Declarações para o ex: términos de relacionamento viram despedidas românticas nas redes sociais

Escritor cearense Italo Castro revisitou relações antigas e compartilha vivências no livro “Os dez caras que eu não amei”

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Existe uma obrigatoriedade para que haja uma extensa e bela justificativa diante de uma situação muitas vezes difícil? Profissionais refletem sobre o tema
Foto: Shutterstock

Como foi sua experiência de terminar um relacionamento amoroso? De forma mais específica, houve uma preocupação com o anúncio da separação? Rompimentos costumam ser dolorosos, principalmente devido ao tempo e ao grau de intensidade do que foi construído.

É natural de que as partes envolvidas estejam frágeis e quebrantadas, sem esboçar rompantes de gratidão e reconhecimento. A forma de expor, entretanto, pode ir na contramão da expressão de dor. 

O sertanejo Luan Santana, por exemplo, anunciou o fim do noivado com a influenciadora digital Jade Magalhães por meio de um longo e apaixonado texto, seguido de uma foto romântica do casal. O mesmo movimento foi observado neste mês no post da atriz Andréia Horta, ao comunicar o fim do casamento com o humorista Marco Gonçalves. “Fomos muito felizes juntos. Tudo o que aprendi com ele seguirá aqui comigo! Hoje muitas vezes olho o mundo como ele me ensinou”, escreveu.

Foto: Reprodução/Instagram

A pergunta é: por que os términos de relacionamento estão povoando as redes sociais de mensagens que mais parecem cartas de amor aos ex-parceiros? Existe uma obrigatoriedade para que haja uma extensa e bela justificativa diante de uma situação muitas vezes difícil? O que essa prática de uma “despedida platônica” revela sobre a forma como as relações estão se dando na contemporaneidade, principalmente devido à exposição na internet?

O psicólogo Francisco Ilo Lima não tem certeza se o término de famosos é parâmetro para pensarmos os nossos próprios términos – levando em conta a vida pública que eles levam. Porém, esse movimento com certeza dita o tônus do que falamos de nossos fins amorosos.

“Quando contamos uma história, conduzimos a narrativa através de pontos-chave, acontecimentos que consideramos importantes. Logo, essa história pode ser contada partindo de diversos pontos e de diversas formas: da briga antes do fim, do dia que se conheceram, da forma como foi tratada(o) no dia X, do amor que sentiam, das conquistas que tiveram ou não juntos… Obviamente, se queremos homenagear ou falar bem de alguém, omitimos os dias de desacordo e de brigas ou, se falamos deles, fazemos graça com o assunto”, explica.

Legenda: Psicólogo não tem certeza se o término de famosos é parâmetro para pensar os nossos términos, mas esse movimento dita o tônus do que falamos de nossos fins amorosos
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Ele destaca que talvez a ideia possa parecer estranha e extremamente contra intuitiva, mas vivemos em uma época que dá poderes absolutos  – e valoriza muito – ao que chamamos de sentimentos. Por isso, entre outras coisas, não aceitamos muito bem aqueles considerados negativos. Sentir-se triste hoje em dia confere à pessoa que se percebe assim uma nova categoria de existência: ela é triste, ansiosa ou algo nesses termos.

“Mesmo que as pessoas estejam se interessando cada vez mais por perfis de Instagram ‘humanizados’ – esses que compartilham o dia a dia, as dificuldades e as alegrias (o marketing digital já percebeu isso) – essa rede ainda é o lugar onde comemoramos nossas vitórias e falamos de nossas vidas. Na nossa existência, nos sentimos tristes e terminamos relacionamentos de formas difíceis, mas no instagram escolhemos como falamos disso”.
Francisco Ilo Lima
Psicólogo

Estratégias ou expressões

Segundo o psicólogo, as cartas de amor e despedida dos famosos podem ser estratégias de marketing ou a expressão de um amor genuíno que não teve como continuar. Também podem ser a simulação de uma suposta felicidade – “terminou mal, mas estou bem” – ou tudo o que foi mencionado antes. Essa é uma capacidade humana curiosa e injustificável: o paradoxo. 

“Quanto ao nosso amor e ao nosso término, eles podem ser difíceis ou mais fáceis. Um livramento ou a perda de algo realmente especial. Se não houver comprometimento de ambas as partes com a continuação, seguimos em frente, mas nunca devemos tentar apagar essa história, boa ou ruim. Além de ser nossa história, aprendemos na pele nossos limites, nossas qualidades e defeitos, o que queremos e o que definitivamente não queremos”, situa Ilo Lima.

O escritor e publicitário Italo Castro trabalha esse assunto no livro “Os dez caras que eu não amei”, publicado pela Chiado Books. Na obra, primeira empreitada literária do cearense, o autor se vale da pergunta “O que é o amor para você?” a fim de descortinar vários detalhes. São crônicas e poemas frutos de uma verdadeira viagem no tempo, cuja intenção foi revisitar os relacionamentos amorosos desenvolvidos por ele nos últimos dez anos.

