Após pausa compulsória, Grupo Pavilhão da Magnólia celebra aniversário com espetáculo presencial

Montagem “Há uma festa sem começo que não termina com o fim” inicia temporada nesta sexta-feira (10), seguindo por todo o mês de setembro

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Novo trabalho do grupo Pavilhão da Magnólia não trabalha com a ideia de personagens; os atores performam com o público e com o espaço memórias pessoais e coletivas
Foto: Carol Veras

A faixa está escrita com letras garrafais: “Bem-vindes de volta”. Trata-se de uma saudação, mas também de um convite. Após um ano e meio de pausa compulsória devido às agruras da pandemia de Covid-19, chegou o momento de novamente ocupar a Casa Absurda – sede dos grupos teatrais cearenses Cia. Prisma de Artes e Pavilhão da Magnólia.

O instante não poderia ser mais oportuno: esta última agremiação celebra 16 anos de atividades. Para marcar a data, entra em cartaz a temporada de apresentações presenciais do espetáculo “Há uma festa sem começo que não termina com o fim”, concebido desde março deste ano a partir de uma multiplicidade de diálogos e encontros.

A montagem estreia nesta sexta-feira (10), às 19h, e segue durante todo o mês de setembro sempre no mesmo horário, às sextas, sábados e domingos, respeitando os protocolos sanitários de combate ao novo coronavírus. Responsável pela codireção e dramaturgismo da peça, Thereza Rocha volta-se às reflexões que pautaram o período de isolamento para explicar a gênese do trabalho.

Legenda: As perguntas “Como podemos estar juntos novamente?” e “Que coletivo estamos formando?” moveram a trupe em termos de composição do espetáculo
Foto: Carol Veras

“No meio da pandemia, tornou-se hábito comum a muitas pessoas o de reabrir os arquivos, olhar os álbuns antigos, rever os caminhos. Questões relativas à memória – à memória individual e o tanto que ela se cruza com a memória coletiva –  tornaram-se tempo presente. Neste caminho, instâncias outrora apartadas, como as do público e do privado, se misturam. Consideramos a memória um ato coletivo de resistência e de imaginação. Podemos fabular uma memória de futuro? Essa é uma questão que nos move”, dimensiona.

Desta feita, entra em cena um desejo de proximidade, de estar junto novamente compartilhando um mesmo tempo e espaço, a partir do recorte memorialístico. Uma das inspirações para o grupo nessa travessia foi a obra da escritora Noemi Jaffe, “Livro dos começos” (Cosac & Naify, 2015). O mergulho otimizou que se priorizasse as narrativas/memórias do elenco, estas operando como portas de entrada para a discussão de temas mais públicos e políticos na aguda realidade do Brasil. 

“Nos interessou a memória do corpo e o corpo da memória como matéria para tecer cena, texto e encontro, num exercício de evidenciar como lembrar não é iluminar um passado inoperante. Lembrar é abrir o tempo aqui e agora, e isso influencia diretamente no que somos, fazemos e faremos. Assim, não trabalhamos com linearidade, com uma fábula a ser contada, com personagens. São fragmentos, cada cena como a folha solta de um livro que permite tecer sentidos a cada instante. A peça é também um diálogo íntimo com a Casa Absurda, um jogo de composição com sua arquitetura, com os móveis e os vestígios”, detalha Thereza.

O lugar da conversa

Integrante do elenco, o ator e produtor Jota Júnior Santos reforça o componente sublinhado por Rocha. Segundo ele, uma vez que a peça não trabalha com a ideia de personagens, os atores performam com o público e com o espaço memórias pessoais e coletivas, passando por estados de atuação que vão sendo compartilhados de forma muito direta. É semelhante a uma conversa, nesse lugar em que outras qualidades de presenças são exigidas de quem está no tablado.

Legenda: Cenas da montagem foram pensadas primando pela troca de olhares, falas que se dirige ao próprio espectador, abrindo intimidades e convidando a lembrar junto
Foto: Carol Veras

Na visão dele, a relevância do trabalho reside em dois pontos principais. “Primeiro por marcar esse recomeço, que é nosso, mas também do público, que ficou tanto tempo sem poder vir ao teatro. E é importante para que, juntos, imaginemos outros possíveis, pois vivemos tempos tão duros. Tempos esses que nos suspenderam a ponto de duvidarmos se voltaríamos a ter esse encontro de novo. Com tudo que vivemos até aqui na pandemia, a cada progresso da vacinação e das medidas tomadas nos decretos, vamos reaprendendo a cada dia o convívio e como celebrar a vida – depois de tanto luto, mas com muita responsabilidade”.
 
