Procuradoria da Mulher chega a 116 Câmaras Municipais no Ceará; entenda a atuação do órgão
A expansão das procuradorias da mulher tem levado aos municípios cearenses equipamentos para a proteção das mulheres
Marco do combate à violência contra a mulher no Brasil, a Lei Maria da Penha estabelece a responsabilidade do Poder Executivo - União, governos estaduais e prefeituras -, e dos órgãos vinculados ao sistema judicial - como o Ministério Público e a Defensoria Pública - nas ações de prevenção e também de acolhimento às vítimas.
Apesar de não estar citado diretamente na legislação, o Poder Legislativo também tem avançado para ampliar, no Ceará, o atendimento às mulheres - dando capilaridade à rede de apoio às vítimas de violência, mas também atuando em outras frentes para garantia dos direitos destas mulheres.
Em cooperação com a Procuradoria da Mulher da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), 116 municípios contam com procuradorias nas Câmaras Municipais - 86 com os equipamentos já em funcionamento, enquanto outros 30 estão em fase de implementação.
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Uma das mais recentes a ser criada foi a da Câmara Municipal de Fortaleza. O projeto de resolução que cria o equipamento foi aprovado no dia 29 de junho e já deve começar a ser implementado na casa legislativa. Além do cargo de procuradora da Mulher, que deve ser ocupado por uma das oito vereadoras de Fortaleza, o órgão também contará com seis técnicos, para contribuir com o atendimento às mulheres.
Na Assembleia Legislativa, a meta da Procuradoria da Mulher é que o equipamento possa chegar a 150 municípios ainda em 2023, o que significaria que as procuradorias representariam - para quase 90% cidades onde passariam a funcionar - o único equipamento especializado no atendimento a mulheres vítimas de violência.
"De certo modo, é um pouco do Executivo dentro dessa nossa vida do parlamento, do Legislativo", compara a titular da Procuradoria da Mulher da Alece, a deputada estadual Lia Gomes (PDT). "Saber que está deixando ali (no município) a Procuradoria, porque é muito desesperadora a situação das mulheres que sofrem violência".
Ela fala dos desafios para a expansão das procuradorias e do desejo por informatizar e unificar os dados colhidos nestes equipamentos - para conseguir desenhar o cenário de violência de gênero no Ceará -, e, principalmente, do "entusiasmo" das vereadoras que trazem para si a responsabilidade de atuar no combate a estas violências.
"Elas conhecem as leis, conhecem os tipos de violência, falam com propriedade. Você vê que são pessoas que já estão na militância, que estão empolgadas, que vão realmente levar aquela luta pra frente. Você percebe pela voz, pelo capricho, pela equipe. (...) Não tem preço, a gente chega cansada, mas sai animada, porque realmente a gente pensa 'a partir de agora, as mulheres daqui vão ter esse equipamento'".
Como funcionam as procuradorias
As estruturas das procuradorias variam de acordo com os municípios, explica Lia Gomes. Como base, cada uma delas conta - além do espaço físico dentro das câmaras municipais - com, pelo menos, uma advogada, uma psicóloga e uma assistente social, além da vereadora responsável pelo equipamento.
A meta é oferecer tanto o suporte jurídico - "orientar a mulher sobre os direitos dela", diz a deputada - como o acolhimento das vítimas de violência, apresentando a rede de atendimento disponível, além de fazer a "escuta especializada" daquela mulher, completa a coordenadora da Procuradoria da Mulher na Alece, Erica Praciano.
"A gente preza muito para esse atendimento humanizado, esse encaminhamento, essa interlocução com a rede de atendimento para dar suporte a essa mulher", ressalta. A Procuradoria da Alece - que funciona em prédio na Avenida Desembargador Moreira, próximo à sede da casa legislativa estadual - também possui a mesma estrutura, embora maior do que aquelas encontradas nas procuradorias municipais.
Além disso, na Alece, a Procuradoria também conta com núcleos especializados, como "Homens pelo Fim da Violência", "Apoio a Mulheres Egressas e Apenadas" e "Mulheres na Política", assim como o Observatório da Violência Contra a Mulher. O órgão também é o responsável por ofertar a formação inicial e periódica para as equipes das procuradorias municipais.
Com a estrutura montada, vem o desafio: o que as procuradorias podem fazer para chegar às vítimas de violência de gênero? "Elas estão dentro da Câmara de Vereadores, que, de certo modo, pode justificar a ida da mulher", pondera Lia Gomes. "(Mas) a dificuldade, especialmente em cidades pequenas, é que essas mulheres entrem num equipamento. Se for aquela sala separada para cuidar da violência contra a mulher, o vizinho liga e diz 'ó, tua mulher acabou de entrar aqui'".
Um dos caminhos encontrados é a aproximação por plataformas digitais, como o "Zap Delas" - número disponibilizado pela Procuradoria da Alece para atendimento virtual às mulheres.
Nas câmaras municipais, as procuradorias têm implementado iniciativas semelhantes ou disponibilizado aplicativo da Procuradoria, no qual é possível realizar denúncias anônimas e onde fica disponível um "botão do pânico" que, se acionado, contacta pessoas adicionadas, anteriormente, como contato de emergência pela mulher.
Caminhos para chegar às mulheres
"Tem umas que (o atendimento) vai ser presencial mesmo", cita Lia Gomes. Existem algumas destas procuradorias que usam estratégias para facilitar o acesso dessas mulheres aos espaços físicos das procuradorias, como a instalação de Procon no mesmo espaço ou a disponibilização de serviço de saúde.
