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Políticas para idosos: avanço de propostas no Legislativo do Ceará não acompanha necessidades reais

O PontoPoder relacionou iniciativas que tramitam na Alece e na CMFor e buscou especialistas, que opinaram sobre as reais necessidades e os desafios enfrentados

Escrito por
Bruno Leite bruno.leite@svm.com.br
Idosos caminhando em Fortaleza
Legenda: Classe política tem se mobilizado, mas iniciativas ainda não estão a contento, segundo especialistas
Foto: Thiago Gadelha

A necessidade da construção de políticas para o público idoso no Brasil surge com uma necessidade, diante do envelhecimento da população percebido em levantamentos recentes. No Ceará, o fenômeno não ocorre de uma maneira diferente e o contexto mobiliza a classe política. Entretanto, de acordo com especialistas, as iniciativas não ocorrem a contento da questão.

Para se ter noção da relevância desse âmbito na agenda do Poder Público, dados do Censo Demográfico de 2022 indicam que, naquele ano, a população idosa no país era de aproximadamente 32,1 milhões de cidadãos e representava 15,6% de todo o contingente populacional do país — o recorte considera àquelas pessoas com idade superior a 60 anos.

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No Ceará, a fatia que esse grupo ocupa no número total de residentes segue a mesma tendência, registrando 14,7%, algo em torno de 1,3 milhão de pessoas, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — instituição que realiza o Censo.

A demanda se torna ainda mais visível ao se observar o futuro. A perspectiva do IBGE é que, daqui a 45 anos, brasileiros com mais de 60 anos deverão corresponder a cerca de 37,8% da população do país. Enquanto isso, no estado do Ceará, projeta-se que 40% da população deverá ser composta por idosos em 2070.

Com o intuito de compreender como a temática tem se inserido no cotidiano da Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor) e da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) — as duas principais Casas Legislativas do estado —, o PontoPoder relacionou iniciativas que tramitam nelas e buscou especialistas, que opinaram sobre as reais necessidades e os desafios enfrentados por esse grupo demográfico.

Projetos aprovados na Assembleia Legislativa

No ano passado, foram deliberados pelo Plenário da Alece uma série de projetos de lei, como o que cria a campanha de conscientização sobre a depressão no idoso (de autoria do deputado Antônio Henrique, do PDT) e o que institui a campanha de incentivo às visitas aos asilos e instituições de longa permanência (do ex-deputado Evandro Leitão, do PT, e do deputado Romeu Aldigueri, do PSB).

Além disso, houve a aprovação da lei que dispõe sobre a divulgação de banners digitais de crianças, adolescentes e idosos desaparecidos antes dos jogos de futebol, eventos esportivos e shows no Ceará (de autoria da deputada Jô Farias, do PT). A criação de medidas preventivas nos serviços notariais e de registro para evitar atos de violência patrimonial (proposta pelo deputado Davi de Raimundão, do MDB) também passou pelo crivo dos legisladores da Alece.

Fachada da Alece
Legenda: Na atual legislatura, Alece teve projetos aprovados
Foto: Bia Medeiros / Alece

Neste ano, os parlamentares chancelaram uma lei, protocolada pela deputada Juliana Lucena (PT), sobre a comunicação pelos condomínios residenciais aos órgãos de segurança da ocorrência ou indícios de violência doméstica contra mulheres, crianças, adolescentes ou idosos.

Apesar do interesse dos parlamentares dessa legislatura no assunto, nenhuma proposição com caráter de lei enviada pelo Governo do Estado passou pela Casa, pelo que indica os dados disponibilizados no sistema de tramitação do Parlamento estadual.

Tramitam no Legislativo estadual

Atualmente, tramitam na Alece projetos de lei como o que cria o Programa Cuidando da Melhor Idade, para incentivar o acolhimento de idosos que moram em asilos, de iniciativa do deputado Cláudio Pinho (PDT). Ele também tem um projeto tramitando sobre a instituição de um canal de atendimento via telefone preferencial para idosos.

