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De avanços conquistados a perda de direitos: o que mudou na legislação trabalhista em 81 anos de CLT

Jornada de trabalho, hora extra, 13º salário, licença-maternidade e proteções contra justa causa são alguns dos avanços conquistados pelos trabalhadores nos últimos anos

Escrito por Alessandra Castro , alessandra.castro@svm.com.br
CTPS
Legenda: Registro empregatício na Carteira de Trabalho é obrigatório para trabalhadores que atuam no regime celetista
Foto: Camila Lima/Arquivo Diário do Nordeste

"O trabalhador brasileiro nunca me decepcionou. Diligente, apto a aprender e a executar com enorme facilidade, sabe ser também bom patriota": foi com essas palavras que Getúlio Vargas anunciou a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em discurso na sacada do palácio do Ministério do Trabalho, na Esplanada do Castelo, no Rio de Janeiro, em 1º de maio de 1943. Há 81 anos, uma multidão de operários e representantes de centrais sindicais dos mais diversos setores aclamavam por melhorias e aplaudiam, esperançosos, o discurso do então chefe de Estado.  

Era tempo do trabalhador, de forma imperativa, reivindicar direitos e melhores condições laborais. Saídos de um regime escravagista há não muito tempo, submetidos à pungente chegada da industrialização e em meio a um cenário de guerra mundo afora, a mão de obra, principalmente fabril, o chamado "chão de fábrica", estava cansada de tamanha exploração a que era submetida. Mulheres tidas como inferiores, trabalho infantil, tarefas análogas à escravidão: a CLT impôs limites a tudo isso.  

DIA PRIMEIRO DE MAIO
Legenda: Edição do dia 2 de maio de 1943 do extinto jornal Diário de Notícias, do Rio de Janeiro
Foto: Biblioteca Nacional

"Perante criminosa displicência governamental e inconcebível cegueira legislativa explorava-se o trabalho dos homens, sob invocação de uma desumana liberdade contratual, que, no fundo, era quase uma lei penúria. Explorava-se o trabalho das mulheres em nome de uma suposta inferioridade, que, no fundo, parecia uma lei de escravatura. Explorava-se o trabalho dos menores, sob pretexto de uma aprendizagem, que, em verdade, era uma lei de injusto castigo à infância"  
Marcondes Filho
Ministro do Trabalho em 1943

Os discursos dos estadistas foram retirados de matéria do extinto jornal carioca Diário de Notícias, publicada no dia 2 de maio de 1943. À época, o periódico era o matutino de maior tiragem do Distrito Federal, então sediado no Rio de Janeiro.   

Ponto de partida  

O anúncio da CLT (Decreto-Lei 5.452) não mudou da água para o vinho a vida do trabalhador brasileiro, mas foi o principal ponto de partida para uma jornada de avanços em direitos laborais. A legislação foi sancionada por meio de decreto-lei no fim de 1943, uma vez que o Senado e a Câmara dos Deputados permaneceram fechados durante todo o Estado Novo (1937-1945). Ao todo, 921 artigos que disciplinaram as relações entre empregadores e empregados foram criados. Atualmente, são 922. Quem diria que, diante de tantas mudanças no País, essa lei sobreviveria até hoje? Sobreviveu. Normas correlatas vieram depois, reformas vistas como retrocessos também.   

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Salário mínimo, férias, jornada máxima de trabalho, caracterização de vínculo empregatício, hora extra, segurança do trabalho, adicional por insalubridade, 13º salário, licença-maternidade e paternidade, proteção contra demissão sem justa causa, seguro-desemprego, criação da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) são alguns dos direitos previstos pela legislação trabalhista.  

Nem todos, no entanto, já estavam postos na publicação da CLT em 1943. A Consolidação unificou leis trabalhistas existentes no País até aquela data. Alguns itens foram sendo adicionados ao regime celetista a posteriori, mediante criação de legislação específica pelo Congresso Nacional, como é o caso do 13º salário e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), criados em 1962 e em 1966, respectivamente.  

Por edição de decretos, medidas provisórias, criação de uma nova lei ou reforma, a CLT garantiu um regime de trabalho com direitos básicos que até hoje continuam sendo discutidos. Nesses 81 anos, algumas normas previstas inicialmente foram asseguradas pela Carta Magna de 1988, enquanto a edição de outras pelo Congresso Nacional tem aberto brechas para geração de conflitos constitucionais. É como avaliam especialistas ouvidos pela reportagem.  