Em outras, o esforço para essa aproximação se reverte em uma busca ativa por estas mulheres, em um esforço para que elas saibam da existência da Procuradoria.
"Levar ao conhecimento para que os agressores não façam isso, porque vão ser vistos e punidos, mas principalmente incentivar (as mulheres) a denunciar, para que a gente possa tomar as medidas possíveis para proteger aquela mulher. (...) Para as pessoas saberem que, se acontecer, ela não vai estar sozinha", ressalta a vereadora Marina Leite.
Ela acumula, além do cargo de presidente da Câmara Municipal de Aurora, o comando da Procuradoria da Mulher no Legislativo do Município. Com menos de um mês de funcionamento, o equipamento ainda está se estruturando, explica, mas as primeiras ações também já estão sendo planejadas.
Uma delas é levar a divulgação da Procuradoria aos distritos de Aurora, por meio das sessões itinerantes da Câmara dos Vereadores. O foco, completa ela, é a mulher "saber que tem, saber que existe" o equipamento, como forma inclusive de dar maior coragem para buscar essa rede de apoio.
Procuradora da Mulher da Câmara Municipal de Fortim, Kath Anne também cita algumas das estratégias usadas no município. Uma delas, é o contato próximo com o Conselho Tutelar. "Já que muitas vezes é a primeira via para identificar uma situação de violência que uma família vive, resolvemos priorizar essa parceria", justificou.
"Tem sido fundamental a sede da nossa Procuradoria, no sentido de maior proteção às mulheres, que, quando estão vivendo o ciclo de violência, não sabem para onde correr. É algo que dá uma certa segurança para as mulheres, é o que temos tentado fazer".
Outra iniciativa foca na educação e conscientização de novas gerações, completa a vereadora. Entre os projetos está o "Maria da Penha das Escolas" - palestra elaborada pelas profissionais da procuradoria para falar sobre a violência de gênero para os jovens - e a “Procuradoria Itinerante”, onde é realizado um processo de conscientização aliado à distribuição de absorventes nas escolas do município - produtos arrecadados por meio de campanha realizada pela própria procuradoria.
Expansão e informatização
Coordenadora da Procuradoria da Mulher na Alece, Erica Praciano detalha que uma das metas do órgão para 2023 é chegar a 150 municípios cearenses. "De forma bem ousada, porque, assim, nós nos deparamos com as realidades dos municípios. Temos 18 municípios do Estado que não têm representante, não têm nenhuma vereadora", exemplifica.
Lia Gomes cita ainda casos em que existe apenas uma vereadora no município, mas ela é adversária política do prefeito, o que dificulta a implementação do equipamento. As vereadoras, segundo Gomes e Praciano, são as maiores interessadas em levar as procuradorias aos municípios.
"A gente está vendo a quantidade de homens, presidentes da Câmara, procurando e aderindo mesmo à implantação da Procuradoria", completa Erica, ao falar de um movimento que começa a crescer e que pode contribuir com a expansão do número de procuradorias no Ceará.
Além de chegar a mais municípios, a deputada Lia Gomes afirma que uma das suas principais metas como procuradora é a informatização e a integração do sistema de dados das procuradorias.
"Porque a gente vai ter uma coisa que hoje não tem, que são dados. Qual é o número de mulheres hoje que que procura (o equipamento de acolhimento)? (...) Meu sonho maior é a gente conseguir integrar essa rede toda para esses dados começarem a aparecer e dar um choque assim nas pessoas, no poder público para a necessidade", diz.
Rede de apoio entre as parlamentares
A discussão sobre as ações das procuradorias municipais passam por um grupo no Whatsapp - criado para reunir vereadoras e deputadas. Kath Anne relembra que, no início, o grupo contava com 17 pessoas, ainda quando a senadora Augusta Brito (PT), então deputada estadual, era a titular da Procuradoria da Mulher na Alece.
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Agora, são mais de 100 pessoas - entre parlamentares e técnicas das procuradorias. "Fazemos essa troca de projetos, todos aqueles que envolvam a proteção da mulher, políticas públicas que envolvam a atuação da parlamentar", conta a vereadora. "Porque a procuradoria, além de buscar resguardar as mulheres dos municípios, busca dar o protagonismo às vereadoras, para ocupar esses espaços tem tanta dificuldade".
O grupo, completa a deputada Lia Gomes, serve tanto para a troca sobre as ações que estão sendo realizadas pelas procuradorias como para a conversa sobre a experiência das próprias parlamentares - já que conta com senadora, deputadas estaduais e vereadoras -, incluindo inspiração para projetos de lei.
"Nós vamos criar agora um banco de dados para colocar os projetos que elas têm - são muitos projetos legais - para as outras se inspirarem. A gente tem sempre umas que se destacam em uma área, porque tem gente de todo tipo. Tem psicóloga, tem dentista, tem advogada, tem dona de casa, tem enfermeira. Então, às vezes uma tem uma visão sobre um assunto e aí a gente coloca esses projetos delas para as outras terem acesso e irem se inspirando nas ações das outras".
Uma das premissas da Procuradoria, inclusive, é a proteção também as mulheres que atuam na política e que podem, por vezes, sofrer também a violência política de gênero. "Quando tem algum caso de alguma parlamentar nos municípios e nos reportam a situação, a gente atua de forma fervorosa", diz. O atendimento passa tanto pelo jurídico - para a devida orientação da parlamentar quanto aos procedimentos necessários - como pela escuta e acolhimento, completa.