Da mesma maneira, ainda aguarda apreciação o que institui a Campanha Mantendo o Equilíbrio da Melhor Idade, para a conscientização e prevenção de quedas da população idosa, e o que institui a campanha "A melhor idade é ter sua companhia", para sensibilização sobre o cuidado aos idosos — ambos da ex-deputada Gabriella Aguiar.

A ex-deputada e atual vice-prefeita de Fortaleza também é autora de outro projeto que está na Alece, instituindo a campanha dos cinco "Is" da geriatria, para ações de conscientização e prevenção das dificuldades dos idosos. Outras seis propostas dela estão na Casa aguardando análise.

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De autoria do deputado Stuart Castro (Avante), está na Casa Legislativa um projeto que busca instituir o Selo Empresa Amiga da Melhor Idade, para reconhecer e incentivar empresas que promovem ações em prol da população idosa.

De Assis Diniz (PT) propôs, em 2024, uma matéria que institui a política de oportunidades Terceira Idade em Ação, voltada para postos de trabalho para pessoas idosas que pretendem continuar colaborando com sua força de trabalho. Essa ideia ainda tramita na Assembleia Legislativa. E, neste ano, ele propôs a campanha de orientação aos idosos contra fraudes e golpes no comércio eletrônico.

Também protocolaram projetos voltados para a população idosa e que tramitam na Assembleia os parlamentares Marta Gonçalves (PSB), Marcos Sobreira (PSB), Simão Pedro (PSD), Leonardo Pinheiro (PP), Júlio César Filho (PT), Emília Pessoa (PSDB), Guilherme Bismarck (PSB), David Durand (Republicanos), Alcides Fernandes (PL), Apóstolo Luiz Henrique (Republicanos), Nizo Costa (PT), Jô Farias (PT), Renato Roseno (Psol), Carmelo Neto (PL) e Dra. Silvana (PL), bem como o ex-deputado Oscar Rodrigues (União).

Tramitam na CMFor

Na Câmara de Fortaleza, não houve a aprovação de projetos de lei para criação de políticas para a população idosa na atual legislatura. A maioria dos projetos versa sobre a criação de datas.

Um dos projetos, da vereadora Adriana Gerônimo (Psol), propõe a criação do Dia da Pessoa Idosa no Calendário Escolar da Rede Municipal de Ensino. Outro, da mesma autora, pretende instituir no mesmo calendário, o Dia da Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa.

Adriana Gerônimo também quer instituir no Calendário Oficial de Eventos do Município o Dia Mundial de Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa. Assim como também propôs o Programa Municipal de Promoção da Cidadania e dos Direitos da Pessoa Idosa Negra e LGBTQIAPN+.

Plenário da CMFor
Legenda: Câmara Municipal não teve projetos de lei que versam sobre idosos aprovados nesta legislatura
Foto: Érika Fonseca/CMFor

A vereadora Carla Ibiapina (DC) propôs uma campanha permanente de orientação e conscientização sobre cuidados com idosos. Também são de autoria dela outras duas matérias que estão em tramitação: uma para a criação de uma campanha de combate ao etarismo e a segunda para criar um programa de promoção da saúde mental dos idosos.

PPCell (PDT) propôs a extensão das plataformas elevatórias no transporte coletivo para pessoas idosas com pouca mobilidade e pessoas obesas, já Inspetor Alberto (PL) protocolou um projeto de lei para criação de um canal de denúncias de violações de direitos dos idosos e Germano He-Man (Mobiliza) solicitou a criação do programa Visão Plena Para Melhor Idade.

Luiz Sérgio (PSB) entrou com um projeto para instituir a Semana Municipal do Estatuto do Idoso e um projeto de emenda à Lei Orgânica para ampliar o Passe Livre aos idosos acima de 60 anos.

Necessidade do Poder Público

A reportagem conversou com o professor Julio Alfredo Racchumi Romero, doutor em Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), docente do Departamento de Economia Doméstica da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador que atua em análises e na avaliação de políticas públicas. Segundo ele, é possível citar a presença do Poder Público de diferentes formas para atender as demandas da população idosa. 

Mas o especialista ponderou que é difícil pensar em uma política que seja isolada. "Uma questão que sempre coloco é que quando a gente está falando da população idosa, tem que pensar em políticas intersetoriais, transversais, para atender a demanda", disse. 