Principais avanços  

Dentre os principais avanços conquistados pela CLT, estão a garantia do descanso semanal remunerado e o salário mínimo. Ambos os direitos foram criados antes da Consolidação das Leis Trabalhistas, um em 1917 e o outro na década de 1930, respectivamente. Contudo, foi com a publicação do decreto-lei que os itens foram solidificados.  

Inicialmente, o valor do salário mínimo variava de acordo com a região do País. Na década de 1980, ele foi unificado, mas, somente com a publicação da Constituição, a igualdade do valor em todo território nacional ficou estabelecida. Além disso, a Carta Magna também trouxe a determinação para que a remuneração mínima atenda às necessidades "vitais básicas" do trabalhador e de sua família, com reajuste periódico que garanta poder aquisitivo.   

Aposentado há quatro anos, José Orlando, 64, relembra a evolução do salário mínimo e de outros direitos trabalhistas com a chegada da Constituição — que incorporou cláusulas já previstas na CLT e ampliou a regulamentação da relação entre patrão e empregado. Seu primeiro emprego de carteira assinada foi em 1982, aos 24 anos. Ele foi contratado como segurança de uma loja e, em seguida, promovido a operador. Ao todo, foram 36 anos de contribuição previdenciária no regime celetista, passando por duas empresas, com o trabalho finalizado em cargo na área de Tecnologia da Informação. 

CTPS
Legenda: José Orlando trabalhou por 36 anos de carteira assinada
Foto: Ismael Soares

"A gente tinha direito a um salário família. Naquela época, tinha o estímulo à produção de prole, cada menino que nascia tinha um valor agregado no salário. Era um valor fixo, mas esse valor foi se diluindo e um dia agregaram ao salário normal. Aí veio a Constituição de 1988, nós ganhamos 1/3 de salário de prêmio nas férias. Antes, você só recebia a folga e o pagamento normal, não tinha esse 1/3 a mais. Se tivesse, era política da empresa, não regra", relembra o aposentado. 

Apesar dos benefícios trabalhistas que fez jus, José Orlando não escapou dos impactos da reforma previdenciária realizada em 2017 — mesmo ano da reforma trabalhista. Ele conseguiu se aposentar por tempo de contribuição em 2020, mas viu a renda diminuir drasticamente com o "novo cálculo" da aposentadoria. Hoje, ainda aguarda o julgamento de uma ação que pede a revisão da vida toda da contribuição. A "sorte", segundo ele, é que conseguiu montar sua própria oficina mecânica, o que ajuda na complementação da renda atualmente. 

"A reforma trabalhista, para mim, não mudou quase nada, porque teve as regras de transição. Acabou impactando os mais novos. Com a reforma previdenciária, aí as coisas ficaram feias. Eu corri para me aposentar. Eu sei que quem contribuiu a vida toda pelo teto, o INSS acabou aposentando muito abaixo do teto. Eu estou aguardando a revisão da vida toda para tentar recuperar" 
José Orlando
Aposentado

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Pontos positivos

Especialista em Direito do Trabalho e Processo Trabalhista, o advogado Nicomedes Figueiredo avalia que as mudanças nas relações laborais trouxeram mais avanços que retrocessos, apesar de alguns direitos empregatícios terem sido flexibilizados com a reforma trabalhista realizada em 2017. Ainda assim, a CLT e outras normas implementadas posteriormente continuam resistindo ao tempo e às mudanças mercadológicas

"No geral, essas mudanças são positivas, isso vem desde a instituição do 13º salário, lá em 1962, à extensão dos direitos trabalhistas aos trabalhadores rurais, que ocorreu no ano seguinte, em 1963. A gente pode incluir também as alterações mais recentes, como a instituição da licença-paternidade de cinco dias, que ocorreu só em 2022. Então, ao longo dos anos, a gente observa que a legislação trabalhista vem sofrendo alterações também positivas", 
Nicomedes Figueiredo
Advogado trabalhista
 

Carteira de Trabalho
Legenda: No regime celetista, férias remuneradas e 13º salário são obrigatórios
Foto: Natinho Rodrigues

O advogado trabalhista Rafael Carlos Rovere aponta progressos em julgamentos de ações que envolvem discriminação no ambiente laboral. Ele explica que a CLT prevê a possibilidade de o trabalhador solicitar uma rescisão indireta caso sofra abusos da empresa. Assim, o funcionário pede demissão e tem garantido verbas rescisórias.

A previsão não é nova, já constava na CLT. Todavia, o advogado percebe que funcionários e empresas estão mais atentos à medida. 

