Com nome inspirado em canção de Belchior, nova livraria de rua promove encontros na Praia de Iracema

“Coração Selvagem” inicia atividades nesta quarta-feira (9), apostando na valorização da cultura local e no estímulo a novas histórias e conexões

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Localizada na Rua dos Tabajaras, esquina com a Rua dos Tremembés, a “Coração Selvagem” é livraria, café e museu de narrativas
Foto: Divulgação

A partir desta quarta-feira (9), você pode entrar. A casa é sua. Mas entre com pressa de viver, querendo o que a alma deseja. Nova livraria de rua de Fortaleza, a “Coração Selvagem” traduz o espírito da canção de Belchior (1946-2017) por meio de uma experiência multissensorial, conectando pessoas, olhares, paladares, tempos e histórias. 

A própria fundação do estabelecimento surge de uma narrativa específica, a trajetória de Beatriz. Na década de 1990, à época com 40 anos de idade, ela viveu na Praia de Iracema portando traços de uma existência revolucionária. À frente do tempo, preconizou ideias e comportamentos que hoje fazem parte da vida de várias mulheres. 

O fascínio por essa personagem, de nome fictício, conduziu a empresária e jornalista cearense Leane Landim por diversos outros relatos durante a pandemia de Covid-19, tendo Beatriz sempre como norte. Segundo ela, a história dessa figura visionária está intimamente ligada à PI e aos caminhos de todos nós, atravessando momentos de glória, declínio e reestruturação.

Reunir todos esses elementos em um só ambiente pareceu a oportunidade perfeita de realizar um sonho antigo: abrir uma livraria e disseminar a arte para mais pessoas. “O conceito principal da casa é trazer a literatura para a rua e a praia, unindo o que a gente tem de melhor: o mar, o andar na rua, o costume de botar a cadeira na calçada, esperar os amigos, tomar um café e ver o tempo e as pessoas passarem”, detalha a também livreira.

A relação com o eterno rapaz latino-americano, por sua vez, vem de longe, tendo se intensificado durante o período de isolamento mais rígido. Landim passou a escutar com maior frequência as canções de Belchior, enxergando em “Coração Selvagem” a síntese perfeita de emoções – sobretudo a já comentada “pressa de viver”. Além disso, a letra tinha tudo a ver com Beatriz, evocando a liberdade que nos alimenta e estimula.

“Quando escuto essa música, lembro de uma época e de toda uma geração que viveu a Praia de Iracema, cujo auge foi na década de 1990. Há muitas boas recordações desse momento em que a gente se apaixonava pela vida, pela praia e por esse lugar”, rememora Leane.

Mundo inteiro na estrada em frente

Localizada na Rua dos Tabajaras, esquina com a Rua dos Tremembés, a “Coração Selvagem” é livraria, café e museu de narrativas com o desejo de recuperar tudo isso, instaurando algo novo. Um lar tão aconchegante quanto repleto de camadas. 

Atravessando o portão de entrada, em constante namoro com o mar, nos dirigimos à sala de Beatriz. Nela, cadeiras, quadros e luminárias – todas as peças adquiridas em antiquários – dizem que estamos em outro tempo. Há também mesinhas, destinadas à apreciação de café, respeitando distanciamento e comportando até 50 pessoas sentadas. A vibração de cores como o vermelho e o verde nos envolvem ainda mais nessa atmosfera de encanto, paixão e alegria de viver.

Legenda: Seleta, a escolha de livros novos para compor a casa teve curadoria de Socorro Acioli, priorizando obras escritas por mulheres
Foto: Divulgação

Adentrando ainda mais o espaço, nos deparamos com a sala de jantar e a varanda. A primeira é decorada com cristaleira, louças antigas e luminárias também de outras épocas. Uma vez Beatriz ter sido uma mulher culturalmente avançada, no local também podem ser encontradas peças de design específicas dos anos 1990.

Já a varanda reconstitui o acolhimento de casa de vó, com piso reaproveitado de demolição. Leve e confortável, o ambiente dá para um jardim, este portando um átrio no centro. A ideia é que o recinto – ainda em fase de finalização – comporte cadeiras e mesas, proporcionando agradáveis momentos de leitura e convivência.

Na sequência, encontramos a cafeteria, a cozinha – tocada pela chef Louise Benevides, que traz no cardápio, entre outras delícias, uma releitura do prato “Pedacinho do céu”, outrora bastante consumido em um famoso estabelecimento da PI – e a livraria. Esta, conforme Leane Landim, é o coração do lugar.

