Auê Feira e o convite a viver Fortaleza de arte e criatividade na praça

Evento acontece mensalmente, conectando pessoas, serviços e ideias; especialista reflete sobre a qualidade urbana proporcionada por iniciativas assim

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Varais luminosos, palcos para apresentação e diversidade de estandes desenham a Auê Feira Criativa
Foto: Roni Vasconcelos

Barracas espalhadas, céu aberto, cheiro de gente. Ninguém resiste a uma feira. Em Fortaleza, ajuntamentos comerciais ao ar livre podem ser encontrados da Parangaba ao Centro, passando pela Beira Mar e a Messejana. Um oásis. Existe um, em específico, realizado mensalmente e com cada vez maior adesão: a Auê Feira Criativa.

Fácil reconhecer quando ela ocorre. Varais luminosos, palcos para apresentação e diversidade de estandes desenham o evento. A próxima edição acontece neste fim de semana, na Praça Luíza Távora. O local é o atual endereço do projeto, que já passou pela Praça das Flores, Parque da Criança, Praia de Iracema e shoppings da Capital. 

Legenda: Um dos grandes destaques da Auê mora na energia; é fácil favoritar o evento
Foto: Roni Vasconcelos

A intenção é que mais lugares possam sediá-lo, mobilizando maior número de pessoas, serviços e ideias. “Queremos fazer a feira sempre em espaços públicos pra garantir a gratuidade e, principalmente, a movimentação. Acreditamos nesse tipo de ocupação, de vivência urbana, privilegiando a economia criativa”, introduz Mariana Marques. Ela é uma das idealizadoras da ação, ao lado de Pedro Mourão e Bruno Valente.

Tudo começou em 2018, em plena Copa do Mundo. Bola no pé e neurônios fervilhando. O desejo do trio de sócios – já com experiência no ramo de feiras – era tocar um empreendimento próprio. Movimentar a cidade gratuitamente e a céu aberto. Para isso, reuniram artesãos, artistas e pequenas marcas de modo a congregar cultura, negócios e alegria num só território. Despertar, a começar por eles mesmos, o desejo de frequentar o ambiente.

Legenda: Da esquerda para a direita, Pedro Mourão, Mariana Marques e Bruno Valente: idealizadores da Auê
Foto: Roni Vasconcelos

O impacto é sentido em pequenos grandes fluxos. Para realmente viver a feira, há que se descer dos prédios, sair dos carros, andar a pé. “É como as pessoas enxergam uma cidade diferente, um jeito distinto de ocupá-la – estando ao ar livre, com a família, com o cachorro, com pessoas de 0 a 100 anos e de vários bairros”.

Made in Ceará

Um dos grandes destaques da Auê mora na energia. É fácil favoritar o evento. Muito desse crédito se deve a como tudo acontece. Atrações musicais, teatrais e de palhaçaria – estas duas com grande incidência entre o público infantil – encantam e motivam. No nervo econômico do projeto, centenas de expositores apresentam produtos nos quais impera a inventividade.

“A gente sempre faz de tudo para realizar uma curadoria forte, de pessoas que criam os próprios produtos, com preços acessíveis, boa embalagem e boa comunicação”, enumera Mariana, sublinhando a preferência por nomes cearenses em cada uma das etapas. Além do efeito positivo em quem vende, fica a satisfação também em quem vai. A cada edição, novas formas de encarar saberes, fazeres e realidades.

Legenda: Atrações musicais, teatrais e de palhaçaria – estas duas com grande incidência entre o público infantil – encantam e motivam
Foto: Roni Vasconcelos

Em números, uma comprovação a mais do carinho. Trabalhando fixamente no evento, estão 40 pessoas. O bar da iniciativa, por sua vez, é tocado por nove profissionais. Há também a equipe de zeladoria, manutenção e montagem. E um total de 140 expositores fecha o panorama – ou melhor, permite que ele se abra para novas experiências.