Adentrando nos percursos de construção da peça, Júnior Santos explica que, no início do processo, a equipe foi compartilhando com o diretor do espetáculo, Francis Wilker, as próprias lembranças por meio de relatos, fotos e, inclusive,  mostrando as casas onde residem – uma vez que essa etapa do intercâmbio aconteceu remotamente. Tudo como uma grande entrevista sobre os começos de cada um nos percursos artísticos. “E, de alguma forma, foi como Francis pôde conhecer mais sobre os integrantes do grupo”, percebe o ator.

“Eu já tinha trabalhado com ele na Universidade, pois fui seu aluno na graduação em Teatro da UFC, onde Wilker dirigiu nossa montagem, ‘Cama de Baleias’ (2017) , em que o testemunho pessoal fazia parte da criação. Mas, de algum modo, foi bom conhecer outras histórias de nossos companheiros ou ouvi-las de novo. Esse campo documental é muito rico para o disparo dos processos, nas improvisações em sala de ensaio, por exemplo. Mas é importante pensar que falar do pessoal não se limita a uma fala em primeira pessoa, uma vez que somos seres coletivos atravessados por memórias, feridas e fantasmas sociais e políticos que nos formaram”.
Jota Júnior Santos
Ator e produtor

Provocações para o reencontro

Diante de todo esse panorama, as perguntas “Como podemos estar juntos novamente?” e “Que coletivo estamos formando?” moveram a trupe em termos de composição do espetáculo, do mesmo modo que nos move enquanto sociedade e País. Para Thereza Rocha – que, junto a Francis Wilker, sela a primeira colaboração com o grupo Pavilhão da Magnólia – reencontrar o público agora carrega algo de reaprender o encontro presencial, ao mesmo tempo que lembra a todos da potência revolucionária do estar junto.

“É também afirmar – uma vez mais – a arte e a cultura como possibilidade de ampliar os imaginários, de ativar percepções, de provocar outras leituras de mundo, a arte como emergência no enfrentamento de forças retrógradas que têm feito o Brasil andar à marcha ré. O teatro é também um espaço de partilha de um projeto de país com o qual sonhamos e que reivindicamos como direito”.

Legenda: “Nos orgulha e fortalece ver tudo que já fomos capazes de criar, as lutas que já lutamos", festeja integrante do grupo Pavilhão da Magnólia
Foto: Carol Veras

Tais nuanças são percebidas de amplas formas no palco, sobretudo porque o espetáculo possui uma estrutura fragmentária de composição. Intrigante, o título da montagem herda essa proposição, tendo sido escolhido mais para o final do processo de criação. A sentença é uma recriação discreta do verso da letra de um Congado da Comunidade Quilombola dos Arturos (MG), que perdeu a matriarca (Dona Dodora, 84 anos) e o patriarca (Mário Brás da Luz, 88 anos) para a Covid-19 em maio deste ano. 

“O título, assim, aproxima do espetáculo essa coisa tão vicejante e bonita de pensar a ancestralidade como porvir. Ancestralidade não diz somente da origem, do passado, mas do próprio futuro. É pensar o tempo com outras imagens que não necessariamente o da linha progressiva, modelo ao qual estamos tão acostumados, e que se desdobra na própria estrutura dramatúrgica do espetáculo. Por isso, quando levei o título para os ensaios, ele se impôs”.
Thereza Rocha
Diretora e professora da Universidade Federal do Ceará

Por outro lado, tomando todas as providências para os cuidados necessários no enfrentamento da pandemia – com especial atenção aos decretos estaduais – a preocupação do grupo foi reduzir drasticamente o número de espectadores por sessão, aceitando apenas 15 ingressos por dia. Na recepção, será necessário apresentar comprovante de vacinação e haverá álcool em gel e máscaras no ambiente, caso sejam necessários. 

