A uma semana do dia da votação do segundo turno na Capital, os candidatos André Fernandes (PL) e Evandro Leitão (PT) têm intensificado a disputa pelas torcidas do Ceará Sporting Club (CSC) e do Fortaleza Esporte Clube (FEC) em busca de alcançar, e não perder, votos apaixonados do eleitor. A associação com futebol já vinha sendo explorada desde o primeiro turno, mas ganhou novos desdobramentos com o acirramento do pleito na reta final da campanha.
No início da corrida eleitoral, dois ex-dirigentes de clubes estavam no páreo: Eduardo Girão (Novo), que presidiu o FEC em 2017, e Evandro Leitão, que comandou o CSC de 2015 a 2018. Agora, apenas o petista continua no páreo — o que tem gerado maiores investidas de Fernandes contra Leitão na campanha com apelo futebolístico. O escalonamento dos embates gerou reações na campanha petista, que antes vinha evitando associar política e futebol e passou a buscar apoio de figuras importantes de ambos os times. É como avaliam especialistas ouvidos pela reportagem.
As estratégias para conquistar o voto das torcidas envolvem desde jingles, críticas em debates e utilização de torcedores na propaganda eleitoral. Conforme último levantamento da pesquisa Quaest Fortaleza, Evandro Leitão e André Fernandes estão numericamente empatados na disputa pela Prefeitura de Fortaleza, com 43% das intenções de voto cada.
Nessa semana, inclusive, uma foto do petista com presidentes de torcidas organizadas rivais provocou a revogação de uma homenagem feita pelo Fortaleza Esporte Clube a Leões da TUF. Na imagem, Leitão aparece de mãos dadas com o presidente da TUF, João Paulo "Bombado", e com o presidente em exercício da Cearamor, Régis Alves Pires.
A foto passou a circular nas redes sociais na última sexta-feira (18), data em que o clube comemorava 106 anos. No mesmo dia, já no fim da noite, o Conselho Deliberativo do Fortaleza emitiu uma nota sobre o assunto, exigindo "a imediata devolução da medalha Alcides Santos ofertada à TUF" por conta da imagem.
"Durante todo o presente período eleitoral, o Conselho Deliberativo do Fortaleza manteve sua regimental neutralidade. O Fortaleza alberga todos os espectros políticos, o Fortaleza é de todos. No entanto, fomos surpreendidos com divulgação de uma foto por parte de Evandro Leitão, em que o candidato usa a figura do Presidente da TUF, João Paulo, ao lado de membro da torcida Cearamor. O fato que, por si, já é muito grave pelo uso de cores, marca e símbolos do clube, torna-se desrespeitoso, vil e maldoso por vir à tona justamente no aniversário do clube, durante a celebração"
Apesar de alegar que "manteve sua regimental neutralidade" durante a corrida eleitoral na Capital, a nota trazia acusações a Leitão, de que ele "prejudicou a instituição no passado" e "perseguirá o clube no futuro".
"Difícil acreditar que o conteúdo e o momento da publicação sejam obra do acaso. A verdade é que Evandro Leitão prejudicou a instituição Fortaleza Esporte Clube no passado, divide os tricolores no presente e, ao que tudo indica, perseguirá o clube no futuro. Ao Conselho, não resta alternativa que exigir a imediata devolução da medalha Alcides Santos ofertada à TUF. A homenagem perdeu o todo o sentido, já que o seu diretor traiu todos os valores que a comenda representa", complementou o Conselho na nota.
Reações
A posicionamento do Conselho, que também foi compartilhado na rede social do clube, gerou reações de torcedores na postagem. Em uma delas, uma torcedora chama a nota de absurda e questiona a diretoria.
"Essa nota é absurda em tantos níveis! Vocês estão querendo impedir um representante de movimento social (como é o caso das organizadas) de se manifestar? Quando o apoio era a Eduardo Girão tava (sic) tudo bem, né? Ninguém achou ruim, ninguém falou em uso de 'cores, marca e símbolos do clube'. Só vale se o posicionamento for o mesmo da Mesa Diretora?", questionou, alegando que os membros não foram consultados sobre a decisão de solicitar a devolução da medalha.
Outro torcedor, por sua vez, apoiou o posicionamento. "Como conselheiro, apoio a nota! O Fortaleza Esporte Clube jamais deverá ser associado a nenhum partido e/ou político. Quem quiser defender o seu político de estimação, que o faça sem se utilizar de símbolos ou cores do clube", acrescentou, alegando que a postura de membros deveria ser desassociada do time.
