Conhece o "passinho"? Duelos e campeonatos movimentam juventude da periferia de Fortaleza

No requebrado do funk ou no gingado do reggae, bailes fazem sucesso entre jovens

Escrito por Lívia Carvalho , livia.carvalho@svm.com.br
Legenda: Bailes de reggae acontecem mensalmente no Cuca Jangurussu
Foto: Divulgação

Um amontoado de jovens se reúne e, aos gritos, montam suas torcidas. No meio deles, duas ou mais pessoas estão duelando com a dança. Vence aquele com mais gingado, mais criatividade nas coreografias e quem mais se diverte. A regra é clara: só não pode ficar parado. Campeonatos como esse estão invadindo a periferia de Fortaleza e Região Metropolitana, movimentando a juventude.  

Também chamados de campeonato de passinhos, diversos vídeos dos duelos têm viralizado nas redes sociais e chamam atenção pela dedicação com a que os jovens se entregam ao momento. “O passinho é um entretenimento, a gente se diverte muito. É uma dança que deriva muito do funk, mas o brega funk aderiu bastante”, explica Clewton Rocha, que participa das competições.  

O estudante de 21 anos conta sempre ter gostado de dançar, mas preferia o ballet, K-pop a qualquer outra modalidade. Porém, há mais de cinco anos conheceu amigos que dançavam funk e brega funk e se tornou uma paixão. No início, os movimentos ainda eram difíceis, mas Clewton aprendeu passos como o quadradinho, tremidinha descendo no YouTube, foi então que vieram os campeonatos.  

“Toda disputa que tinha meus amigos me chamavam pra competir. Já ganhei vários campeonatos, passo a manhã toda treinando quando vou pra dançar. Aqui em casa enche de gente porque eu fico criando minha coreografia. Quando eu não vou pra dançar, vou pra ser jurado. Eu me divirto muito”, afirma. 

Mas não é só com as competições que o passinho tem ganhado força. Os bailes e festas com MCs também são atrações para os jovens. B do Passinho, por exemplo, é um menino de 8 anos que tem feito participações especiais nesses eventos por causa do sucesso com os vídeos de dancinha no Instagram.  

Dinâmica das competições  

A maioria dos campeonatos que Clewton participa acontece nas praças públicas e outros locais próximos a onde mora, em Caucaia, especialmente no Campo do Urubu. As premiações são simbólicas e, geralmente, em dinheiro, variando entre R$ 50 e R$ 100.  

Cada participante do duelo escolhe sua música para apresentar. Ao final de cada duelo, os jurados escolhem o vencedor até chegar na etapa final, conforme explica o jovem sobre a dinâmica. Para ele, os campeonatos foram estímulo para continuar dançando.  

Legenda: Clewton tem a dança como paixão e ferramenta para mudar de vida
Foto: Arquivo pessoal

“Comecei a participar dos campeonatos em 2018. No meu primeiro duelo, eu fiquei muito nervoso, mas ali foi um começo pra eu querer continuar dançando, dou mortal, abro espacate. A dança, pra mim, é o meu combustível”.  
Clewton Rocha
estudante

Na onda do reggae 

E não é só o passinho do funk que tem bombado. Coletivos de reggae da periferia apostam nos bailes como forma de expressão cultural. Formado por moradores do bairro Jangurussu, o Janguroots atua na região promovendo eventos e oficinas de dança em equipamentos públicos, como o Cuca.  

O coletivo tem como vertente o reggae roots que tem um ritmo mais melódico e lento para dançar o passinho a dois. Com edições a cada mês, os bailes promovem cultura para a juventude e ainda ações informativas sobre saúde mental, redução de danos, educação sexual, entre outros temas.

  

“A gente vem pautando a sobrevivência de uma cultura, de uma matriz, queremos que a juventude tenha acesso a editais, a incentivos. Com a gente engajando, expandindo e acumulando jornada política, é possível pautar essa nossa demanda”, destaca Cristiano Rodrigues, membro do coletivo.  

Todas as ações são realizadas pelo coletivo, desde o contato com DJs à montagem da ficha técnica do evento. “A gente entende que o reggae não é só botar o pessoal pra dançar, é uma forma de a juventude ocupar seu espaço, de a juventude pegar sua gata ou gato, é um espaço de diversidade, entrar na roda e ocupar aquilo dançando passinhos livres, com coreografias”. 

Promovendo cultura local 

Neste ano, alguns coletivos da cidade se juntaram para promover o campeonato de passinho a dois e a final deve acontecer no dia 1º de novembro, no Cuca José Walter. Nas edições do baile do Janguroots, também acontecem as competições.  

Com isso, os jovens apontam que o objetivo dos bailes é também dar espaço para músicos e DJs da cena local que não são tão conhecidos, além de movimentar a economia do bairro com a possibilidade de venda de alimentos e bebidas nos eventos.  

“Hoje, a gente tem uma nova roupagem de um reggae periférico, DJs que botam suas personalidades na música. E é isso que queremos mostrar, passar mensagens de respeito, de união e tirar o estigma de que, quem ouve reggae, é maconheiro ou não tem o que fazer”.  
Cristiano Rodrigues
integrante do Janguroots

Esse preconceito, revestido por esse estigma, que Cristiano relata é um problema que o coletivo enfrenta. “Por vezes, a polícia chega e violenta a juventude, não permite que a juventude realize seus eventos, ocupe os espaços”.  

Nos planos, estão ainda a aposta no empreendedorismo para fazer o movimento crescer. "A gente quer fazer movimentar a economia, a cultura, a roupagem, o queé o reggae, o passinho. A gente quer começar a vender blusa, por exemplo, pra ter caixa e fazer investimento de estrutura". 

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