"A discriminação pode acarretar um dano moral. Além de poder pedir indenização, o trabalhador tem o direito de não perder verbas rescisórias caso não aguente o que está passando e peça demissão. Ele pode colocar tipo uma justa causa para o empregador, caso fique comprovado qualquer tipo de discriminação" 
Rafael Carlos Rovere
Advogado trabalhista

O advogado explica que a discriminação tem que ser comprovada, de maneira clara, para que a "justa causa" não seja contestada.  

Além desses direitos, a legislação trabalhista, desde a CLT e normas correlatas, também estabelece: 

  • licença-maternidade por 120 dias, com possibilidade de extensão em casos específicos; 
  • licença-paternidade de 5 dias; 
  • seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; 
  • seguro contra acidentes de trabalho; 
  • adicional por insalubridade; 
  • remuneração da hora extra 50% superior ao valor da hora normal; 
  • férias anuais remuneradas com acréscimo de 1/3 do salário normal; 
  • adicional noturno; 
  • imposição de normas de saúde, higiene e segurança para redução de riscos no ambiente de trabalho; 
  • assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escola, entre outras medidas. 

Direito das Mulheres 

Apesar de a CLT prever condições de trabalho para as mulheres desde sua implementação, foi somente após a Constituição de 1988 que normas para combater a discriminação de gênero foram agregadas à Consolidação das Leis Trabalhistas.  

Em 1999, lei aprovada pelo Congresso Nacional acrescentou à CLT regras que vedam discriminações de gênero e buscam "corrigir as distorções que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as condições gerais de trabalho da mulher". Dentre as regras acrescentadas, estão: 

  • I - publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir;  
  • II - recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível; 
  • III - considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional;  
  • IV - exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego; 
  • V - impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez;  
  • VI - proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.  

Os incisos constam no artigo 372 da CLT. Eles foram incluídos pela lei 9.799/1999. 

Apesar das regras, Geisa Rocha, 22 anos, sofreu na pele uma infração trabalhista em um dos momentos mais delicados de sua vida. Em janeiro de 2021, logo após dar a luz ao seu filho Pedro Santiago, descobriu que havia sido demitida durante a licença-maternidade. 

Ela trabalhava como digitalizadora para uma empresa terceirizada que prestava serviço a uma prefeitura cearense. Tinha jornada de trabalho, ponto a cumprir, mas não tinha a carteira assinada. À época, com 18 anos e no primeiro emprego, não conhecia bem as regras trabalhistas. Todavia, diante do "atraso salarial", resolveu questionar a demora para o recebimento do salário-maternidade. 

"Eu passei todo o período da gestação trabalhando normal em 2020, quando foi em janeiro, do ano seguinte, entrei em contato para saber como ia ficar a situação. Um dos chefes mandou uma mensagem dizendo que eu estava demitida. E eu entrei em contato com outro rapaz da empresa, ele disse que eu não estava demitida, que nem podia. Mas não me responderam mais sobre o pagamento", narra Geisa Rocha. 

Foi aí que a mulher resolver procurar a Justiça do Trabalho para tentar resolver a situação. Reuniu provas da prestação do seu serviço e da promessa do regime de contratação CLT. Ao fim, conseguiu entrar em acordo com a empresa, que pagou dano moral e material. 

licença-maternidade
Legenda: Licença-maternidade é um dos direitos garantidos a trabalhadores em regime celetista
Foto: Shutterstock

Hoje, já não comete mais o mesmo erro de aceitar trabalhar sem ter a carteira assinada previamente. "Hoje eu trabalho para um órgão público, mediante seleção pública. Agora consta na carteira tudo direito", relata. 

Caso de Geisa não é isolado. Desde 2014 até o momento, mais de 104 mil denúncias de infrações trabalhistas foram feitas no Ceará, conforme dados da Superintendência Regional do Trabalho no Ceará. Dessas, 77% foram verificadas. Nem todas, porém, correspondiam a infrações. 

Paridade Salarial

A advogada Enaili Brito reforça que a CLT e demais leis editadas trouxeram avanços benéficos para as mulheres adentrarem, cada vez mais, ao mercado de trabalho. Todavia, é necessário aumentar a fiscalização para coibir desrespeitos à legislação trabalhista, principalmente sobre a obrigação de paridade salarial entre os gêneros — um dos direitos difíceis de garantir. 