Também numa outra perspectiva, foi pensada a proximidade como partilha, a cena como troca de olhares, uma fala que se dirige ao próprio espectador, que abre intimidades e convida ao lembrar junto. Uma peça, de acordo com Thereza Rocha, que tenta ser um abraço, ainda que não toque o outro fisicamente. “Não seria este o próprio sentido do teatro?”, provoca.

Formas de revigoramento

Sem poderem comemorar os 15 anos de grupo, completados no ano passado – na ocasião, o Pavilhão da Magnólia já estava em processo de outro trabalho, quando a pandemia assolou Fortaleza – agora os integrantes celebram a nova idade procurando encarar a própria criação e o percurso ao longo desses anos como um lugar de revisita às forças, a fim de seguir a caminhada.

“Nos orgulha e fortalece ver tudo que já fomos capazes de criar, as lutas que já lutamos. Isso mantém vivo o nosso projeto e reforça o sentido de estarmos juntos. Por outro lado, nos faz ver que a luta por políticas públicas para a arte e a cultura não pode ter descanso. Mesmo considerando um grupo como o nosso, ainda não temos políticas que asseguram nosso trabalho continuado. Durante a pandemia, nós, da cultura, fomos um dos primeiros segmentos a fechar e, agora, um dos últimos a reabrir, foi muita luta para manter nossa sede nesse tempo todo. O espetáculo também celebra essa força”, bradam.

Legenda: Os próximos passos da trupe se conectam a seguir com as atividades na Casa Absurda, valendo-se sobretudo da temporada da presente peça
Foto: Carol Veras

Da parte de Jota Júnior Santos, observar que tudo foi otimizado a partir da chegada do edital emergencial da Lei Aldir Blanc e da proposta de experiência de intercâmbio com o coletivo brasiliense Teatro do Concreto, representa força. “Isso alimenta, sabe? Nos revigora porque é sobre o coletivo, que também é político. Além de que o material que nós tocamos é sobre esse tempo; para a gente, ele precisa ser vivido/tocado agora”, observa.

E recorda: “Cheguei no grupo em 2013, para ser produtor, e acabei voltando para cena como ator em ‘Baldio’ (2015). De lá para cá, o grupo intensificou a pesquisa, as colaborações com diretores convidados e as produções conseguiram circular por festivais nacionais, indo na contramão do desmonte das políticas culturais pós-golpe. Resistimos, trabalhando duro e criando espaços colaborativos em rede. Nesse momento da pandemia tínhamos, além de planos, diversos convites que perdemos e vamos ter que rearticular. Fazer essa peça nesse momento é nos reconectar enquanto grupo e tomar força pra continuar resistindo”.

Os próximos passos, assim, se conectam a seguir com as atividades na Casa Absurda, valendo-se sobretudo da temporada da presente peça. Além disso, começaram a chegar propostas de ocupação do espaço, de modo que as agremiações pertencentes a ele estão se organizando para retomar a galeria com uma exposição e, possivelmente, a partir da estreia da temporada presencial do novo trabalho da Cia. Prisma de Artes, apresentado, por enquanto, somente de forma virtual.

É Thereza Rocha quem finaliza as impressões sobre o que há de vir nesse primeiro instante de retomada com o público: “O encontro é sempre uma experiência, como tal da ordem do imprevisível. O nosso desejo é que uma troca possa ocorrer, que cada espectador(a) se sinta acolhido(a) e que, por alguns instantes, possamos fabular juntos outros possíveis”. Feito evoca a faixa que estará à espera do público: Bem-vindes de volta.


Serviço
Temporada presencial do espetáculo “Há uma festa sem começo que não termina com o fim”, do Grupo Pavilhão da Magnólia
A partir desta sexta-feira (10), às 19h, na Casa Absurda (Rua Isac Meyer, 108, Aldeota). Em cartaz às sextas, sábados e domingos de setembro, sempre às 19h. Ingressos: R$30 (inteira). Bilheteria virtual neste link. Lotação: 15 pessoas. Classificação: 18 anos. Duração: 120 minutos

OBS: O uso de máscara é obrigatório no recinto. Por sua vez, o acesso será permitido apenas mediante apresentação do Cartão de Vacinação com pelo menos a primeira dose de vacina contra Covid-19 ou teste negativo de Covid-19 de até 48 horas antes do evento. Será feita medição de temperatura corporal pela produção do evento.

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