Deborah Colker traz para Fortaleza espetáculo "Cura": 'Público reconhece a sua dor, ausência, isolamentos'

Aclamada, coreógrafa carioca aborda o tema por meio de cinco personagens, de Jesus a Stephen Hawking, passando por Leonard Cohen

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: O espetáculo incorpora características das três religiões monoteístas e elementos de culturas africanas, indígenas e orientais, numa pulsante ponte entre a fé e a ciência
Foto: Léo Aversa

Substantivo feminino, ação ou efeito de curar. Restabelecimento da saúde ou método especial de tratamento. Sarar, zelar. Dos muitos significados da palavra “cura”, há vários ainda indizíveis, encobertos pelos processos da alma. Trazê-los à tona como método de análise de si e do outro, além de ato destemido, parece ser um dos únicos modos de salvação no cruel panorama da contemporaneidade.

“O mundo está doente. O ser humano cada vez mais pensa nesta frase: volta que deu errado. Isto é, a evolução humana tem uma tensão e um conflito entre desenvolver e respeitar. O maior trabalho que temos na vida é com nós mesmos”.
Deborah Colker
Bailarina e coreógrafa

A reflexão é alimentada por Deborah Colker, em constante fluxo de aprofundamento das questões que cercam a temática. Muito desse analisar ininterrupto cresceu devido a uma angústia pessoal vivenciada pela bailarina e coreógrafa carioca, na busca de solução para a doença genética enfrentada pelo neto, Theo: a epidermólise bolhosa.

Eminentemente íntimo, o caso logo tornou-se base para o espetáculo “Cura”, cuja premissa é partir dessa situação para enveredar por questões outras, incorporando elementos religiosos, científicos e, sobretudo, paisagens emocionais.

Legenda: Montagem parte da doença do neto de Deborah para enveredar por questões outras, incorporando elementos religiosos, científicos e, sobretudo, geografias emocionais
Foto: Léo Aversa

A montagem será apresentada em Fortaleza a partir desta quinta-feira (2), prosseguindo até domingo (5), no Theatro José de Alencar. Com música original de Carlinhos Brown, dramaturgia do rabino e escritor Nilton Bonder e criação, coreografia e direção da própria Colker, o trabalho vem sendo elaborado há anos e, no núcleo, apresenta cinco personagens fundamentais, responsáveis por costurar a narrativa do espetáculo. 

Theo é um deles, narrando a história de Obaluaê, orixá da cura e da doença. “Obaluaê experimenta nele essas feridas, e a partir delas tem poderes para curar. É uma história de adoção, de cura”, explica Deborah, referenciando o neto. Há também o personagem Stephen Hawking (1942-2018). Foi ele, inclusive, quem deu nome à encenação, uma vez ter encontrado a cura do que não tem cura. 

Após o diagnóstico da doença ELA (sigla para Esclerose Lateral Amiotrófica), foi sentenciado que o físico britânico viveria somente mais três anos a partir da data, mas acabou permanecendo entre nós durante mais meio século. “Ele teve o corpo preso, mas a mente seguiu vibrante”, sublinha Colker, mencionando ainda os outros personagens da montagem.

A morte como a grande cura

Jesus Cristo também integra esse time. Andando sobre as águas, cura por meio do amor. E há Leonard Cohen (1934-2016), poeta canadense que compreende a cura nos planos físico, emocional, intelectual e espiritual. Intensas e diversas conexões.

“No espetáculo, eu o trago revelando a grande cura, que é a morte. A morte faz parte da vida. Quando ela se apresenta para você, você está pronto para ela. E ter a gratidão de entender que a vida é uma grande festa. A vida é alegria e vai ser celebrada sempre, com as dores, com as doenças e com a própria morte, que é a grande cura dentro dela”.
Deborah Colker
Bailarina e coreógrafa

“Cura” põe uma lente de aumento sobre esses pontos e personalidades desde quando foi criado, entre 2018 e 2019. No ano seguinte, seria a pré-estreia do espetáculo, para ganhar os palcos em 2021, na cidade de Londres. Mediante os entraves da pandemia de Covid-19, nada disso foi feito, o que deu a Colker mais um ano para se aprofundar nele.

Com esse tempo, a coreógrafa foi tendo mais convicção do que é buscar a cura para o que não tem cura, aprimorando e precisando mais os gestos e movimentos. “Eu pude ser mais rigorosa por ter mais tempo, mas é exatamente o mesmo espetáculo que estrearia antes. Por estarem vivendo essa coincidência da necessidade de cura, o público reconhece a sua dor, ausência, isolamentos, tudo nesse lugar em que o mundo está sendo colocado a viver”.

Legenda: "Por estarem vivendo essa coincidência da necessidade de cura, o público reconhece a sua dor, ausência e isolamentos", observa Deborah Colker
Foto: Léo Aversa

Fé, ciência, emoção

Nesse caminhar, o espetáculo ainda incorpora características das três religiões monoteístas e elementos de culturas africanas, indígenas e orientais, numa pulsante ponte entre a fé e a ciência. Deborah foi buscar em culturas, credos, canções e textos o que esses povos buscam pela cura. O resultado foi uma interessante percepção: todas – a religião, a ciência e a mitologia – buscam esse elemento vital.

“A Arte é capaz de expressar dores, indignação, luta, amor. Também sentimentos e emoções profundas que, costurando com ideias e concepções, sempre são capazes de provocar”, enumera. Por sua vez, ao situar o que representa para ela hoje a doença enfrentada pelo neto, mediante as vivências com ele e por meio das ponderações tecidas no espetáculo, a carioca afirma sempre buscar se voltar para dentro.

“Isto é, o caminho de dentro para fora, e de fora para dentro. Busco fortalecer minhas fragilidades, minhas dúvidas e ter uma indiferença praquilo que me atrapalha. A ignorância me atrapalha muito”.
Deborah Colker
Bailarina e coreógrafa

Alicerçado em atmosfera dolorosa, mas cravejado de motivos para exaltar a vida, “Cura” portanto é testemunho de esperança, sopro de renovação. Deborah Colker, não sem motivo, promete no palco uma imensidão de troca de experiências, conhecimentos e um desenvolvimento evolutivo.

Já quanto a estar em um dos palcos mais especiais de nossa terra, as palavras da coreógrafa não negam: “Adoro o Nordeste, adoro o Ceará, adoro Fortaleza! E o José de Alencar está no meu imaginário de teatros deslumbrantes”. Ele mesmo um território possível, nos próximos dias, de alento, pensamento e vigor. Cura.


Serviço
Espetáculo “Cura”, da Cia. de Dança Deborah Colker
De 2 a 5 de dezembro, no Theatro José de Alencar (Praça José de Alencar s/n - Centro). Ingressos: de R$25 (meia) a R$80 (inteira), em diferentes setores. Vendas na bilheteria do Theatro José de Alencar, de 14 às 18h (de terças a sextas) e sábados, de 14h às 17h; no site da Bilheteria Virtual ou por pix; e na loja na Barraca Santa Praia, de 9h às 16h (de segunda a segunda). Contato: (85) 3101-2583 e (85) 3101-2586. Obrigatório uso de máscara, apresentar comprovante de vacinação e manter distanciamento na fila

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