Entretanto, ele mencionou uma rede de instrumentos de garantia de direitos: "A gente pode mencionar que aqui no Ceará existe o Conselho Estadual da Pessoa Idosa e tem a participação da Secretaria de Direitos Humanos. Há também a Secretaria de Proteção Social, as Promotorias de Justiça, as Defensorias Públicas, os Conselhos. A gente tem um conjunto de políticas, só que todas elas têm que ser intersetoriais". 

Para Romero, informações sobre a sociedade, a exemplo do que faz o Censo Demográfico, servem de norte para a elaboração de alternativas. "Acredito que nos próximos anos a gente vai ter muito mais informações para entender o contexto da população idosa em diferentes setores da sociedade. E aí a gente vai poder ver onde que o Poder Público pode focar", argumentou.

Ao tratar das violações, especificamente, ele chamou atenção para um tipo de violência que tem sido percebido pelos estudiosos. "Tem um ponto que a gente está observando nos últimos anos que é a violência digital e a violência financeira. São dois tipos de violência que a gente não pensava muito, porque sempre falávamos de violência física e psicológica", falou, citando ainda a necessidade de estratégias que possam coibir.

"Nesse sentido, a gente precisa não apenas de uma secretaria, mas diferentes secretarias, do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Cidadania [Caocidadania, do Ministério Público estadual], pode falar do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor [Decon], da Polícia Civil, da Defensoria Pública. Existe uma coisa transversal, que possa entender o novo contexto e propor políticas", reforçou.

O estudioso deu conta de uma série de desafios, porém destacou a exemplo da criação de leis ou atualização das que existem. "Nós precisamos de políticas eficazes e eficientes, que sejam possíveis de atender a toda população idosa", refletiu. 

O objetivo, ele comentou, é que haja um "envelhecimento ativo", "sem desigualdade e sem discriminação" e que o Poder Público possa levar "em consideração aspectos sociais, culturais e a realidade de cada um deles [dos idosos compreendidos pelas políticas]".

Ao conversar com o PontoPoder, Adriana de Oliveira Alcântara, doutora em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professora da Especialização em Gerontologia da Universidade de Fortaleza (Unifor) e atuante na investigação de políticas públicas de cuidado à pessoa idosa, enfatizou que as necessidades da população idosa no Ceará são as mesmas do restante do País, "uma vez que a maior parte da população idosa do país é pobre".

De acordo com ela, "57% ganham até dois salários mínimos mensais. Recebemos um dos salários mais baixos na América Latina. O recrudescimento da pobreza é um dos principais problemas para se pensar no cuidado deste público".

"Soma-se a ausência de políticas públicas, que deveriam ter o Estado como principal ofertante de proteção social, bem como do cumprimento das legislações direcionadas às pessoas idosas", evidenciou a entrevistada.

No entendimento dela, há um afastamento do Estado para com a proteção social, reforçada por fatores econômicos, que dificulta o cumprimento de determinantes até mesmo referenciados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como é o caso do conceito de "envelhecimento ativo", e impede até mesmo a menção de boas práticas. 

O cenário em que os idosos estão inseridos é complexo, pelo que disse Alcântara. "Culturalmente, independentemente do contexto social, está posto que a tarefa do cuidado para com os pais cabe aos descendentes, norma esta reforçada pela Constituição Federal de 1988, pela Política Nacional do Idoso de 1994 e pelo Estatuto do Idoso de 2003", discorreu. 

Conforme explanou, há que se pensar na impossibilidade da família "assegurar o devido suporte aos seus velhos", o que demanda a presença do Estado.

"Estar à frente de um público superenvelhecido causa preocupação e a questão social da velhice, sem o esteio da família, deve ser tratada como uma responsabilidade pública e, assim, cabe ao Estado se comprometer com a implementação de políticas públicas de modo eficiente e eficaz", prosseguiu.

A professora lembrou que é obrigação do Poder Público a proteção integral particularizada a esse segmento da sociedade. A ação do Estado é urgente, frisou ela, para "não legitimar nem tampouco estimular a volta da filantropia para resolver a questão da desigualdade sob o apelo da solidariedade social". 

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