Para o cientista político Cleyton Monte, que também é professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC), a nota "buscou repudiar aquele tipo ação", mas acabou parecendo "muito mais uma nota de apoio ao André".
"Essa nota do Conselho Deliberativo buscou repudiar aquele tipo de ação, mas, ao mesmo tempo, me pareceu — e eu acho que está parecendo também para quem pegou essa nota nas redes sociais — muito mais uma nota de apoio ao André no Conselho deliberativo. Eles quiseram repudiar o ato do Evandro Leitão com os torcedores das organizadas, mas eles acabaram apresentando isso como uma ação de apoio ao André"
Prática não é nova
Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil, secção Ceará (OAB-CE), Fernandes Neto avalia que "sempre foi utilizado, durante a política no Brasil, a associação de um candidato a times de futebol". Ele ressalta, inclusive, que tanto clubes como torcidas organizadas, enquanto instituições privadas, podem se manifestar sobre a disputa, mas sem fazer qualquer tipo de doação financeira às campanhas dos candidatos a partir de seus CNPJs.
Todavia, a prática é evitada, principalmente pelos clubes, por poder trazer "problemas" com torcedores devido à rivalidade política em uma disputa a cargos no Executivo.
"O clube é uma entidade privada e pode apoiar qualquer candidato. No entanto, ele não pode fazer gastos, despesas e doações em favor desse candidato. Então, o limite do apoio de clubes de futebol, ou qualquer outro clube, como escolas de samba e outros exemplos que podemos ter no Brasil de entidades privadas, associações, é esse. (...) As torcidas organizadas, se tiverem CNPJ, elas estão também dentro da mesma interpretação dada ao clube. No entanto, elas podem, a torcida ou individualmente o líder de uma torcida, realizar uma propaganda eleitoral e aparecer na campanha de algum candidato"
O Ceará Sporting Club não se manifestou sobre a imagem nas redes sociais.
Procurado, o CEO do SAF do Fortaleza, Marcelo Paz, disse que "só fala sobre futebol".
A reportagem tentou contato com o presidente do Fortaleza Esporte Clube, Alex Santiago, para saber se ele gostaria de se posicionar sobre a repercussão da nota, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.
O presidente do Ceará Sporting Clube, João Paulo Silva, também foi procurado para falar sobre o assunto, mas também não respondeu até o momento.
A reportagem tentou, ainda, contato com João Paulo Bombado, presidente da Leões da TUF, e com Régis Alves, presidente da Cearamor, mas apenas o segundo se pronunciou até a publicação da reportagem.
Na ocasião, Régis Alves disse que "toda decisão sobre as ações da torcida é colocada em pauta para a diretoria aprovar".
"Importante ressaltar que não é de hoje que a Cearamor tem seu posicionamento político, e que a política faz parte do cotidiano, pois está na diretoria da torcida é um ato político. O movimento de torcida organizada aqui no Estado sempre buscou dialogar com o poder público, e um dos caminhos é através de compreender qual o projeto político da campanha dos candidatos é o melhor para a cidade e a cultura de paz no esporte e lazer", destacou.
Ele acrescentou, ainda, que a "Cearamor repudia toda forma de censura, pois, no espaço democrático, é direito de toda entidade se manifestar e está na Constituição", afirmou.
Em caso de manifestações, a reportagem será atualizada.
Campanha
Durante a campanha eleitoral em Fortaleza, o apelo às torcidas foi utilizado por diferentes candidatos no primeiro turno, mas têm sido intensificado durante a campanha do segundo turno.
Um dos jingles do postulante do PL diz "Quem é Vozão não vota Leitão; quem é Leão não vota Leitão". Em resposta, a campanha de Evandro divulgou o jingle com refrão inverso: "Quem é Vozão e Leão, vota no Leitão".
Os apelos não se limitam, no entanto, apenas aos jingles. Na propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV, também há presença de torcedores trajados com roupas do clube em atos de campanha. Nas redes sociais e nos atos de rua, não é diferente.
O ambiente da internet, inclusive, é utilizado para massificar os acenos, seja com apoios de membros ou críticas, conforme avalia Monte.
"Como a gente está falando de duas grandes torcidas, principalmente Fortaleza e Ceará, você está falando de movimentos que ganham muita repercussão nas redes sociais. O que tem de produção de cards, de vídeos, de gifs, explorando essa imagem, significa que nas redes sociais isso tem uma inserção muito grande", avalia Monte.