“No nosso cálculo, movimentamos meio milhão de reais por fim de semana. Imagina que essa grana poderia estar circulando em outro local – muitas vezes dentro de um circuito mais tradicional, que não desse oportunidade para marcas pequenas”, reflete a idealizadora. 

“O diálogo com os expositores é incrível. A gente cobra uma taxa deles e, com essa grana, pagamos os custos que dizem respeito ao evento”. O valor é de R$500, com tudo garantido para que o retorno financeiro de cada um seja o melhor possível. O resultado desse esforço se converte em praças lotadas, estrutura otimizada e conexões possíveis.

Qualidade urbana

Coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará, o arquiteto e professor Bruno Braga diz que, ultrapassando a relevância econômica e a valorização dos profissionais envolvidos nas feiras, essa atividade tem um grande potencial de gerar qualidade urbana. Nada faz tão bem para uma cidade do que pessoas. 

“Uma feira como essa movimenta muita gente, e isso é ótimo para o lugar onde ela acontece e seu entorno. Ao contrário do shopping center, que é fechado e se isola da cidade, a feira se abre para fora, convida quem está passando para entrar e conhecer”.
Bruno Braga
Arquiteto e professor

O fato de ela não ser fixa no mesmo local pode ser positivo por igualmente gerar interesse e movimento para diversos endereços da urbe – às vezes subutilizados, a exemplo de estacionamentos. Pudera: utilizar uma área extensa onde só ficam carros para uma feira cheia de atrações traz uma enorme diferença. 

Aliás, é do interesse da organização da Auê descentralizar a ação, fazendo com que ela alcance mais praças Fortaleza adentro, furando a bolha Aldeota-Meireles. O desafio é lidar com a falta de auxílio por parte dos órgãos públicos. A feira é realizada com recursos próprios. “Por mim, faria uma Auê em cada bairro. Mas ainda não temos lastro financeiro pra suportar essa aposta. Então vamos fazendo o que dá, uma por mês”.

Neste maio, serão três edições. A primeira neste fim de semana, a segunda no DFB Festival e a terceira em um evento privado. A cada realização, um modo de se interligar com a História do mundo e das cidades. As feiras fazem parte do surgimento dos conglomerados urbanos, resultado das primeiras trocas comerciais.

Muitas vezes, elas acontecem nos lugares onde as urbes nascem, estando próximas a locais estratégicos de transporte e encontro de pessoas e mercadorias. Ao longo do tempo, esse tipo de troca gerou várias formas de espaço, como os centros comerciais ou shopping centers. 

“Mas algumas características específicas da feira ainda se mantêm, e acho isso muito positivo. Elas são, na essência, lugares de encontro, de urbanidade e de diversidade, qualidades fundamentais para as cidades e que muitas vezes não estão presentes nos outros tipos de locais de comércio”, considera Bruno Braga.

Legenda: Neste maio, serão três edições da Auê Feira: a primeira neste fim de semana, a segunda no DFB Festival e a terceira em um evento privado
Foto: Roni Vasconcelos

Questiono se Fortaleza é uma capital que gosta de feiras. O arquiteto é enfático: além da boa receptividade, temos um clima muito adequado para atividades ao ar livre, o que incentiva ainda mais a adesão por parte da população.

Mariana Marques, por sua vez, combina o elemento histórico com a realidade de todo dia. “Acho que Fortaleza e toda cidade gosta de feira. É o jeito mais antigo de vender. Basta ter, as pessoas amam. Se olharmos pro lado, vamos ver feiras de hortifruti, feiras livres, de economia criativa, de adoção de pet, de brechó, de comida… A feira é revolucionária, solução de muitos problemas”.

Voltando aos poucos após o momento mais denso de pandemia, a Auê vem com tudo exatamente por conta disso: feira pode até ser estado de espírito. Verdadeiro auê.


Serviço
Auê Feira Criativa
Dias 14 e 15 de maio na Praça Luíza Távora (Av. Santos Dumont, 1589 - Aldeota). Gratuita. Mais informações no perfil do projeto, no instagram

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