"Já avançamos muito nos últimos anos em relação à contratação de mulheres recebendo salários equivalentes aos salários masculinos, mas ainda é uma questão que poderia ser fiscalizada nas empresas a fim de garantir a equiparação salarial nos termos da CLT. Ainda é um tema de difícil comprovação por parte da mulher que deseja a efetivação desse direito em relação aos colegas de trabalho, isso quando a mulher percebe que ganha menos que o colega de trabalho a tempo de exigir tal equiparação" 
Enaili Brito
Advogada trabalhista

Relatório de Transparência Salarial do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), divulgado em março deste ano, apontou que as mulheres em cargos de direção ou gerência de empresas com 100 funcionários ou mais no Ceará ganham, em média, 29,4% menos que homens que ocupam a mesma função. 

As diferenças salariais de gênero são mais discrepantes entre empregados técnicos de nível médio e em atividades operacionais. No Ceará, os homens nessas funções ganham, em média, 33,2% e 30,7%, respectivamente, a mais do que as mulheres.  

Nacionalmente, levantamento realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) a partir de microdados da PNAD Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou que a desigualdade salarial entre gêneros diminuiu nos últimos 10 anos, mas ainda não atingiu a equidade.  

O índice que mede a paridade salarial passou de 72 em 2013 para 78,7, em 2023. A paridade de gênero é medida em uma escala de 0 a 100, sendo que quanto mais próximo de 100, maior a equidade entre mulheres e homens. 

Reforma Trabalhista 

Ainda que avanços tenham sido registrados na legislação trabalhista ao longo desses 81 anos do anúncio da CLT, retrocessos também ocorreram. Conforme os especialistas, a mudança mais brusca na legislação foi ocasionada pela reforma trabalhista de 2018, implementada pelo então Governo do presidente Michel Temer em meio à crise econômica que atingia o País. 

Auditor-fiscal do trabalho há quase 30 anos e atual chefe da Fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Ceará, vinculada ao MTE, Luís Freitas explica que a inclusão de direitos trabalhistas sempre foi alvo de contestação pela parte patronal, sob a justificativa de que a medida limitaria a geração de empregos. 

emprego
Legenda: Para chefe da Fiscalização do Trabalho no Ceará, reforma trabalhista não impulsionou geração de empregos
Foto: Divulgação/Governo do Ceará

No entanto, não foi isso que ocorreu com a implementação da CLT e benefícios que a sucederam, nem o mercado de trabalho foi impulsionado com a reforma. É como avalia o auditor fiscal do trabalho. 

"Uma das grandes propagandas que eles (Governo Temer) faziam era geração de emprego, isso não aconteceu. Outra coisa: eles diziam que não iriam retirar direitos, isso não aconteceu. Não retiraram diretamente, mas permitiram retirar via negociação. Cerca de 70% dos artigos alterados (com a reforma trabalhista de 2017) favoreceram a classe patronal, 30% os trabalhadores"
Luís Freitas
Chefe da Fiscalização do Trabalho no Ceará

Para o advogado Nicomedes Figueiredo, a principal perda para os empregados veio com a brecha aberta para acordos coletivos, individuais ou convenções "prevalecerem" sobre normas da CLT. Com isso, jornada de trabalho, pagamento de banco de horas, intervalo intrajornada e o enquadramento da insalubridade podem ser pactuados, por exemplo.

Ainda conforme o especialista, a medida desfavorece especialmente trabalhadores com menor força sindical, por possuírem historicamente menor poder de barganha.

"O retrocesso que a gente mais abordou foi a possibilidade de o acordado prevalecer sobre o legislado, porque retira o poder de barganha do trabalhador. O sindicato patronal sempre vai ser mais forte porque é quem está bancando", ressalta. 

Retrocessos 

Outro ponto visto como regresso pelo advogado foi o "tabelamento do dano extrapatrimonial", uma vez que a reforma de 2017 estabeleceu que o valor da indenização por dano moral será estipulado de acordo com o salário contratual do trabalhador. Assim, quanto menor for o salário do funcionário, menor será o valor do ressarcimento. Para Figueiredo, a medida fere o princípio da isonomia previsto na Constituição. 

"A CLT, a partir da reforma de 2017, estipula que o juiz vai definir o valor da indenização por dano moral de acordo com o salário contratual. Então, por exemplo, se ele entender que foi um assunto de natureza leve, a indenização é até três vezes o último salário contratual. A partir do momento em que o legislador indexa o valor da indenização ao valor do salário contratual do ofendido, você entende que fere o princípio da isonomia e, de certa forma, ofende até a dignidade do trabalhador, porque está valorando a dor dele de acordo com o que ele ganha" 
Nicomedes Figueiredo
Advogado trabalhista

A previsão citada pelo advogado consta no artigo 223-G da CLT. 