Inclusive, logo no início do segundo turno, no dia 8 deste mês, André Fernandes aproveitou o espaço para divulgar um novo jingle contra o adversário, onde chama o petista de "covarde" e "frouxo" e diz que ele "sempre some se o caldo engrossar". A paródia faz referência a licença tirada por Evandro logo após o Ceará ter sido rebaixado no Brasileirão, em 2011, época em que Leitão estava à frente do clube.
No dia 16 deste mês, foi a vez do candidato do PT divulgar, nas redes sociais, um discurso da vice-governadora Jade Romero a seu favor. Ela é casada com o CEO do SAF do Fortaleza, Marcelo Paz. Na ocasião, ela fala que os eleitores não estão em uma "disputa entre Fortaleza e Ceará" e se refere a tentativa de divisão de torcidas como uma "cortina de fumaça".
"Isso é cortina de fumaça para tirar foco do que nós estamos discutindo, que são os próximos quatro da nossa cidade. E todo mundo que torce Fortaleza, ama alguém que torce Ceará. E todo mundo que torce Ceará, ama alguém que torce Fortaleza", acrescentou.
O discurso de Romero foi feito no dia 15 de outubro, durante comício no bairro Benfica em prol de Leitão. O evento contou ainda com a presença do prefeito reeleito de Recife, João Campos (PSB), e outras autoridades.
Debate
No último debate PontoPoder, realizado no dia 16 deste mês, o clima ficou acirrado entre os candidatos quando o assunto foi "esporte". O tema foi um dos sorteados no segundo bloco e acabou provocando troca de farpas entre os postulantes.
Primeiro a perguntar, Fernandes acusou Evandro de "agredir, com um soco por trás, um árbitro de futebol no final do campeonato cearense lá de 2015" e de "dar uma rasteira numa colega de partido" ao se referir à disputa interna com a deputada federal Luizianne Lins no PT.
Durante o debate, ele ainda provocou o adversário com: "E o Vozão?".
Evandro respondeu alegando que o postulante do PL é quem foi "condenado por agressão a mulher", ao se referir ao processo em que o oponente foi condenado a pagar uma indenização de R$ 50 mil por "ataques machistas" a uma jornalista.
No quarto bloco, os ataques mútuos envolvendo o futebol como pano de fundo retornaram.
Na ocasião, André questionou Evandro sobre uma foto do petista com o Arlindo Maracanã, em 2013, no período em que o Fortaleza Esporte Clube não conseguiu sair da série C para a B do campeonato brasileiro.
"Aquela foto que você postou e viralizou com o Arlindo Maracanã, com um pacote de dinheiro vivo, era comemorando que o Fortaleza não subiu da série C para a série B? Você se orgulha que um time cearense não venha a subir, a ter acesso à série B?", questionou o candidato do PL.
Evandro rebateu, alegando que, diferente do oponente, tem "orgulho de ter sido um dirigente desportivo".
"Eu me orgulho de ter sido um dirigente desportivo, dirigente do Ceará Sporting Club, onde eu tirei o Ceará de uma situação extremamente ruim e deixei o Ceará num patamar completamente diferente. Diferente de você, eu tenho outras experiências. (...) A única experiência que você tem é em administrar perfis nas redes sociais", respondeu.
Impactos
Para Cleyton Monte, os impactos das estratégias serão sentidos após a eleição. Ele aponta que, enquanto André tem adotado uma tática de utilizar o tema para questionar o desempenho de gestor de Leitão, que ele teria "quebrado o time do Ceará", o petista está buscando criar uma "contranarrativa" para "informar o que aconteceu e trazer a sua percepção".
"É muito difícil a gente avaliar o sucesso das estratégias, porque não existe um tipo único de torcedor, existem os mais variados. Existem aqueles que são mais apaixonados, aqueles que têm uma simpatia, mas não misturam futebol e política. Enfim, é difícil a gente fazer essa avaliação de quem está chegando mais perto do torcedor", avalia.
Na avaliação do presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-CE, as estratégias buscam apelas para o lado "não racional" das paixões do eleitorado. Porém, ele alerta para possíveis consequências jurídicas para os candidatos em casos de abusos.
"Esse tipo de propaganda é estratégia de marketing, que visa apelar para o sentimento e a paixão do futebol em favor do eleitor. (...) Esporte, religião, nós sabemos que são paixões, são dogmas, são situações muitas vezes não racionais que são utilizadas na política, às vezes indevidamente", frisa Fernandes Neto.