Reforma Administrativa: Estabilidade de servidor pouco muda em cinco Cartas desde 1934
A tentativa mais recente, capitaneada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), não gerou efeito prático
Alvo da reforma administrativa do governo Jair Bolsonaro, a estabilidade do servidor público está na Constituição – em suas diversas versões – desde 1934. Ao longo das décadas, o dispositivo que protege os trabalhadores que servem ao Estado pouco mudou. A tentativa mais recente, capitaneada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), não gerou efeito prático.
A proposta apresentada pela equipe econômica na semana passada prevê que a estabilidade será mantida nos moldes atuais só para as carreiras típicas de Estado, funções consideradas estratégicas para a administração pública e que não encontram paralelo no setor privado. O governo, no entanto, deixou a definição exata dessas carreiras para um segundo momento.
O texto cria outras modalidades de contratação sem estabilidade, o que, na prática, acaba com o regime jurídico único existente hoje no serviço público. A extinção desse regime foi proposta e aprovada por FHC, mas a medida acabou derrubada na Justiça.
O pacote do ministro Paulo Guedes (Economia) prevê que, para esses cargos estratégicos, haverá um período de experiência de dois anos que se somará à prova do concurso para determinar quais serão os aprovados.
Após esse período, haverá mais um ano de estágio probatório antes da obtenção da estabilidade. Hoje, as pessoas aprovadas em concurso têm vaga praticamente garantida, com estágio probatório de três anos, etapa que não gera desligamentos em 99,6% dos casos.
Constituição
O professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV Nelson Marconi afirma que a estabilidade no serviço público é fruto de ideias discutidas ainda no fim do século 19. No Brasil, o conceito foi inserido na Constituição de 1934, sem que um nome específico fosse dado para a prerrogativa.
O texto dizia que os funcionários públicos concursados havia ao menos dois anos –ou sem concurso, com mais de dez anos de atuação – só poderiam ser destituídos via sentença judicial ou processo administrativo. A Carta de 1937 manteve redação similar.
O texto de 1946 estabeleceu a definição do funcionário público "estável". A medida manteve a previsão de dois anos de atividade até o concursado receber essa proteção. Para as pessoas sem concurso, o tempo exigido de atuação na máquina pública caiu de dez para cinco anos.
Em 1967, a Carta Magna passou a prever que, a partir daquele ano, ninguém poderia adquirir a estabilidade sem prestar concurso.
Atual
Finalmente, na Constituição de 1988, em vigor até hoje, foi definido que a estabilidade seria obtida após dois anos de atividade dos servidores nomeados após concurso. Ficou mantida a regra que previa perda do cargo em caso de sentença judicial transitada em julgado ou processo administrativo no qual seja garantida ampla defesa.
"Antes da Constituição de 1988, apenas algumas carreiras tinham a estabilidade. E havia outros regimes jurídicos. A grande maioria dos servidores nessa época era submetida à CLT", disse Marconi.
Dez anos depois, a reforma de FHC aprovou emenda à Constituição para prever a possibilidade de demissão de servidores também por mau desempenho. Na época, Marconi era diretor da política de Recursos Humanos do governo.
A regra aprovada em 1998, na gestão FHC, define que o servidor poderá perder o cargo "mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa". Apresentado na época pelo então presidente, o projeto de lei complementar nunca foi aprovado pelo Congresso, o que impede a aplicação prática da regra.
"O governo errou naquela época porque o projeto especificava que o critério para demitir servidores seria diferente para as carreiras exclusivas de Estado. E o governo restringiu muito essas carreiras. O projeto foi para o Congresso e sofreu resistência muito grande, claro", disse.
Também na reforma de FHC, o estágio probatório foi ampliado de dois para três anos. O governo ainda aprovou a extinção do regime jurídico único, o que abriu caminho para contratações sem estabilidade. No entanto, o artigo que abarcava esse dispositivo teve seu trecho principal rejeitado. Com isso, a extinção do regime acabou invalidada pelo Supremo.
Nas últimas décadas, o governo passou a usar contratos temporários, mas só em situações específicas, como na realização do Censo.
Com o tempo, a administração pública também ampliou as contratações de empresas terceirizadas para serviços considerados menos especializados, como de limpeza e segurança.
Na proposta agora apresentada ao Congresso, o governo pretende criar uma forma de contratação por meio de concurso, mas sem estabilidade.