O advogado Rafael Carlos Rovere também acrescenta pontos de "atraso" impostos com a reforma da CLT de 2017. Um deles é o sobre a obrigatoriedade que a legislação impunha para o trabalhador pagar o valor da perícia, se fosse ingressar na Justiça em casos de acidentes de trabalhador. Para Rovere, a medida coibia o acesso à Justiça garantido a todos pela Constituição. 

"Teve uma discussão sobre quando a parte que perde ter que pagar o valor da perícia, em caso de acidentes de trabalho. Era uma forma de coibir o acesso à Justiça para o trabalhador. E o acesso à Justiça é um direito de todo mundo, por isso o STF derrubou esse item, entendeu que era inconstitucional" 
Rafael Carlos Rovere
Advogado trabalhista

O ponto foi revogado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.766. 

Para a advogaga Enaili Brito, a reforma trabalhista prejudicou as mulheres com a permissão de conversão de jornada diária de 8 horas para 12 horas com folga de 36 para qualquer categoria. A medida prejudica o público feminino, que, na maioria das vezes, se divide entre o trabalho doméstico e laboral. 

"Para as mulheres, essa foi uma alteração prejudicial que, devido a dupla jornada que ela enfrenta, vai passar por um desgaste físico ainda maior ao passar longos períodos de tempo no trabalho, além de ficar longos períodos de tempo longe da família, o que é mais difícil para uma mãe solo com filho de poucos anos de idade encaixar" 
Enaili Brito
Advogada trabalhista

Fiscalização 

Chefe da Fiscalização do Trabalho no Ceará, Luís Freitas ressalta que a extinção do Ministério do Trabalho e Emprego em 2019 enfraqueceu a atuação do órgão. Mesmo com a recriação do Pasta poucos anos depois, em 2021, uma reestruturação financeira e em recursos humanos ainda não ocorreu. 

Ministério do Trabalho
Legenda: Ministério do Trabalho realiza concurso neste ano para contratar 900 novos auditores-fiscais do trabalho
Foto: José Cruz/Agência Brasil

"Um Ministério do Trabalho fraco influencia em trabalhadores fracos. No Brasil, temos menos 2.000 fiscais do trabalho. Vai ter um concurso unificado com 900 vagas de auditor-fiscal do trabalho para todo o País, ótimo, mas há mais de 10 anos não temos concurso. Não é suficiente. (...) Isso impacta na cobrança da legislação. Como você, empregador, vai dizer 'eu vou cumprir os direitos trabalhistas porque tenho medo da legislação'. Ele não vai temer" 
Luís Freitas
Chefe da Fiscalização do Trabalho no Ceará

O MTE foi extinto no primeiro dia do Governo Bolsonaro (2019-2023), sendo transformada em Secretaria Especial subordinada ao Ministério da Economia. A Pasta foi recriada em 2021 por meio de Medida Provisória, que foi validada pelo Congresso Nacional posteriormente.  

Apesar das dificuldades enfrentadas pelo órgão, ele ressalta o esforço da superintendência no Ceará para combater possíveis infrações trabalhistas. "Com a tecnologia, dá para fazer fiscalização eletrônica, principalmente relacionada ao FGTS. O fiscal não precisa mais ir presencialmente para fiscalizar depósito do FGTS, por exemplo, no sistema a gente pega, mas outras situações, não. Eu não consigo ver uma pessoa trabalhando sem carteira assinada, com excesso de jornada etc.. A gente resolve no sistema cota de aprendiz, depósito do FGTS", explica. 

Ainda conforme Freitas, a falta de registro empregatício na carteira assinada ainda é a principal infração cometida. "A falta de registro da CTPS é muito comum, explode no Interior do Estado. Na Capital, o recorde dessa infração é no setor de comércio e serviço", destaca. 

Segundo ele, das 104.776 infrações denunciadas no Estado, a maioria versa sobre falta de registro empregatício na CTPS, atraso salarial e não pagamento de verbas rescisórias. 

Apesar de perdas e ganhos na legislação trabalhista nos últimos 81 anos, todos os especialistas ouvidos pela reportagem concordam que há mais avanços do que desfalques a serem comemorados neste Primeiro de Maio, dia do Trabalhador.

Para Luís Freitas, agora, os celetistas precisam se unir para não perder mais direitos, reestruturando sindicatos e participando, ativamente, de discussões de novas regulamentações trabalhistas.

"Muitas mudanças foram feitas na CLT. E por que isso aconteceu? Não houve uma grande mobilização, a classe achou que a reforma não ia passar, e a reforma foi aprovada em seis meses, tempo recorde, porque uma reforma desse tipo leva mais de um ano. A classe trabalhadora precisa se fortalecer, mobilizar", finaliza Freitas.

 

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