Ao longo da corrida eleitoral, não são poucas as estratégias de campanha que tentam colar a imagem de candidatos para a prefeitura com os que concorrem a cadeiras na Câmara Municipal. E o mesmo também acontece no sentido inverso, com postulantes ao posto de vereador vinculando suas campanhas com as de prefeituráveis.
O objetivo dessa estratégia é que sejam conduzidas aos cargos eletivos, no mesmo pleito, representações alinhadas e que haja ainda um compartilhamento de votos dos mesmos eleitores.
A efetividade dela, entretanto, não é uma unanimidade para quem acompanha as movimentações. Lideranças partidárias e especialistas, entrevistados pelo Diário do Nordeste, vêem o cenário de maneiras diferentes, inclusive com fatores que podem reforçar ou não seu funcionamento.
Há, por exemplo, quem aposte no modelo que associa plataformas políticas por conta da visibilidade e do custo-benefício, mas há ainda quem não acredite no potencial do formato, porque, na cabeça do eleitorado, a confiança depositada em cada uma das representações partiria de uma tomada de decisão distinta.
Visibilidade e impulsionamento
Para a socióloga e cientista política Paula Vieira, a estratégia se justifica pelo peso que as campanhas a prefeito têm no pleito. "Os cargos de Executivo vão funcionar como se fossem 'cabeças de chapa', para trazer todos os candidatos do Legislativo para dar essa visibilidade", explicou.
"É uma forma de dizer aos eleitores que ele tem acesso ao prefeito, ao candidato à prefeitura e que, se eleito, terá esse acesso com maior facilidade", definiu Vieira.
Mas, segundo ela, que também é pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC), outros contornos vão ditar a importância da participação de vereadores nos palanques para o Executivo.
A doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), Mariana Andrade, acrescenta que, além do potencial de impulsionamento por tornar postulantes à vereança mais visíveis, há outras duas esferas nesse jogo.
"A segunda esfera diz respeito aos custos envolvidos. Pois, ao lançar candidaturas simultâneas para os cargos de prefeito e vereador, o partido direciona melhor os investimentos de campanha, economiza com eventos e coordena de forma mais assertiva as estratégias de publicidade, uma vez que os temas e plataformas são os mesmos", descreveu Andrade.
A entrevistada pontuou ainda que uma terceira esfera dessa estratégia de associação entre candidaturas "se concentra na composição política pós-eleição". "Um prefeito com maioria na Câmara tem mais facilidade para aprovar projetos e políticas setoriais", pontuou.
Dirigentes acreditam na estratégia
Um dos dirigentes que creem na efetividade da estratégia é o presidente municipal do Partido dos Trabalhadores (PT) de Fortaleza, o deputado estadual em exercício Guilherme Sampaio. À reportagem, o líder partidário disse que crê num impulsionamento provocado pelo candidato da sua sigla, Evandro Leitão, para com os que tentam se eleger como vereadores.
"Associar sua candidatura a um candidato a prefeito experiente, com forte liderança e filiado a um partido com forte tradição de lutas populares credencia muito os candidatos e candidatas e transmite a ideia de que poderão fazer muito mais por seus eleitores e pela cidade".
O deputado federal Luiz Gastão, presidente do Partido Social Democrático (PSD) em Fortaleza, também tem a mesma opinião.
"Não podemos negar que há sim ingerência. Quando você tem um candidato que está à frente das pesquisas, às vezes as pessoas que querem votar nele não têm um candidato, então vão procurar algum que esteja naquele mesmo lado, na mesma corrente".
Na visão de Gastão, esse voto não será feito "indistintamente". E, por isso, de acordo com ele, é necessário apresentar nomes que tenham alguma identificação com o eleitorado. "A composição da chapa de vereadores, a localização e a pauta do eleitor vão somar-se a isso", analisou.
Na majoritária para a Prefeitura de Fortaleza, o PSD compõe a mesma coligação que o PT, ocupando a vice. Na proporcional, no entanto, o PSD não compõe federação com nenhum outra agremiação, e, assim, disputa sozinho o quociente partidário.
'Não é bem por aí'
Para Alexandre Uchôa, presidente estadual do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) no Ceará, "partidos ideológicos" como o seu, que se articulam com os movimentos sociais de maneira direta, tendem a atrair votos para a chapa proporcional por conta de um projeto coletivo, não necessariamente pelo nome colocado para o Executivo.
"O voto [no partido] tem a força das nossas ideias e desse movimento que não se nutre só no período eleitoral. Por isso uma candidatura majoritária do PSOL traz também os votos resultado das lutas e nossa legenda e ajuda na vitória coletiva, da chapa".
Quem não concorda plenamente com a assertiva da transferência de votos é o presidente do diretório cearense do Partido Renovação Democrática (PRD), o vereador Michel Lins, de Fortaleza.
