O que o Poder Legislativo no Ceará tem feito pela proteção e direitos das mulheres
Apesar de propostas não faltarem, poucas, de fato, viram lei
A nova legislatura da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) já representa um marco na história da Casa: é a maior em quantidade de mulheres eleitas como titulares do mandato. Ao todo, são nove deputadas estaduais. Apesar do crescimento na representatividade feminina, políticas de gênero ainda enfrentam obstáculos para serem efetivadas.
Propostas para tentar diminuir as desigualdades entre homens e mulheres, no entanto, não faltam. As proposições versam do combate à violência contra a mulher à reserva de vagas em empregos. As iniciativas, por sua vez, pouco vingam e se tornam políticas públicas de fato. Algumas das propostas, inclusive, até se assemelham a leis já existentes, com pouca ou quase nenhuma diferenciação.
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Balanço
Até o dia 5 deste mês, 82 projetos de lei com políticas para mulheres foram apresentados pela nova legislatura. Destes, 24 foram deliberados, mas apenas 7 foram aprovados e viraram lei. Outros 58 ainda aguardam apreciação. Quanto a projetos de indicação, 42 matérias do tipo foram apresentadas pelos parlamentares no período. As medidas, todavia, são apenas solicitações ao Poder Executivo, mas não precisam ser acatadas.
Dentre os projetos de lei aprovados, quatro instituem dias temáticos para ações específicas de combate à violência ou nomeiam equipamentos. Os outros três são voltados para política no mesmo segmento.
A violência contra a mulher, inclusive, é o tema mais abordado nos projetos apresentados no Parlamento Estadual. O protagonismo, por sua vez, não é em vão.
Somente no ano passado, 24.130 pessoas do gênero feminino sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar, seja ela física, psicológica, patrimonial ou sexual, no Ceará. Além disso, 42 mulheres foram vítimas de feminicídio e não estão mais aqui para contar suas próprias histórias.
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Os dados de 2023 de vítimas pela Lei Maria da Penha no Ceará são os maiores dos últimos 9 anos, desde quando a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) começou a disponibilizar os números em 2015.
O mesmo destaque negativo na série histórica ocorre com os crimes de feminicídio: 2023 foi ano que mais se matou mulher pela sua condição de gênero no Estado desde 2018 — ano em que a SSPDS passou a disponibilizar os números de feminicídio.
Para tentar combater os crimes, os projetos propõem determinações para contratação mulheres vítimas de violência doméstica por empresas que recebem incentivos fiscais do Estado a campanhas de conscientização, por exemplo. Outras medidas, todavia, se juntam ao rol de políticas que ajudam não somente a combater a violência contra a mulher, mas também a promover a liberdade da mulher para ocupar mais espaços na sociedade.
Principais proposições
Tramitando
- Isenção em taxa de inscrição de concursos do CE para mulheres que doadoras de leite materno
- Estatuto da Mulher Parlamentar
- Oferta de vagas para mulheres vítimas de violência nos programas de emprego do CE
- Meia-Entrada em jogos de futebol
- Garantia de presença de acompanhantes em exames ou procedimentos com anestesia
Deliberados
- Semana de Incentivo à Participação da Mulher no Processo Eleitoral (virou lei)
- Define percentual mínimo de participação de mulheres em conselhos de empresas do CE
- Gratuidade no transporte intermunicipal para mulheres vítimas de violência
- Obrigatoriedade da divulgação de mensagens de combate à violência contra a mulher em eventos esportivos (virou lei)
- Política Estadual de Violência contra a mulher (virou lei)
A maioria dos projetos de lei que versam sobre políticas para mulheres na Assembleia foi proposta por deputadas, mas também há matérias de deputados. Para o balanço, a reportagem filtrou as buscas nas proposições da Alece pelas palavras "mulher", "mulheres", "feminino", "feminina" e "gênero" apresentadas até às 15h do dia 5 deste mês.
Procuradoria da Mulher
Com o desafio de avançar em políticas públicas devido às limitações para propor iniciativas que demandem investimentos públicos, já que parlamentares não podem deliberar medidas que envolvam orçamento do Estado, a Assembleia tem avançado no combate à violência contra a mulher por outros meios. Um exemplo é a Procuradoria da Mulher, comandada atualmente pela deputada Lia Gomes (PDT).
O órgão, expandido nos últimos anos, funciona em parceria com a Defensoria Pública e o Ministério Público do Ceará (MPCE) nas tratativas de denúncias de violência contra a mulher, acompanhando casos na Justiça e ofertando serviços de assistência social e psicológica. Criada em 2012, o equipamento tem expandido sua atuação para fora das portas da Alece, ajudando a montar procuradorias da mulher em câmaras municipais do Interior.