Legenda: Por meio de crônicas e poemas, Italo Castro revisita, em livro, os relacionamentos amorosos desenvolvidos por ele nos últimos dez anos
Foto: Arquivo pessoal

“Estaria mentindo se dissesse que convivo bem com isso, o término de um relacionamento. Mas, com o tempo, a gente aprende a lidar melhor, entende que não é o fim do mundo, que aquela dor tem data de validade, que novas pessoas vão aparecer, que uma nova rotina vai surgir e que o mundo vai ser bom de novo”, pontua.

Ele diz não tentar julgar a prática observada atualmente, de uma grande explicação nas redes sociais sobre o fim de uma relação. Mas acredita que, nos dias de hoje, existe uma exposição muito grande sobre tudo, inclusive a respeito de coisas que deveriam caber apenas às duas pessoas diretamente envolvidas. 

“Quando se trata de figuras públicas, porém, vejo que é também uma forma de se antecipar às fofocas e burburinhos que eventualmente vão surgir. Então os famosos preferem terminar publicamente e dar logo a sua versão dos fatos. No meu caso, não acho que o livro teve essa finalidade, até porque o último relacionamento da obra terminou um ano antes da publicação. Acredito que o trabalho foi muito mais uma experiência de mim comigo mesmo, do que de mim com os outros”, considera.

Legenda: Obra, primeira empreitada literária de Italo Castro, se vale da pergunta “O que é o amor para você?” a fim de descortinar vários detalhes
Foto: Divulgação

A importância do autoconhecimento

Questionado sobre como foi expor não apenas a si como também os relacionamentos anteriores no livro, o autor é bastante claro: o processo aconteceu de modo mais fácil do que ele pensava, uma vez terem se passado anos até “finalizar” o ciclo de aceitação. “Quando a obra surgiu na minha vida já não existia mais tanto o medo de expor não apenas meus sentimentos, mas também quem eu era”.

Por outro lado, Italo teve muito receio de expor outras pessoas. O exemplar é dividido em 10 capítulos, e cada um deles tem o nome de um cara – por isso o título, “Os dez caras que eu não amei”. Os nomes são fictícios exatamente porque o escritor tentou preservar ao máximo a privacidade dos envolvidos. “Antes de publicar, falei com aqueles com quem tive uma relação mais séria, de mais tempo, pra saber a opinião deles sobre o assunto. Foi todo um processo antes de tudo vir à tona”, dimensiona.

Encontrando na literatura uma forma de encarar a despedida dos amores, Castro enxerga os términos amorosos como uma mola propulsora para o processo de autoconhecimento. Não à toa, enquadra o livro sob sua autoria mais como uma obra sobre aspectos de si do que propriamente a respeito de relacionamentos no geral.

“A cada rompimento, você aprende algo sobre você e sobre o outro, e isso vai te moldando, te mostrando quem você é e o que tem que mudar. Ou te ensinando que esse é você e quem tiver contigo tem que te aceitar assim, porque você se aceita e se ama assim”, percebe. Ao mesmo tempo, observando a dinâmica das redes sociais, faz um alerta: “Minha sugestão é sempre de que a pessoa aceite o fim, o luto, sofra o que tiver de sofrer. Quanto mais ela mascarar esse sentimento, mais demorado vai ser o processo de superação”.
Italo Castro
Escritor e publicitário

O psicólogo Francisco Ilo Lima corrobora a visão ao sublinhar a importância do pensamento de que nem todo relacionamento termina “por falta de amor”. Às vezes, a vida acontece. “As pessoas têm metas de vida inconciliáveis, planos em direções opostas, possuem visões de mundo incompatíveis. O término é difícil, mesmo se o relacionamento é ruim. Eu considero, no entanto, que alguns sentimentos como raiva, desprezo e mágoa nos ajudam a nos afastarmos daquilo que já decidimos nos afastar”, considera.

Não significa que devemos cultivar isso mesmo sem motivos. Não há cabimento. Mas términos não precisam ser bonitinhos e com homenagens; podem ser com raiva e outros sentimentos do tipo, sim – ainda mais se existem motivos para isso. No outro caso, em rompimentos ocasionados em consequência da própria vida, pode ser difícil se afastar e escolher continuamente estar assim, uma vez que prosseguimos amando a pessoa. 

“Nessas situações, o que nos ajuda a nos afastarmos é mais abstrato para a nossa época, que totaliza sentimentos: são nossas convicções, valores, planos e decisões. A partir desse autoconhecimento, é preciso que reconheçamos que, em um relacionamento, fazemos coisas, sentimos coisas, mas também somos alvo da ação de outra pessoa. Geralmente não somos vítimas nem culpados, exceto quando somos. Sem essas perguntas e reflexões, corremos o risco de nos relacionarmos sempre com a mesma pessoa. Terminamos e voltamos para a mesma situação insustentável ou nos envolvemos com pessoas que, no fim, são praticamente a cópia uma da outra”, conclui.

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