"É mais fácil um vereador converter votos para o prefeito, do que os candidatos a prefeito para o vereador. O prefeito está fazendo uma campanha macro, enquanto o vereador é quem o contato mais próximo".
Para Lins, um argumento que pode convencer o eleitor no momento em que o postulante vai pedir votos é a possibilidade de que, se eleito junto com o prefeiturável do mesmo grupo, aquele político poderá tirar do papel obras e ações em benefício daquele segmento ou território.
Na leitura dele, é nessa frente que a cooperação entre Executivo e Legislativo pode ser benéfica. "O prefeito ajuda o vereador nos quatro anos, é antes. É, por exemplo, quando ele fortalece o vereador que deu entrada num projeto e aí tira do papel as obras que foram pedidas", completou Michel Lins.
Candidaturas próprias?
Ter uma candidatura própria para o cargo de prefeito pode ser uma vantagem para as legendas partidárias que também queiram ter uma bancada no Legislativo municipal, conforme alegaram especialistas ouvidas pelo Diário do Nordeste.
De acordo com Mariana Andrade, "quando um partido decide não lançar candidaturas, tende a enfrentar várias desvantagens", entre elas estão o enfraquecimento da imagem diante da mídia e do eleitorado, desidratação da base eleitoral, perda de representatividade e outros efeitos colaterais.
Já para Paula Vieira, a estratégia de lançar um candidato para a prefeitura, mesmo não sendo alguém competitivo, é, muitas vezes, uma maneira encontrada por legendas para tornar seu projeto político mais visível para o eleitorado, viabilizando a eleição de representantes para o Poder Legislativo.
Marcelo Silva, presidente estadual do Partido Verde (PV) no Ceará, disse acreditar que uma indicação própria de um partido tende a ser um atributo a mais para aquela sigla. O PV compõe uma federação com o PT e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
"Se em qualquer município a federação indicar um candidato a prefeito, esse partido que indica a majoritária leva vantagem com relação aos vereadores", considerou. "Mas, pela minha experiência, o voto de vereador é muito pessoal. Acho que não há essa vinculação", ponderou em seguida o dirigente.
O petista Guilherme Sampaio preferiu ser menos conclusivo em sua avaliação, alegando que a obtenção de vantagem em razão de um candidato próprio é "muito relativo". "Isso depende muito da composição da chapa, do perfil dos candidatos e do quanto os candidatos e candidatas estão associados ao projeto político que o candidato encarna", argumentou.
Disputas por votos
As discordâncias internas são comuns a essa altura do cenário pré-eleitoral. Intrapartidárias ou internas, as disputas entre os candidatos de um mesmo grupo se dão em razão de conflitos por um eleitorado no mesmo território em que atua, por votos de um mesmo segmento que milita ou até mesmo pela divisão de recursos para campanha.
Para a professora Mariana Andrade, esse fenômeno é resultado de fatores exclusivos de uma eleição como a que acontecerá em outubro, como a execução dos mandatos em uma municipalidade. "Cada um precisa se destacar para obter votos e manter seu mandato ou conquistar uma nova eleição", explicou, ao tratar sobre o acirramento.
Segundo a pesquisadora Paula Vieira, como efeito dessas disputas territoriais, especificamente, a possibilidade do grupo político ou partido ter um número maior de cadeiras pode ser reduzida. "Em vez de ter dois eleitos em territórios diferentes, pode ser que ele tenha apenas um daquele território que está em disputa", exemplificou.
E, entre as lideranças dos partidos políticos, cada um interpreta ou tenta mitigar a situação de um jeito. Michel Lins considera como "normal" a disputa entre postulantes pela mesma base de votos. "Em alguns locais elas são mais agressivas, em outros são normais. É uma disputa de votos", sinalizou o presidente do PRD Ceará.
O pessolista Uchôa, entretanto, disse observar isso como algo benéfico: "Nosso partido é composto de uma democracia muito viva. Fruto de uma soma de diversos grupos. Às vezes, nas eleições, (os membros) concorrem entre si, mas é uma disputa que soma para a chapa".
Guilherme Sampaio minimizou a relevância das divergências, já que, em suas palavras, o PT "encarna um projeto popular e democrático para o país". "Disputas menores ficam em segundo plano. Quando surgem são contornadas sem grandes dificuldades e pelo diálogo entre nossos dirigentes e candidatos", concluiu.
As disputas intrapartidárias entre membros da Federação PT-PV e PCdoB, segundo alegou Marcelo Silva, são sempre debatidas entre três dirigentes, mas conduzidas para instâncias superiores, nos casos em que os dirigentes estaduais chegam a um consenso.
Gastão comentou que o PSD tem procurado reduzir esse acirramento. "Nós temos uma cidade enorme, um eleitorado enorme, e é muito mais fácil nós buscarmos votos nos campos que estão desocupados ou ocupados por outras frentes do que ficarmos discutindo e buscando disputar dentro do nosso próprio campo", articulou.