Companhia de Dança Deborah Colker traz espetáculo 'Cão Sem Plumas' para Fortaleza
Apresentação da montagem adaptada do poema de João Cabral de Melo Neto acontece neste fim de semana, no palco do Cineteatro São Luiz
No âmago de quem vive a dança, a poesia ecoa nas entranhas. E foi assim que o poema de João Cabral de Melo Neto (1920-1999), ‘Cão Sem Plumas’, virou espetáculo idealizado por Deborah Colker. Unindo dança, cinema e música, a montagem da Companhia de Dança chega a Fortaleza com apresentações nesta sexta-feira (29) e sábado (30), no Cineteatro São Luiz.
O espetáculo, primeiro de temática explicitamente brasileira, estreou em 3 de junho de 2017, no Teatro Guararapes, em Recife. Por meio do rio Capibaribe, que corta boa parte do estado de Pernambuco, João Cabral escancara, no poema, a história da população ribeirinha, dos caçadores de caranguejo, dos plantadores de cana, da vida no mangue e do descaso das elites.
“Mostra que essas pessoas, ao mesmo tempo que vivem a tragédia desse lugar, vivem a riqueza desse lugar, a imensidão, a potência. É a dor e a alegria, é a tragédia e a riqueza, o grito e o silêncio juntos. Esses ribeirinhos são roubados, mastigados, mas são teimosos, resistentes, e a gente dança toda essa dualidade”, destaca Deborah.
Embora tenha sido publicado em 1950, a temática que envolve ‘Cão Sem Plumas’ é contemporânea, o que permitiu essa adaptação à dança, porque fala dos descasos com os rios, com os ribeirinhos, com as pessoas, as crianças, com as culturas. “É um tema de uma universalidade grande”, pontua a bailarina e coreógrafa.
Em ‘Cão Sem Plumas’, a construção do bicho-homem evoca em cena que os bailarinos se cubram de lama, em alusão às paisagens que o poema descreve, e seus passos evocam os caranguejos. Com referências nas obras do geógrafo Josué de Castro (1908-1973) e do cantor e compositor Chico Science (1966-1997), principal nome do mangue beat.
Vivências no rio
Para se aprofundar na história e transmiti-la da forma mais real possível, Deborah e a equipe realizaram uma residência de três semanas em Pernambuco, descendo o rio e visitando as regiões por quais ele passa. Esta foi a primeira vez que fizeram uma imersão presencial para a montagem de um espetáculo.
“Fomos trocando experiências com as pessoas que moram nessa região e também filmando”, conta Deborah. Acompanhada do diretor pernambucano Cláudio Assis – diretor de longas-metragens como Amarelo Manga, Febre do Rato –, eles gravaram cenas das vivências dos limites entre sertão e agreste até Recife.
O filme, inclusive, compõe o espetáculo, com cenas sendo projetadas no fundo do palco que dialogam com os corpos dos 14 bailarinos.
Após a estreia, a Companhia de Dança fez turnê por cada uma das locações, dentre canaviais, cidades ribeirinhas, pois, segundo Deborah, o espetáculo é vivenciado dentro e fora dos palcos.
Potência nordestina
Além de abordar o Nordeste, o espetáculo envolve Pernambuco com a jornada da equipe documentada pelo fotógrafo Cafi (1950 - 2019), também pernambucano. Na trilha sonora original estão mais dois pernambucanos: Jorge Dü Peixe, da banda Nação Zumbi, e Lirinha (cantor do Cordel do Fogo Encantado, poeta e ator), além do carioca Berna Ceppas.
Cafi, inclusive, foi casado por dez anos com Deborah e quem a fez se apaixonar pelo estado. “Eu tenho uma afinidade, uma identidade muito grande com Pernambuco. Já fui várias vezes, tenho muitos amigos lá”.
“Na verdade, gosto muito do Nordeste todo. Não só a cultura, não só tudo o que se faz, tudo o que se sente, mas o lugar. Quando o mar encontra o rio, as praias, a terra. Eu tenho uma paixão muito grande, um respeito muito grande”.
Dessa forma, ritmos típicos como o coco, o maracatu, bem como samba, jongo, kuduro e outras danças populares compõem o repertório do espetáculo, já apresentado em mais de 30 cidades brasileiras, tendo um público de mais de 150 mil pessoas, e, internacionalmente, nos Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha e Uruguai.