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Desde que chegou no Parlamento Estadual, em fevereiro de 2023, Lia já inaugurou 32 procuradorias da mulher. Ao todo, há 131 no Estado, segundo a parlamentar. Os serviços ofertados variam de acordo com as condições da Câmara Municipal, mas todas devem ter espaço físico com psicóloga, advogada e assistente social. Uma vereadora fica responsável pelo equipamento.
O objetivo é oferecer um lugar seguro para dar suporte às vítimas de violência e encaminhá-la para receber o acompanhamento adequado.
"Durante esse mês de março a Procuradoria da Mulher vem intensificando suas atividades com mais palestras, rodas de conversas e focando nas inaugurações. A gente já inaugurou esse mês uma unidade em Pedra Branca, em Groaíras e Hidrolândia e, até o final do mês, em Canindé e Itaitinga", destaca a deputada.
Segundo ela, o objetivo é instalar procuradoria em todos os 184 municípios do Estado, com essa oferta de acolhimento especializado, mas há 17 municípios cearenses que não têm nenhuma vereadora mulher.
Em discurso na tribuna na véspera do Dia da Mulher, Lia frisou a necessidade de tirar do papel a "igualdade de direitos" e fazer valer na prática.
"Somente em 1988 que nós mulheres conseguimos conquistar essa igualdade na lei. A Constituição de 1988 garante igualdade de direitos e obrigações a homens e mulheres, mas isso na prática realmente acontece? Homens e mulheres são iguais no nosso País e no nosso Estado? A PNAD Contínua, do IBGE, mostra que as mulheres ganham apenas 77% do que ganham os homens. Em cargos de direção, a desigualdade é ainda maior, o salário das mulheres que ocupam cargos de direção é cerca de 62% do salário dos homens"
Estatuto da Mulher Parlamentar
Para fortalecer a representatividade em cargos públicos e coibir violência política de gênero, a deputada Gabriella Aguiar (PSD) propôs a criação do "Estatuto da Mulher Parlamentar e de Mulher Ocupante de Cargo ou Emprego Público" no Ceará, uma vez que o Estado não tem um documento disciplinando o assunto.
O código busca implantar obrigações no Parlamento e em instituições do Estado para garantir a participação e ascensão de mulheres. A deputada ressaltou, inclusive, que a mãe dela, a prefeita de Tauá, Patrícia Aguiar (PSD), já foi vítima de violência política de gênero quando atuou como deputada na Alece.
"Nós somos nove mulheres hoje na Assembleia Legislativa, o maior número da história, mas ainda muito aquém do desejado. Aqui nós fazemos um movimento suprapartidário na defesa das mulheres. (...) Um projeto que eu gosto muito é o Estatuto da Mulher Parlamentar. Esse já tinha sido levantado pela então deputada Patrícia Aguiar, que sofreu aqui, nessa Casa, violência política de gênero e legislou sobre isso"
Cobrança por aplicação de políticas
Em discurso realizado na tribuna da Alece na sessão do dia 7 de março, a deputada estadual Larissa Gaspar (PT) frisou a importância de a sociedade cobrar compromisso com a efetivação de políticas para as mulheres.
Ela destacou que não adianta criar leis para negligenciá-las.
"A gente precisa levantar a voz e exigir dos governos, todos eles, a nível Federal, Estadual e Municipal um comprometimento com a efetivação de políticas que possam garantir a nós, mulheres, uma vida digna e sem violência. Já passou da hora de nós mulheres podermos exercer a nossa autonomia, a nossa liberdade, sem sermos atacadas, sem sermos violentadas"
A parlamentar é autora de vários projetos voltados para o tema, dentre eles um que quer criar uma política de sistematização de dados integrados de violência contra a mulher para subsidiar políticas públicas.
A deputada Emília Pessoa (PSDB) também destacou, na sessão do dia 7 e março, a luta em defesa do direito e igualdade das mulheres. Ela deseja, inclusive, que a participação da mulher ultrapasse as barreiras da cota e vire um movimento de mulheres nos espaços de Poder.
"As nossas pautas estão voltadas para o direito e igualdade das mulheres, fazendo saber que a capacidade feminina já ocupou espaço na sociedade, ocupou espaço na política. Não é só uma cota partidária que precisa ser feita para que a gente ocupe nosso espaço em locais de poder de decisão, mas que seja feito um movimento para poder entender que, se nós queremos que as políticas públicas alcancem as nossas casas, as discussões têm que começar por nós, mulheres"
Emília Pessoa também é autora de diferentes projetos na Casa. Dentre eles, o que busca instituir um programa de formação continuada de lideranças femininas para atuar na administração pública do Estado.