa desacelerar, diminuir o ritmo, usar roupas que estejam de acordo com a sua idade e não ter um comportamento “promíscuo”, afinal, idosa nem faz sexo.
Até eu fiquei cansado dessa ladainha agora.
Mas que bom que existe Madonna pra esfregar na cara das pessoas a sua liberdade e subverter tudo o que dizem que ela deve ser ou fazer. Única do mundo, mas proliferada pela Terra. Amém, Madonna!
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor