Chimamanda Ngozi Adichie lança livro sobre luto; veja outros temas abordados pela autora

Transitando entre a ficção e o relato documental em favor da igualdade de gênero e de raça, obra da escritora nigeriana volta a ganhar destaque no Brasil

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Na mais recente obra, Chimamanda Ngozi Adichie desenvolve o modo como enxerga as dimensões familiares e culturais do luto
Foto: Divulgação

É possível nomear a dor do luto? Lidar com a partida de alguém tão central em nossa história e na de outras pessoas? Consciente de ser uma entre milhões de indivíduos sofrendo pela mesma condição neste nebuloso momento, Chimamanda Ngozi Adichie tece uma narrativa múltipla em significados. Nela, raiva, desespero, solidão e sensibilidade se entrecruzam de modo a prover um aprofundado olhar sobre nós mesmos.

É como se desenvolve "Notas sobre o luto", mais recente livro da escritora nigeriana, publicado no Brasil pela Companhia das Letras. No volume, a autora se debruça sobre um doloroso acontecimento que marcou sua família no ano passado, na esteira dos fatos concernentes a tantos outros agrupamentos.

No mês de junho, em plena pandemia de Covid-19, James, o pai de Chimamanda, faleceu. Fisicamente distante dele devido ao amargo panorama, ela, então, volta-se para os tantos sentimentos que lhe assaltaram a fim de registrá-los em palavras e multiplicar reflexões acerca da complexidade do ato de despedida.

Legenda: A escritora nigeriana será a próxima convidada do programa Roda Viva, da TV Cultura
Foto: Divulgação

A brevidade da obra, detendo 144 páginas, potencializa a força do relato a partir de uma linguagem precisa e afeita a detalhes. É possível conhecer, por exemplo, de que modo a autora enxerga as dimensões familiares e culturais do luto, bem como os passos daquele que motivou a escrita do trabalho. 

Sobrevivente da Guerra de Biafra – conflito político ocorrido na Nigéria de 1967 a 1970 – o pai de Chimamanda é referenciado como um marido leal e um pai singular, além de um dedicado professor, atividade que exerceu durante décadas. Não poderia ser também o meu ou o seu pai? O quão única e universal pode ser uma trajetória?

“Uma coisa dessas, temida durante tanto tempo, finalmente chega, e na avalanche de emoções, vem também um alívio amargo e insuportável”, escreve a autora a certa altura, fazendo da sua voz mais voz e, da nossa, uma voz com ela.

Amplitudes

Esse e os outros diversos temas desenvolvidos pela nigeriana devem ganhar maior fôlego na próxima segunda-feira (14), quando Chimamanda participará do programa Roda Viva, da TV Cultura. A entrevista remota – já gravada e conduzida pela jornalista Vera Magalhães – vai ao ar a partir das 22h. Entre outros nomes, estiveram na bancada as também escritoras Djamila Ribeiro e Carla Akotirene Santos, duas das maiores referências sobre feminismo negro no Brasil.

Este é um assunto, por sinal, que pauta o ofício da nigeriana em toda a extensão de seu percurso literário e pessoal. O primeiro livro publicado por ela, aos 20 anos de idade, foi “Decisions”, uma coletânea de poemas na qual já ficava nítida a perspicácia narrativa da escritora. No ano seguinte, veio à tona “For the love of Biafra”, peça teatral em que abordou a Guerra de Biafra antes mesmo do romance que a tornou mundialmente conhecida, “Meio sol amarelo”.

O exemplar – vencedor do National Book Critics Circle Award e do Orange Prize de ficção em 2007 – relata o drama de um grupo de pessoas que buscam provar a si mesmas serem capazes não apenas de sobreviver ao conflito, mas também de resguardar seus sonhos e a integridade moral. Baseada em fatos reais, a obra apresenta um generoso painel de tipos humanos vivendo em tempos de exceção, tendo sido adaptado para o cinema, com direção de Biyi Bandele, em 2013.

Legenda: Tido como o mais aclamado romance de Chimamanda, "Americanah" teve os direitos para cinema comprados pela atriz Lupita Nyong'o
Foto: Divulgação

“Hibisco roxo” surge na sequência desse título, apresentando os dilemas de Kambili. A adolescente conta como a religiosidade extrema do pai, Eugene, famoso industrial nigeriano, destrói lentamente a vida de toda a família a ponto de o mesmo rejeitar as tradições primitivas de sua nação de origem. Apesar disso, Eugene é um benfeitor dos pobres e, estranhamente, apoia o jornal mais progressista do país. Trata-se, assim, de um contundente retrato contemporâneo da referida nação africana, com fortes traços autobiográficos.

Em 2014, chegou ao Brasil “Americanah”, tido como o mais aclamado romance de Chimamanda. Ambientando a narrativa na cidade de Lagos, nos anos 1990, a autora parte de uma história de amor a fim de debater questões como preconceito racial, desigualdade de gênero e imigração. Tendo permanecido mais de seis meses nas listas de best-sellers, a obra teve os direitos para cinema comprados por Lupita Nyong'o, vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante por “Doze anos de escravidão”.

Breves e pungentes

Na seara das narrativas breves, “No seu pescoço” reúne uma seleção de doze contos nos quais, mais uma vez, a autora aprofunda discussões pertinentes à sua luta e a de milhões de pessoas ao redor do globo. Aqui, conflitos religiosos, relações familiares, travessias de imigraçaõ e desigualdade racial ganham um outro panorama, embora não menos pungente.

Por sua vez, os ensaios “Para educar crianças feministas” e “Sejamos todos feministas” alcançam o mesmo pico de capilaridade e influência ao desbravar aspectos práticos referentes à temática. No primeiro título, a autora elenca 15 sugestões de como criar filhos dentro de uma perspectiva feminista. Chimamanda, inclusive, escreveu a obra no formato de uma carta, direcionada a uma amiga que acaba de se tornar mãe de uma menina.

Já o segundo livro é uma adaptação do discurso feito pela escritora no TEDx Euston – tendo sido, inclusive, musicado pela cantora Beyoncé, incorporado à canção “Flawless”. Ngozi Adichie parte da experiência pessoal de mulher e nigeriana para mostrar que muito ainda precisa ser feito até que alcancemos a igualdade de gênero. A pauta, segundo ela, diz respeito a todos, homens e mulheres, uma vez que é libertadora para ambos os gêneros.

Além do ensaio principal, a Companhia das Letras também publicou outras versões do texto, estendendo o raio de alcance da temática. Uma edição de luxo ilustrada e uma infantojuvenil no mesmo formato, além de planner para este ano, podem ser conferidos pelo público.

Por fim, “O perigo de uma história única” – possivelmente a palestra mais conhecida da nigeriana, com 18 milhões de visualizações no YouTube – igualmente ganhou um livro capaz de dimensionar as tantas facetas de Chimamanda no que tange ao modo como encara os dilemas que percorrem sua história. 

Nas linhas, a autora defende a necessidade de diversificarmos as fontes do conhecimento e sermos cautelosos ao ouvir somente uma versão dos fatos. Será este um dos alertas mais imprescindíveis, sobretudo para os tempos de agora? 

Notas sobre o luto
Chimamanda Ngozi Adichie
Tradução de Fernanda Abreu

Companhia das Letras
2021, 144 páginas
R$ 29,90

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