“Os livros são poucos, mas muito bem escolhidos. A primeira curadoria das obras novas é da Socorro Acioli”, diz, referenciando a escritora cearense, colunista do Diário do Nordeste. Inclusive, foi por meio da Especialização em Escrita e Criação, coordenada por Socorro, que Leane desenvolveu a história de Beatriz. O texto, desenvolvido sob o gênero novela, deve ser publicado no primeiro aniversário de funcionamento da “Coração Selvagem”.

Legenda: A livraria reconstitui a casa de Beatriz, atentando para os detalhes do ambiente
Foto: Divulgação

Ultrapassando o componente da novidade, igualmente será ofertado ao público o contato com livros usados. Um armário antigo funcionará como sebo, vendendo e recebendo obras de segunda mão a partir de uma curadoria da livraria. “Como o espaço é pequenininho, temos um recorte na literatura, nos livros de fotografia (com curadoria da fotógrafa e jornalista Iana Soares) e na seção infantil, fazendo com que nossas crianças também embarquem nesse mundo dos livros, sentindo a natureza por meio do mar”, situa a proprietária.

Detalhe importante: há uma rede armada no espaço da livraria, ao lado de uma cadeira de balanço. Para Leane, traduzir a essência da cultura cearense em cada canto foi imperativo. Os visitantes mais atentos também notarão que trechos da letra de “Coração Selvagem” estão inscritos nas paredes das salas de visita e de jantar. Vinis completam o panorama de itens charmosos e repletos de magia, em consonância com o apuro de Beatriz.

Uma frase dentro da sua canção

Daqui a dois meses, será possível conhecer o museu de narrativas da casa. Localizado no primeiro andar, ele reconstituirá o ateliê e o quarto de Beatriz, com objetos dela – roupas, sapatos e bijuterias, por exemplo. A ideia é que o ambiente seja voltado para a recolha de histórias de quem viveu na Praia de Iracema, sobretudo na mesma época da mulher.

“Será um cantinho onde as pessoas podem se sentar e, quem quiser, contar a própria história aqui na praia. As narrativas serão hospedadas no nosso site”, pontua Landim. De acordo com ela, a ocasião é oportuna para retomar o contato com a PI, fazendo com que a praia volte a ser prioridade nas nossas escolhas de passeio. “Quando pensei na história de Beatriz e na ideia da livraria, não podia ser em outro lugar: tinha que ser aqui, nesse local de encontros”.

Ao somar no contexto das livrarias de rua de Fortaleza – o time é composto por, entre outras casas, a Lamarca, Arte & Ciência, Ernesto & Rosa e Acadêmica – a “Coração Selvagem” igualmente parte do princípio de que é preciso proporcionar uma experiência ao público. Para isso, investirá em futuros eventos de lançamentos de livros, encontros de clubes de leitura e tudo o mais que a imaginação e a vontade permitir, incluindo flerte com o cinema e com as artes visuais, a partir de painéis como o da artista plástica Azuhli, já presente no local.

“Esse é um lugar de esperança também. Acreditamos na cultura cearense e na cultura brasileira, então é realmente uma aposta de ir na contramão de um país que tem feito tudo contra isso. Com pequenos movimentos, podemos fazer esse resgate, mostrando para os nossos filhos e para as outras gerações que a cultura tem uma importância primordial na nossa vida. Nossas portas, portanto, estarão abertas para que possamos ter esse momento de encontro de forma integrada”.
Leane Landim
Empresária, jornalista e livreira

Um sonho tão bonito quanto necessário, otimizando, no caminho, a verdadeira troca de olhares e a felicidade de estar onde se alimenta o bem. “A ideia  da fundação da casa é minha, mas eu não estou só. Tem muita gente sonhando comigo. E o compartilhar dessa alegria, desse sonho, enche meu coração de felicidade”. 


Serviço
“Coração Selvagem” - Livraria, café e museu de narrativas
Rua dos Tabajaras, 450, Praia de Iracema. Abertura nesta quarta-feira (9), sem evento específico devido às limitações da pandemia de Covid-19. Funcionamento: de quarta à sexta-feira, das 9h às 19h; aos sábados, das 8h às 19h; aos domingos, das 8h ao meio dia. Mais informações, pelas redes sociais da casa (@coracao_selvagem)

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